Dedicado ao Ilustre e Digníssimo Dr. Giulianno Leone di Lozenzo,
Filho de Sintra em Veneza, Sub-Posto do Quinto Posto da Europa.
Significado do nome Veneza
A República Sereníssima de Veneza liga o seu nome a origens bíblicas recuando ao povo Véneto, que o historiador judeu-romano Josefo Flavio (37-100 d. C.) identifica aos Paflagónios primitivos do Sul da Rússia dizendo-os descendentes de Rifath, filho de Gomer, neto de Jafet e bisneto do patriarca Noé. O poeta épico grego Homero também escreve que os Vénetos moravam na Paflagónia.
Os Vénetos, apesar de povo guerreiro e empreendedor, eram profundamente religiosos sendo a sua divindade suprema feminina, a deusa Reithia, correspondendo à Hera dos gregos e à Juno dos romanos. Quando foram convertidos ao Cristianismo, mantiveram a sua grande devoção à Mãe Divina em detrimento do culto a Deus Pai. Teve que vir um Papa véneto, João Paulo I, para ensinar que Deus não é só Pai, mas também é Mãe. É do Princípio Feminino que surge a Vida.
Esse Princípio Feminino Eterno era identificado no céu ao planeta Vénus pelos Paflagónios chamando-o Reithia, “Recta, Justa, Nobre”, e foi assim que eles vieram a ser chamados pelos hunos e romanos de Vénetos, com o mesmo significado etimológico da deusa Reithia, com os sobrenomes de Esplendorosa e Sereníssima. Este último título corresponde ao sistema de governo autónomo de Véneto anterior de milénios ao romano, o que remete para a influência da mesma Deusa-Mãe primitiva. É assim que ainda hoje mantém-se um culto matriarcal no Véneto, o da Mamma, quase ou mesmo em oposição ao patriarcal romano da Sicília.
Véneto ou Héneto é o latino Uénus, Vénus, donde provém o etimólogo Venezsia (véneto) e Venezia (italiano). A designação Uénus engloba os temas sumérios W e Anu, respectivamente, “filha” e “céu”. Como “filha do céu” Vénus personifica o belo astro que assiste ao nascimento e ocaso solares. O teónimo romano Vénus, ao ser aditado do tema ara, significativo de “santa”, deu venera, donde procedeu o termo venerar, adorar. Daí que Veneza é “onde se venera Vénus”.
Para a mitologia greco-romana, sendo deusa da tarde, Vénus favorecia o amor e a volúpia, e sendo deusa da manhã presidia aos actos de guerra e conquista, que aliás foram predicados dos primitivos Vénetos, guerreiros intrépidos que é característica do Ares ou Marte romano, e foi sob este signo que fundaram a cidade de Veneza no dia 25 de Março de 811 d. C., data em que o povo do Véneto celebra a sua festa, portanto, nas proximidades do Equinócio da Primavera com a entrada do Sol no signo do Carneiro e do planeta Marte.
Vénus era filha da Lua e irmã do Sol. Mostrando-se na madrugada e no crepúsculo, aparecia como ligação entre as divindades do dia e da noite. É por essa razão que embora o seu fosse seu irmão, a sua mãe era a deusa dos Infernos (das águas terrestres ou “lunares” representadas na laguna e no mítico “crocodilo” que vive nela, representando as divindades subterrâneas assinaladas pelo simbolismo da noite designativa de mistério ou oculto). Do seu parentesco com o Sol, Vénus recebia as qualidades guerreiras e era chamada de a valente ou a dama das batalhas. Isso enquanto estrela da manhã. Mas enquanto estrela da tarde, era a influência da Lua que predominava, fazendo dela a deusa do amor e do prazer (cuja representação viva são os enamorados passeando nas gôndolas em lua crescente vogando pelos canais de Veneza).
O ciclo diurno de Vénus, aparecendo alternadamente no Oriente e no Ocidente, faz dele um símbolo essencial de morte e renascimento que os antigos reproduziam colocando uma máscara fúnebre sobre os mortos, tradição que se mantém em Veneza nas famosas máscaras carnavalescas, com sabor requintado a tragédia num momento que deve ser festivo.
A associação de Vénus com o Sol, pela semelhança das suas trajectórias diurnas, faz desse astro divinizado um mensageiro do Astro-Rei, um intercessor entre a Divindade e a Humanidade. Tal veio a ser representado no Cristianismo como Cristo (Solis Invictus) e Maria (Veneris Mater), cujo Apóstolo escolhido para representar a Lei do Leão de Judah (título dado a Cristo como Messias portador dum novo estado de consciência para Humanidade), foi exactamente São Marcos (nome latino que, tal como Macário, tem origem no etimólogo indo-europeu Makara, literalmente, “crocodilo”), e que veio a ser o patrono de Veneza, cuja festa é em 25 de Abril, após a Pascoela, quando o Sol (representado pelo Leão) entra no signo do Touro onde está Vénus. O Apóstolo protector da cidade tem como símbolo iconográfico o leão, elemento inculcado por St.º Irineu e aceite universalmente pela Igreja desde os finais do século II, e por tudo isso a festa de São Marcos em 25 de Abril vem a assinalar a entrada do Sol/Leão em Vénus/Touro como signo natal desta cidade adriática, sendo o do Véneto Marte/Carneiro.
Isso desde que os venezianos trasladaram de Alexandria para Veneza o corpo do Apóstolo São Marcos no ano 828, cuja basílica começou a ser construída no ano seguinte para albergar os seus restos mortais. Desde então São Marcos é o padroeiro da cidade e o nome da sua praça mais famosa.
Simbolismo da Cruz “veneziana”
A singular Cruz “veneziana” que decora os principais edifícios religiosos desta cidade e que só existe aqui, apresenta feição insólita e origem quase desconhecida. Quem a observa no topo das cúpulas da basílica de S. Marcos, por exemplo, desde logo repara haver nela influência bizantina por ser uma cruz grega, cujas pontas ou desfecham em bolas ou em ramos. Trata-se de uma simplificação liberal das figuras originais, que são 3 flores-de-lis decorando a extremidade de cada braço da cruz (alusão à Santíssima Trindade) e mais 4 irradiando da parte central (expressando o Mundo), ao todo, 16 flores-de-lis. É assim que se vê na Cruz suspensa adiante do altar-mor da basílica de São Marcos.
Trata-se, pois, da Cruz de São Marcos, o Apóstolo padroeiro de Veneza que no século XI substituiu o primeiro orago da cidade, São Teodoro (Todaro, em veneziano), que se viu despossuído do seu título de “protector”, apesar de nunca ter sido esquecido, como pode ver-se na coluna da Piazzetta situada junto ao leão de São Marcos.
A Cruz de São Marcos foi instituída quando a Diocese ou Arquidiocese de Veneza, fundada no ano 775, foi elevada a Patriarcado em 1451, com sede na Basílica de São Marcos. O Patriarca de Veneza detém o privilégio perpétuo de ser nomeado Cardeal no Consistório seguinte ao da sua investidura no cargo. Após a sua ascensão à dignidade cardinalícia, o Prelado goza do título de Cardeal-Patriarca de Veneza. Apesar de seguir o Rito Latino da Igreja Católica, conserva a autonomia que o diferencia de Roma e mantém os princípios bizantinos que estiveram na instituição do Cristianismo no Véneto, particularmente em Veneza desde aproximadamente o ano 568.
Terá sido por ocasião da fundação do Patriarcado de Veneza que foi fundada a Ordem de São Marcos, de curta duração mas decerto a principal difusora da Cruz “veneziana”. Esta Ordem foi instituída pelo Governo da antiga República Veneziana, que a colocou sob a invocação do Apóstolo São Marcos, patrono da República. Era distribuída a todos aqueles, nobres ou não, nacionais ou estrangeiros, que tinham prestado serviços ao Estado. Desapareceu muito cedo.
O significado do simbolismo da flor-de-lis é aqui o da Realeza Divina, igualmente do Poder e da Sabedoria de Deus, o que reporta ao sentido do leão alado iconográfico de São Marcos como símbolo primordial e fundamental do ideário solar, sendo a expressão divinizada do Astro-Rei Todo-Poderoso capaz de dominar, com a sua potência e força, todo um ideário voltado para a exaltação das energias vitais, neste caso, do Patriarcado de Veneza e da própria religiosidade veneziana. Aos antigos Templários, por exemplo, só lhes era permitido caçar o leão, como está na sua Regra, o que comporta o reconhecimento dos valores representados no simbolismo da sua figura.
O leão alado, símbolo de Veneza, que Santo Irineu (cerca de 130 – 202), no seu Traité contre les Hérésies, pôs ao lado de São Marcos a representar este, é alusão à voz que ruge no deserto (a de São João Baptista), onde desde o primeiro capítulo do Evangelho deste Apóstolo descreve o Anunciador de Cristo clamando vigorosamente a penitência e o baptismo, voz austera que foi assim assimilada ao rugido do leão. Mas o leão alado expressa igualmente o Leão de Fogo que é Deus como Trono, portanto, o Trono de Deus, o Mundo Celeste, o que reporta para o significado esotérico das 16 flores-de-lis da Cruz “veneziana”: a Casa de Deus, segundo o Arcano 16 do Tarot. Esta Casa de Deus, no Mundo Humano, vem a estar representada aqui pela Archidioecesis Venetiarum, a Arquidiocese Veneziana, em cujo duomo, na Praça de São Marcos, se vê na fachada principal o leão alado sobre quatro cavalos ou jinetes, também alados ou no ar, em tamanho natural sobre pedestais, expressivas das 4 Palavras Divinas encerradas nos 4 Evangelhos canónicos.
A Cruz “veneziana” vem a ter uma função de síntese e de medida. Nela se unem o Céu e a Terra, nela se confundem o Tempo e o Espaço. Símbolo da ascensão do Homem a Deus, é igualmente o da Descensão de Deus ao Homem, desta maneira interligando os dois Mundos Celeste e Humano estabelecendo a ligação ininterrupta entre o Universo e a Terra.
Nas Armas Patriarcais de Veneza, com a legenda Sufficit Gratia Tua (“Bastando a Tua Graça”), além da barca e sobre ela a estrela Vénus com 8 raios cujo número é o da Perfeição Crística, tem-se a sua Cruz com dois braços transversais, representando o superior a inscrição derrisória de Pilatos – Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum, “Jesus Nazareno Rei dos Judeus” – e o inferior aquele onde foram estendidos os braços do Cristo. É a dita Cruz de Lorena, apesar de provir da Grécia onde é comum.
A cruz com três braços transversais tornou-se um símbolo da hierarquia eclesiástica, correspondendo à tiara papal, ao chapéu cardinalício e à mitra episcopal. A partir do século XV, só o papa tem direito à cruz com três braços transversais; a cruz dupla fez-se privativa do cardeal e do arcebispo; a cruz simples, do bispo.
Papas e Profecias em Veneza
Corre a tradição de que certo monge franciscano do convento de San Francesco della Vigna recebeu de São Malaquias uma profecia terrível sobre os Papas. Mas essa tradição não passa de lenda e o que aconteceu é bem diverso.
São Malaquias foi um monge beneditino irlandês do século XI, nascido em Armagh em 1094, de cujo convento se tornou abade ainda adolescente. As suas visões começaram em 1139 na sua primeira viagem a Roma, onde foi recebido pelo Papa Inocêncio II, que pontificou de 14.2.1130 a 24.9.1143. Depois dessa visita Malaquias O´Morgain escreveu as suas profecias, compostas por 111 divisas em latim correspondentes a 111 pontificados, a contar do Papa Celestino II (1143-1144) até ao último Papa, Petrus Romanus (Pedro Romano), sendo o penúltimo o actual Papa Bento XVI.
Segundo profetiza S. Malaquias, com o último Papa Pedro Romano, aventando alguns que será português, a Igreja Católica Romana terminará o seu ciclo, de acordo com o seu texto apocalíptico redigido em latim, e que até hoje é pomo de controvérsias: “Petrus Romanus – Na última perseguição da Santa Igreja Romana, surgirá Pedro o Romano, que há-de pastorear as suas ovelhas no meio de numerosas tribulações. Terminadas estas tribulações, a cidade das sete colinas será destruída, o Juiz incorruptível julgará o seu povo”.
Este profeta santo irlandês faleceu em Clairvaux nos braços do seu grande amigo, também santo, Bernardo de Claraval, em 2 de Novembro de 1148, a quem predizera antes a data da sua morte. Canonizado santo pelo Papa Clemente III em 6 de Julho de 1199, as Profecias de São Malaquias foram depositadas no Arquivo do Vaticano e aí permaneceram esquecidas até à sua descoberta em 1590 por Arnold de Wyon, também chamado Monge de Pádua, historiador beneditino e igualmente profeta.
Em 1595 Arnold de Wyon publicou em Veneza, pela primeira vez, as Profecias de São Malaquias, possivelmente tendo acrescentado anotações às mesmas e fazendo parte do seu livro Lignum Vitae. Anteriormente, também em Veneza, as Profecias do Monge de Pádua foram publicadas pela primeira vez em 1527. Assim como a lista de São Malaquias, a lista do Monge de Pádua associa poucas palavras a cada um dos Papas, mas é menor, possuindo apenas 20 nomes descritos de forma enigmática, obscura.
O facto de se escolher Veneza para dar à estampa pela primeira vez no mundo tanto as Profecias do Monge de Pádua como sobretudo as de São Malaquias, talvez se devesse a esta cidade já ter sido berço de vários Papas até essa altura, e possivelmente doutros que viriam. Com efeito, em Veneza nasceram os Papas Gregório XII, Eugénio IV, Paulo II, Alexandre VIII, Clemente XIII e Pio X. São descritos nas Profecias de São Malaquias do modo seguinte:
Nauta de ponte nigro (Nauta do mar negro).
Gregório XII (Angelo Correr). Pontificado: 30.11.1406 – 4.7.1415.
O “nauta” significa “natural de Veneza” e bispo da ilha Negroponto ou Eubeia, hoje grega mas veneziana no século XV, no Mar Egeu fronteira para o Mar Negro.
Lupa coelestina (Loba celestina).
Eugénio IV (Gabriele Condulmer). Pontificado: 3.3.1431 – 23.2.1447.
A “loba” figura na Armas de Siena onde fora bispo, e “celestina” referente à Ordem dos Celestinos integrada na dos Agostinhos onde professara este Papa.
De cervo et leone (Do veado e do leão).
Paulo II (Pietro Barbo). Pontificado: 30.8.1464 – 26.7.1471.
O “leão” será o de São Marcos de Veneza, donde era natural este pontífice que fora antes bispo de Cervia (“cervo”), pequena cidade perto de Ravena, na costa adriática.
Poenitentia gloriosa (Penitência gloriosa).
Alexandre VIII (Pietro Vito Ottoboni). Pontificado: 6.10.1689 – 1.2.1691.
A “penitência gloriosa” é alusão à vida penitente de São Bruno, em cujo dia da sua celebração este Papa foi eleito.
Rosa Umbriae (Rosa da Úmbria).
Clemente XIII (Carlo della Torre Rezzonico). Pontificado: 6.7.1758 – 2.2.1769.
A “Rosa da Úmbria” é referência directa a este Papa ter sido governador de Rieti, na Úmbria onde se encontra a cidade de Assis, pátria de São Francisco, a “Rosa” da Cristandade.
Ignis ardens (Fogo ardente).
Pio X (Giuseppe Melchiorre Sarto). Pontificado: 9.8.1903 – 20.8.1914.
Apesar de nascido em Riese, Véneto, foi Patriarca de Veneza eleito em 1896. “Fogo ardente” aludirá à I Grande Guerra Mundial, que quando eclodiu só a muito custo demoveu-se este Papa de ir para a frente de batalha tentar travar os combates.
Há ainda dois outros Patriarcas de Veneza eleitos Papas: João XIII, Cardeal-Patriarca de Veneza entre 1953-1958, a quem se igualmente se atribui dotes proféticos que deixou num seu escrito pouco conhecido, Profecias de João XXIII, dentro do mesmo vaticínio apocalíptico de Malaquias mas aclamando como Salvadora a Mãe de Deus chamando-a de “Rosa Branca” e “Mar Celeste”; e João Paulo I, nascido em 1912 em Forno di Canale, Véneto, sendo Cardeal-Patriarca de Veneza em 1978 quando foi chamado para o Papado. As Profecias de São Malaquias referem-nos:
Pastor et nauta (Pastor e nauta).
João XXIII (Angelo Giuseppe Roncalli). Pontificado: 4.11.1958 – 3.7.1963.
“Pastor e nauta” será referência ao novo pastoreio pontifical da Igreja iniciado com o Concílio Vaticano II, aberto por Pio XII e encerrado por este Papa, nauta de um novo rumo da mesma.
De medietate lunae (Da meia lua).
João Paulo I (Albino Luciani). Pontificado: 26.8.1978 – 25.9.1978.
“Da meia lua” aludirá ao seu nascimento em Canale d´Agordo, na diocese de (Bel)luno, a 17 de Outubro de 1912.
Das colecções de Pastores da Igreja, deve assinalar-se a conservada no Palácio Altieri, na cidade de Viterbo, Itália, constituída por retratos a óleo, em que a partir do retrato de Celestino II cada um tem aposta uma frase latina relativa às Profecias de São Malaquias.
Hermetismo Veneziano
Considerada uma das mais belas cidades do mundo, igualmente tem sido refúgio de ocultistas e hermetistas ao longo dos séculos, pelo que também se considera Veneza uma cidade hermética repleta de lendas e mistérios.
Tendo por centro geográfico a Ponte de Rialto, qualquer um que observe o mapa aéreo de Veneza repara que ela é dividida em duas pelo Grande Canal parecendo uma serpente deslizando por entre a urbe. Tal simbolismo serpentário vem a ter concretização nos inúmeros hermetistas e místicos que escolheram esta cidade para sua morada, onde em segredo se dedicaram ao aprofundamento dos saberes ocultos que, afinal, a serpente vem a representar como símbolo de Sabedoria e Iluminação. Neste sentido, a separação da cidade em duas pelo Grande Canal também poderá figurar a Veneza do turista, exotérica ou “desvelada”, e a Veneza do ocultista, esotérica ou “velada”.
Esse carácter dúplice já se havia reflectido nos conflitos entre Roma e Veneza, cujas sedes eclesiais, além dos interesses políticos imediatos no século XVI, discutiam calorosamente sobre a doutrina religiosa e a independência ideológica. O então Papa Clemente VIII (24.2.1536 – 3.3.1605), que de clemente nada tinha, nutria suspeitas de Veneza ser um enorme reduto de “hereges”, calvinistas, luteranos e ocultistas promotores da Reforma religiosa nesse século, pelo que Veneza se assumia como centro da intelectualidade, da filosofia e do hermetismo de então, o que desagrava profundamente aos adeptos da Contra-Reforma encabeçada por esse Papa.
Os “livros proibidos” que continham ideias e conceitos diferentes daquelas da Igreja de Roma e que constavam do Índex católico romano (Index Librorum Prohibitorum), que Clemente VIII reeditou em 1596, circulavam livremente pelas ruas de Veneza, especialmente no bairro judeu. O Patriarcado veneziano manteve sempre uma atitude de desafio ao totalitarismo repressor da Cúria Papal, e foi assim que em 1521 criou as suas próprias regras de Inquisição, banindo a tortura como método inquisitório.
Clemente VIII distinguiu-se pela sanção e repressão de tudo que lhe parecesse progresso, até mesmo o simples café, considerada bebida maometana proibida a cristãos, introduzido em Veneza por volta de 1570, altura em o Papa que visitou a cidade e provou essa bebida. Gostou e levantou a proibição…
A liberalidade de Veneza destoava da restante Europa subjugada ao dédalo tenaz da Inquisição Romana, e foi esta a razão de Veneza atrair para si inúmeros estudiosos e pensadores inconformados com a ortodoxia papal. Um dos mais famosos foi Giordano Bruno (1548-1600), neo-platónico adepto da Renascença, que em 1590 fixou-se nesta cidade a convite do nobre veneziano Giovanni Mocenigo, sob pretexto de ensinar a mnemotécnica, a arte de desenvolver a memória. Foi Mocenigo quem traiu Giordano Bruno entregando-o às tropas papais que o levaram para Roma onde foi queimado vivo no Campo dei Fiori, em 17 de Fevereiro de 1600.
Tamanha era a independência geradora de animosidade de Veneza em relação a Roma, que quando o rei de França, Henrique III (19.9.1521 – 2.8.1589), conhecido pelo seu interesse em Magia e Hermetismo, tendo sido o patrono do famoso profeta Nostradamus, foi assassinado por um católico fanático, Jacques Clément, de imediato Veneza deu asilo ao seu primo e sucessor, Henrique IV (13.12.1553 – 14.5.1610), que era protestante e estivera envolvido nas Guerras de religião antes de subir ao trono, em 27.2.1594.
Foi em 1587 que o filósofo e hermetista Fabio Paolini fundou em Veneza a Accademia degli Uranici, com sede no Convento de San Francesco della Vigna, que reuniu os mais famosos ocultistas e hermetistas da Renascença europeia. Em 1589 Fabio Paolini publicou nesta cidade um tratado de filosofia neoplatónica e hermetista chamado Hebdomades, por extenso, Hebdomades siue Septem de septenário Libri, em breve assumido a obra principal do Ocultismo veneziano.
As reuniões da Academia dos Uranianos realizavam-se a maior parte das vezes nas casas dos membros, reservadas dos olhares indiscretos. Além de comportar ocultistas e pensadores liberais, a Academia também incluía livreiros adeptos do Ocultismo de Veneza. Um deles era Giovanni Battista, conhecido como Ciotto, seguidor das ideias de Giordano Bruno sobre mundos paralelos, e dono de uma livraria chamada Minerva, situada na Rua Merceria, a mais importante da cidade.
Passados alguns anos, a Academia extinguiu-se sob pressão do Clero cuja Inquisição detivera alguns dos seus membros, que nada falaram sobre as suas reuniões e até negaram terem simpatias com o Ocultismo, o que cabalmente é desmentido pelos seus interesses óbvios por Magia e Hermetismo.
No século XVIII, em 1788, encontra-se em Veneza o famoso Superior Incógnito da Rosacruz e Maçonaria, Alexandre Cagliostro, Conde de San Leo e Fénix, que permaneceu na cidade seis semanas, onde institui o seu Rito Copta ou Egípcio. Foi quando um grupo de socinianos (seita protestante anti-trinitarista, ou contra a ideia de Santíssima Trindade) solicitou a patente de uma constituição maçónica a Cagliostro, por não quererem participar dos seus rituais mágico-cabalísticos. Então o Conde instituiu o Rito de Memphis em Veneza, confiando aos socinianos os graus menores da Grande Loja de Inglaterra e os altos graus da Maçonaria Templária alemã.
Com tudo, Veneza continua a reservar tesouros inigualáveis de sabedoria e espiritualidade que até hoje muitas das suas obras artísticas e monumentais preservam resistindo ao tempo, tal como a cidade resiste às tentativas espúrias de travar a evolução do Pensamento Humano.
Conde de Saint Germain em Veneza
Apesar de não serem muitas contudo são bastante sólidas as provas da presença do famoso Conde de Saint Germain em Veneza. Elas são fornecidas sobretudo pelas Memórias do seu arqui-inimigo, Giacomo Casanova (Veneza, 2 de Abril de 1725 – Dux, Boémia, 4 de Junho de 1798), o famoso aventureiro trapaceiro e libertino destruidor de lares.
Giacomo Casanova incarna o aspecto sensual da Lua ante Saint Germain, incarnando o aspecto amoroso de Vénus. Aquele é o vício em todos os seus aspectos, rendido à magia negra a quem dedicou um tratado romanceado, Isocameron ou Icosaméron, possivelmente começado a escrever em Veneza e terminado na Boémia; este é a virtude dignificadora do Género Humano como Mestre Perfeito de Teurgia ou Magia Branca da qual deixou um tratado ilustrado, Trés Sainte Trinosophie, “Santíssima Trinosofia”, provavelmente começado a escrever em Veneza e terminado em Troyes, França, em cuja biblioteca está o original.
As datas de nascimento e morte do Conde de Saint Germain são absolutamente incertas. Tão-só se sabe que aparece ligado ao Príncipe da Transilvânia, Francis II Rakowsky, cerca de 28 de Maio de 1696, mas não podendo se afirmar que tenha nascido nessa data e que esse Príncipe seja efectivamente o seu pai. Quanto à sua pressuposta morte em Eckernförd, Alemanha, em 27 de Fevereiro de 1784, ao contrário dos registos na igreja daí nada está provado, não se sabendo se é a mesma pessoa e, tampouco, se sabendo onde estão os seus restos mortais.
O Conde de Saint Germain distinguiu-se pelos seus dotes raros de verdadeiro alquimista, mago, profeta, político junto das várias cortes europeias, estabelecendo acordos de paz entre elas, caso da Alemanha e a Áustria em 1761, e, sobretudo, grande benfeitor dos desfavorecidos da vida, fabricando remédios que oferecia aos pobres. É considerado um Mestre Perfeito nos meios esotéricos como o Superior Incógnito dos Rosacruzes e Maçons.
Segundo as Memórias de Casanova, o músico Rameau e a condessa de Gergy, viúva do embaixador de França em Veneza, juraram que nessa cidade conheceram o Conde de Saint Germain em 1710, usando do título de Marquês de Montferrat e o nome Lorenzo Paolo Domiciani, acompanhado da sua esposa Lorenza Anunziata Feliciani. Ambos de uma beleza e sobriedade inexcedíveis. Contrariando a data oficial da sua morte, o conde de Châlons ao voltar da sua embaixada em Veneza em 1788, assegurou à condessa de Adhemar (facto que ela deixou escrito nas suas Memórias) haver falado com o Conde de Saint Germain na Praça de São Marcos um dia antes de deixar aquela cidade, indo para uma embaixada em Portugal.
Em Veneza, Saint Germain fora amigo do embaixador de Inglaterra nesta cidade, lorde Holdernesse, com o havia sido do embaixador de França, o conde Gergy. Escolhendo Veneza – onde desde a Idade Média, diz-se, viviam muitos químicos e alquimistas – para desenvolver a sua técnica de tingiduras de sedas, obtendo as colorações de que necessitava, principalmente a cor púrpura, e não havendo notícia de que tirasse proveitos pessoais dos seus processos, Saint Germain instalou-se nesta cidade em 1764, altura em que aí residia o conde Maximiliano de Lamberg, brilhante diplomata e espirituoso homem de letras, que escreveu nas suas Memórias: “Uma personagem digna de se ver é o Marquês de Aymar, ou Belmar, mais conhecido pelo nome de Saint Germain. Reside há algum tempo em Veneza onde se ocupa, no meio de um cento de mulheres que uma abadessa lhe arranjou, a fazer experiências com linho, que branqueia e torna igual à seda crua de Itália”.
Essas mulheres possivelmente seriam do Ospedalle della Pietá, convento e orfanato veneziano para mulheres jovens, que se tornou famoso no século XVIII quando também se tornou escola musical para meninas órfãs dotadas, tendo sido o principal local de trabalho do compositor António Vivalvi.
Possivelmente Saint Germain terá vivido aí enquanto permaneceu em Veneza, e o seu próprio título de Aymar ou Belmar se ligará às qualidades venustas e marítimas da cidade: Belmar significa, tão-só, “Senhora do Mar” (bel+mar), a mesma Stella Maris ou “Estrela-do-Mar” que é Vénus mas que o Cristianismo assumiu como a Mamma de Deus.
Simbolismo esotérico da gôndola
A origem da gôndola perde-se nos séculos, sofrendo as alterações que o tempo lhe impôs. Actualmente, as gôndolas medem cerca de 11 metros de comprimento por 1 metro e 42 centímetros de largura e são compostas por 280 peças de madeira diferentes.
A gôndola é mencionada pela primeira vez em 1094 num decreto do doge ou dux Vitale Falier como gondulam, nome que para os etimologistas é de origem incerta, tanto podendo ter resultado do termo latino para “barco pequeno”, cymbula, como do diminutivo de “concha”, cuncula, como ainda das designações gregas para embarcações, como kundy ou kuntòhelas.
Ter-se-á que reportar à História Mítica de Veneza, mormente à lenda de São Jorge lanceando de morte o Dragão, para enquadrar o significado esotérico desta típica embarcação veneziana.
Se Veneza é a cidade de Vénus que se expressa através da Lua que rege os ciclos de fertilidade e as marés tanto das “águas terrestres” como das “águas celestes” que são o Éter Universal, então as mesmas vêm a ser assinaladas na grande laguna para onde correm todos os canais. Reza a lenda que nas profundezas da laguna vive um misterioso dragão ou grande crocodilo (que hoje se encontra coroando, em tamanho natural, o cimo de uma das duas colunas da Piazzetta, na extremidade do Palácio dos Doges) que nada teme menos o gondoleiro, e por isso não vem à superfície porque há sempre gôndolas cruzando os canais… Vez por outra, irado, lança o seu bafo e a grande laguna fica envolta em espesso nevoeiro.
Isso vem a correlacionar-se ao onomástico gôndola que se divide em gundu, vocábulo alemão significando “intrépido”, e dôla ou gola, do alemão wurm, “serpente”. Portanto, a gôndola vem a ser a “serpente intrépida” vogando sobre as profundezas dracónicas da laguna. Ora a serpente é o símbolo das forças telúricas da Terra e associa-se à Lua (nisto e significativamente, esta barquinha tem o formato de lua crescente, símbolo móvel da primitiva Deusa-Mãe Ísis, a da religião egípcia representada pela múmia tebana exposta no mosteiro de San-Lazzaro desta cidade), com o seu serpentear orbital em torno da Terra a cujas águas e emoções (representadas nos enamorados que o gondoleiro transporta) ela assiste, indo transformar-se nas etéreas do amor puro que, afinal, é a característica da mesma Vénus. Por isto se diz que Vénus age sobre a Terra através da Lua…
O vocábulo gundu tem por parente guntu, no mesmo dialecto alemão, que significa “guerreiro”. Este “guerreiro” é representado pelo gondoleiro com a sua “espada”, antes, remo arrastando a barquinha por águas seguras, e que neste simbolismo vem a configurar idealmente a pessoa de São Jorge que o dragão da laguna teme, muito mais porque no meio da mesma está a ilha de San Giorgio Maggiore em cujo convento beneditino as orações e cantos sacros dos monges parecem acalmar a ira do monstro lendário.
A característica cor negra da gôndola resulta do alcatrão utilizado para a sua melhor impermeabilização, e não por ser sinal de luto, pois que em Veneza a cor do luto é a vermelha, e era exactamente esta que predominava nas gôndolas antes do século XVII, mas com o sentido mítico já aqui dado: o de ser a cor iconográfica do próprio São Jorge cuja lenda desenvolveu-se aqui no século V, na Venetia bizantina, depois vindo a ser simbolicamente incarnado no gondoleiro mestre desta embarcação única no mundo.
São Jorge, incarnação da Fé armada do Ideal do Espírito, acabou lanceando o dragão cujo sangue tingiu de vermelho a sua capa branca, tingiu de luto a Veneza inteira, indo desaparecer o corpo ferido do monstro na grande laguna. Assim, pois, a cor vermelha é primordialmente a do luto vitorioso do veneziano sobre o dragão da heresia e apostasia.
Numa leitura mais aprofundada ou esotérica, é interpretação é diversa daquela: São Jorge ou Akdorge, em hindustânico, é considerado Chefe dos Makaras ou “Crocodilos”, também em hindustânico, simbólicos dos Homens Perfeitos ou Mestres Reais, pelo que então Cavaleiro e Dragão tornam-se um só na protecção benfeitora à lacustre e sagrada Veneza.
Princípios de Kaballah Musical em San Francesco della Vigna
A igreja de San Francesco della Vigna data de 1534, erguida no lugar das vinhas dos franciscanos que aqui tinham um convento desde 1253, altura em que Marco Ziani, filho do doge Pietro Ziani, lhes ofereceu o terreno para aí se instalarem.
O templo actual foi desenhado por Jacopo d´Antonio Sansovino (Florença, 2.7.1486 – Veneza, 27.11.1570) no estilo Renascença, mas tendo sido aconselhado pelo monge franciscano Francesco Zorzi (Francesco Giorgi, 1466-1540), sacerdote local e praticante de Kaballah ou “Tradição” Esotérica judaico-cristã, a compor o esquisso da igreja seguindo as regras da Kaballah Musical para ela ficasse de acordo com as proporções do Templo de Salomão, como estão indicadas no Livro dos Reis da Bíblia.
Francesco Zorzi, autor dum tratado de Música de Pitágoras transposta para a Arquitectura, De Harmonia Mundi Totius (1525), quis que a igreja de San Francesco della Vigna incluísse as consonâncias musicais pitagóricas para que “ela reflectisse inteiramente a harmonia universal”. Para isso baseou-se no valor 3, o número perfeito designativo da Trindade Divina – Pai, Filho, Espírito Santo. A nave devia ter de largura 9 passos (isto é, 3+3+3 =9) e de comprimento 27 (3×9), enquanto as capelas colaterais 3 passos de largura.
Sansovino seguiu essas proporções musicais adiantadas por Zorzi, traçando o seu esquisso da igreja em cruz latina consistindo numa nave única, obtida transformando os dois colaterais em capelas e um coro profundo.
Esquisso musical da igreja de San Francesco della Vigna
O valor 3 Trindade vem a vibrar nas 3 notas fundamentais da tradição musical pitagórica: Dó, Sol, Mi, harmonizando-se com as exigências musicais de Ritmo, Melodia e Harmonia, na Kaballah Musical expressando o Espírito Santo (Dó), o Corpo e o comprimento que está para a nave desta igreja franciscana; o Filho (Mi), a Alma e a largura representada aqui pelas capelas colaterais, e finalmente o Pai (Sol), o Espírito e a altura assinalada no coro profundo do templo.
Nenhum músico teve tanta importância no Período Clássico quanto Pitágoras (Samos, cerca de 571 a. C. – Metaponto, cerca de 497 a. C.). Conta a lenda que Pitágoras foi guiado pelos deuses na descoberta das razões matemáticas por detrás dos sons, depois de observar o comprimento dos martelos dos ferreiros. Transpôs essa medida para a de uma corda e pressionando um ponto situado a ¾ do seu comprimento em relação à extremidade, tocando-a seguir, ouvia-se uma quarta acima do tom emitido pela corda inteira. Exercida a pressão a 2/3 do tamanho original da corda, ouvia-se uma quinta acima, e a ½ obtinha-se a oitava do som original. A partir desta experiência, os intervalos passaram a chamar-se consonâncias pitagóricas. Assim, se o comprimento original da corda for 12 e se a reduzir-se para 9, ouvir-se-á a quarta, para 8, a quinta, para 6, a oitava.
Os seguidores de Pitágoras aplicaram essas razões ao comprimento de fios de corda num instrumento chamado cânone, ou monocorda, e assim foram capazes de determinar matematicamente a entonação de todo um sistema musical.
Os pitagóricos viam essas razões como governando todo o Cosmos através do Som estabelecendo a “Harmonia Universal” através da “Música das Esferas”, os Mundos que povoam o espaço estelar. Foi assim que a Música tornou-se uma extensão natural da Matemática, bem como uma arte de filosofar graças à intervenção posterior de Platão retomando o tema musical de Pitágoras.
A Matemática e as descobertas musicais de Pitágoras vieram a ter, dessa forma, uma influência crucial no desenvolvimento da Música e da transposição dos princípios numéricos desta à Arquitectura, ao longo da Idade Média e na Renascença. Deve-se a St.º Agostinho e a Boécio (cerca do século IV d. C.) a retenção do simbolismo pitagórico da música que veio a estar presente na tradição cristã dos construtores medievais das grandes catedrais europeias, como, por exemplo, a basílica de S. Marcos e a igreja de San Francesco della Vigna, ambas em Veneza. Para os monges construtores da Idade Média, o ritmo ternário era chamado de perfeito, enquanto o binário era sempre considerado imperfeito. A simbologia do número 7, expressivo da Criação Universal, é retomada no plano musical como número de Atena, a deusa da Sabedoria.
A Kaballah Musical encontra-se igualmente presente nas partituras dos grandes mestres musicais, com destaque para Bach, sem esquecer Beethoven, Mozart, Wagner e outros prodígios, facto que merece o consenso comum dos especialistas na matéria.
Potestades Celestes protectoras de Veneza
Potestade significa “poder, potência, majestade”. Para a tradição judaico-cristã esse termo refere-se sobretudo às Potestades Celestes que criaram o Universo, a Terra e o Homem, estando organizados em 9 Coros chamados de Exército Celestial, composto de Arqueus, Arcanjos, Anjos, Santos e Sábios e todos liderados pelo Arcanjo São Miguel ou Mikael, o mais próximo do Trono de Deus.
Existem várias versões relativas às Ordens ou Coros Celestes. Entre as autoridades eclesiásticas que apresentaram as suas versões relativas a este assunto, destacam-se Santo Ambrósio, S. Jerónimo, o Papa Gregório I, o Magno, e a própria Constituição Apostólica. Entre as autoridades hebraicas igualmente abordando o tema, sobressaem Moisés de Leon e Moisés Maimónides, e as obras teológicas Sepher-Ha-Zohar, Maseket-Atziluth e Berith-Menusha.
Contudo, a versão mais universalmente aceite é a do Pseudo-Dionísio, datada do século VI e adjudicada à Escola fundada por Dionísio o Aeropagita, que viveu no século I d. C. Diz-se que foi o primeiro bispo de Atenas e martirizado pelos romanos durante o reinado do imperador Domiciano. São-lhe adjudicadas as obras A Hierarquia Celestial e a Hierarquia Eclesiástica, mas na realidade foram escritas muito depois por um grupo anónimo de neoplatónicos seus seguidores e por isso adoptaram o seu nome baptizando a sua composição literária de Pseudo-Dionísio.
Segundo a obra dionisiana, aprovada por São Tomás de Aquino na sua Summa Theológica, existem 3 Ordens de Potestades Celestes, cada uma composta de 3 Coros, totalizando 9 Coros, como sejam pela ordem correcta:
Primeira Ordem (PAI) – Com os seus 3 Coros está na génese do Universo, mantém a sua Harmonia e manifesta a Vontade Deus, que executam.
1. Tronos
2. Querubins
3. Serafins
Segunda Ordem (FILHO) – Com os seus 3 Coros representa o Poder de Deus e está na génese dos Planetas os quais governam, particularmente a Terra. Executam as ordens das Potestades da Primeira Ordem e dirigem as da Terceira Ordem.
4. Potestades
5. Dominações
6. Virtudes
Terceira Ordem (ESPÍRITO SANTO) – Com os seus 3 Coros está na génese do Homem, protegendo e guiando a Humanidade, e elevando os pensamentos de sabedoria e as preces de amor do Homem a Deus.
7. Principados (Arqueus)
8. Arcanjos
9. Anjos
Essa Terceira Ordem reúne em si as qualidades das anteriores e por ser a mais próxima da Humanidade, é geralmente a ela que esta se dirige e mesmo reproduz nas suas obras artísticas. É o que se verifica em Veneza, com a maioria das suas igrejas consagradas aos Arcanjos e Anjos da Milícia Celestial dispondo a cidade sob sua protecção inequívoca, como antes haviam feito os primitivos Vénetos adorando aos deuses celestiais.
Aparecem assim os patronímicos celestes nas igreja de São Miguel na Insola, igreja do Anjo Rafael, igreja de Santa Maria dos Anjos, igreja do Espírito Santo, sucursal da igreja dos Jesuítas (Santa Maria do Rosário), etc. Nessa última, vulgarmente chamada de chesia dei Gesuiti, aparece o flagrante do misterioso Arcanjo Sealtiel, identificado por legenda na base, juntamente com os três outros Arcanjos protectores do Templo junto ao altar-mor deste. Não deve causar estranheza os Jesuítas venezianos mostrarem conhecimento das Hierarquias Celestes, pois que a Companhia Jesus em Veneza privou de perto com a comunidade judaica da cidade onde haviam rabinos cabalistas que decerto terão influenciado alguns desses doutos cristãos.
Arcanjo Sealtiel
Sealtiel, ou Sakiel, é considerado o “Arcanjo da Contemplação” e é um dos sete Arcanjos diante do Trono de Deus aos quais a tradição cabalística hebraica chama de Mikael, Gabriel, Rafael, Anael, Samael, Zadkiel e Oriphiel. Os gnósticos cristãos chamam os quatro últimos de Uriel, Baraquiel, Sealtiel e Jehudiel. A tradição judaico-cristã acabou atribuindo a estas Potestades o governo dos 7 Planetas tradicionais, cuja ordem correcta é a seguinte:
Sol – Mikael
Lua – Gabriel
Marte – Samael (Baraquiel)
Mercúrio – Rafael
Júpiter – Sakiel (Sealtiel)
Vénus – Anael (Uriel)
Saturno – Kassiel (Jehudiel)
Os Anjos e Arcanjos, como as demais Potestades, participam do Mundo Espiritual e são intermediários entre o Divino e o Terreno, significando o termo latino angelorum, “anjo”, precisamente “mensageiro” e “enviado do Logos” ou Deus Supremo, neste caso, a Veneza, como se vê no frontispício da igreja do Anjo Rafael com este olhando protector um pescador, representando o povo marítimo veneziano, e ao lado um cão, símbolo do guia desta cidade pelo caminho certo e seguro da Iniciação Verdadeira na OBRA DO ETERNO, que é dizer, a TEURGIA.
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