Sanatório “Albergaria”, a “Stella Maris” de Loures – Por Vitor Manuel Adrião Quinta-feira, Maio 22 2014 

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Sempre por bom caminho e segue.

Francisco Grandella

A Europa do século XIX ficou marcada pelo surto epidémico da tuberculose como principal causa das mortes devido aos poucos cuidados profilácticos por parte das populações e aos ainda rudimentares avanços da ciência médica, preocupada em combater e travar a doença. Só em Portugal, em 1899, o total de mortes por tuberculose era estimado entre 15 a 20.000, equivalente a uma taxa de 297 a 396 por 100.000 habitantes. Apesar de todos os esforços despendidos a Medicina, entre os finais do século XIX até à década de 40 do seguinte, não possuía quaisquer recursos farmacológicos para combater a tuberculose, e em Portugal voltou-se para o reforço das únicas medidas realmente eficazes: isolamento e prevenção, não só através da criação de centros hospitalares e sanatoriais, como também pela implementação de regras e estratégias sociais conducentes a melhorar as condições de vida, alimentação e higiene física e psicomental das populações (1).

Não obstante o velho conhecimento, mais que assente, entre os praticantes da medicina hipocrático-galénica, e provavelmente entre os antigos egípcios que também sofreram essa “praga faraónica”, de que o clima de altitude é favorável à cura da tuberculose, só em 1854 Francisco António Barral publicaria o primeiro trabalho científico português sobre O clima do Funchal e a sua influência no tratamento da tuberculose, seguido de Brehmer que em 1856 divulgaria os seus estudos de carácter científico sobre os benefícios do arejamento, do repouso em estabelecimentos fechados e da sobrealimentação no tratamento da tuberculose. Assim, a partir do último quartel de Oitocentos os sanatórios vieram a assumir um importante papel na luta antituberculose, e um pouco por todo o país foram sendo construídos e postos a funcionar (2).

Essa iniciativa senatorial partiu da própria rainha D. Amélia, de nome completo Maria Amélia Luísa Helena de Orleães (1865-1951), esposa do rei D. Carlos I, que há muito alimentava a ideia de fundar a Assistência Nacional aos Tuberculosos, mas a aparente indiferença dos responsáveis pela política de Saúde Nacional impediam-na de realizar o seu desejo. Por fim, o professor Moreira Júnior, reconhecido parlamentarista, conseguiu fazer-se ouvir no Parlamento em 1899, ousando “chamar a atenção do governo” para a “situação cruciante” desencadeada pela doença e para a urgente necessidade de se tomarem as adequadas medidas preventivas. Segundo João Frada (in Portal de Saúde Pública, 2009), essa chamada de atenção no Parlamento foi o empurrão decisivo para o arranque da Assistência Nacional aos Tuberculosos (A.N.T.), a qual reflectiria a vontade e as ideias, o projecto, em suma, da magnânima rainha D. Amélia.

A monarca apresentou então, em 11 de Junho de 1899, na Sala das Sessões do Conselho de Estado do Ministério do Reino por si presidida, um conjunto de intenções resumidas em quatro pontos:

1.º – Construir hospitais marítimos.

2.º – Fundar sanatórios em clima de montanha e de altitude.

3.º – Estabelecer em todas as capitais de distrito institutos que serviriam, não só para o estudo e tratamento da tísica, mas também de socorro aos doentes (mais aligeirados, que ainda não careciam de isolamento e) que têm de trabalhar para sustentar as suas famílias.

4.º – Criar os hospitais para tísicos, destinados aos incuráveis.

Nessa sessão foram estabelecidas diversas estratégias consideradas fundamentais para se poderem atingir os elevados objectivos, quer imediatos, quer a médio prazo, da A.N.T., que viriam a concretizar-se através de várias iniciativas (3):

– Criação de um subsídio anual de 20.000$00 assumido pelo Governo.

– Subsídios, obrigatoriamente suportados pelas Câmaras Municipais, incluídos nos respectivos orçamentos.

– Utilização dos fundos correspondentes a “1% das quotas dos sócios das sociedades ou associações de recreio onde se realizassem jogos” e do “produto das multas que por leis ou regulamentos fossem destinadas a esse fim”.

– Isenção de direitos alfandegários sobre os materiais fabricados no estrangeiro, destinados ao serviço de dispensários, sanatórios e hospitais.

– Angariação de fundos resultantes de quermesses, peditórios e subscrições efectuados junto de emigrantes portugueses no estrangeiro, de leitores de vários jornais publicados em Portugal, de instituições bancárias, bem como de doações e quantias obtidas através da cooperação de regedores, de párocos e de paroquianos.

– Recolha de dádivas e de receitas provenientes da realização de festas e espectáculos.

A proposta da rainha D. Amélia foi aprovada e no mês seguinte o Parlamento reconheceu a existência legal da Assistência Nacional aos Tuberculosos sob a designação Instituto da Rainha D. Amélia, com a publicação da Lei de 17 de Agosto de 1899. Esse movimento de beneficência e socorro social exigia uma grande responsabilidade e um enorme sentido de gestão, face à complexidade de acções a desenvolver e a controlar em todo o País, e naturalmente implicou a formação de uma “Comissão de Propaganda”, bem como de subcomissões com a missão de levarem a efeito as múltiplas estratégias definidas a nível da Comissão Central. Foram então nomeadas as referidas subcomissões:

– Dos Zeladores, destinada a zelar pelos interesses da Sociedade em todos os campos de acção, presidida pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa.

– Das Festas, com a missão de promover e realizar festas remuneradas, cujas receitas seriam destinadas à Sociedade, sob a presidência do Conde de Sabugosa.

– Das Quetes, responsável pela realização de campanhas de esmolas e donativos para a Sociedade, sob a presidência do Arcebispo de Mitilene.

– De Estudo e Estatística, com o objectivo de recolha de dados, informações e análise da tuberculose no País e o seu desenvolvimento, em termos de morbilidade e mortalidade, sob a direcção do Dr. Manuel António Moreira.

– De Profilaxia, necessariamente voltada para o estudo e implementação das necessárias medidas higiénicas e sanitárias destinadas ao combate da tuberculose, presidida pelo Dr. Ricardo Jorge.

– De Divulgação, concentrando todo o trabalho de publicidade e alerta social contra a doença, bem como a difusão dos respectivos intuitos e programas sanitários da A.N.T. nessa luta, sob a orientação e direcção do Dr. Curry Cabral.

Com sede no então designado Instituto da Rainha D. Amélia, na Avenida 24 de Julho em Lisboa, num edifício vizinho do Mercado da Ribeira, só em 1906 ele tomaria o nome definitivo de Assistência Nacional aos Tuberculosos. À sua Comissão Central, como membro fundador e mecenas próximo, com amizade quase ou mesmo íntima, da família real, pertenceu o Dr. António Augusto Carvalho Monteiro, o célebre feitor em 1900-1910 da Quinta da Regaleira de Sintra (4), presente em quase todas as reuniões da A.N.T. presididas pela rainha D. Amélia.

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Até 1912 a Assistência Nacional aos Tuberculosos, instituição de iniciativa privada actuando no continente, ilhas adjacentes e colónias, inaugurou os seguintes sanatórios mandados edificar por D. Amélia:

Sanatório Marítimo de Outão, inaugurado em 1900.

Sanatório de Carcavelos, inaugurado em 1902.

Sanatório de Sousa Martins (Guarda), inaugurado em 1907.

Sanatório de Portalegre, inaugurado em 1909.

Sanatório do Lumiar (Lisboa), inaugurado em 1912.

Quem mandou edificar esse último sanatório no Lumiar (então zona rural arejada) foi a rainha D. Amélia em 1909, na época designado por Hospital do Repouso de Lisboa (5). Com a implantação da República em 1910, em 1912 alterou-se o seu nome para Sanatório Popular de Lisboa, e em 1975 foi novamente rebaptizado, desta vez em homenagem ao Professor Doutor Francisco Pulido Valente.

O esforço nacional da rainha e seus pares não foi, porém, bem percebido nem acolhido pela facção republicana da época, talvez encarando-o como acto encapotado de enaltecimento das virtudes sociais da monarquia, talvez sentindo-se ultrapassada no seu humanitarismo laico restrito a grupos sócio-recreativos dispersos, talvez ambas as coisas como se depreende na carta do conhecido escritor e jornalista republicano Alfredo Gallis (1859-1910) (6):

Il.mo e Ex.mo Sr.

Em resposta ao convite de V. Ex.ª tenho a declarar o seguinte: Aplaudindo e considerando no mais alto, a filantrópica iniciativa de Sua Majestade, a Rainha D. Amélia, para proteger os tuberculosos, em carta aberta escrevi no “Tempo” um artigo dirigido à mesma Augusta Senhora, explicando que essa simpática e benemérita campanha é contrariada nas fontes do mal pelo arquiestúpido procedimento dos nossos governos, carregando de impostos impossíveis as classes pobres, como são do domínio público o facto dos pobres vendedores da feira da ladra, dos feirantes do Lumiar, dos miseráveis donos dos quiosques do capilé, e tudo o mais que se segue. Assim, quanto maiores dificuldades cercarem a vida dos pobres não os deixando alimentar regularmente, respirarem ar de outras moradias e proverem até ao asseio do corpo, mais tuberculosos hão-de haver. O Estado desmancha com a garra esquerda o que a carinhosa Rainha de Portugal constrói com a mão direita. Podem-se curar os tuberculosos que de novo adoecerão da mesma moléstia, apenas regressem à sua vida usual até morrerem.

O meu bom senso diz-me que em frente d´um fisco rapace e cruel, que nada vê e nada atende porque o que quer é dinheiro para gastar em inconfessáveis despesas, não há esforço que sirva, nem caridade que preste. É mesmo muito de crer que os tuberculosos ainda sejam obrigados a selarem o jeito na Receita Eventual.

Ex.mo Sr., conheço o meu país e, pior ainda, a política e os políticos do mesmo.

Sou pobre e trabalho sem descanso. Uma quota anual seria um sacrifício dado de má vontade, porque revolta que o Estado não pense que o pobre tem direito a alimentar-se e a ganhar a vida.

N´estes termos não quero inscrever-me porque não tenho fé nos resultados da alevantada ideia de Sua Majestade, que bem podia dizer ao Governo que nem só os políticos comem carne e precisam de se alimentar na razão directa do que trabalham.

E pedindo desculpa desta rude franqueza

Sou de V. Ex.ª At.to, V.er e Admirador.

Alfredo Gallis.

A carta foi dirigida a um membro da Comissão Central da A.N.T., possivelmente o Dr. Curry Cabral, que convidara o jornalista a tornar-se sócio da mesma, que como se viu recusou. Contudo, e perante o surto imparável da tuberculose que o povo chamava “gripe espanhola”, a República deu continuidade ao projecto preventivo iniciado pela rainha D. Amélia, e fê-lo através do humanitarismo social independente da virtude religiosa, surgindo assim vários institutos oficiais e grupos privados, liderados por capitalistas abastados a maioria afins aos ideais da República e da Maçonaria, que prosseguiram a acção beneficente de assistência à Saúde Pública. É aqui que entra e se explica a presença do Sanatório Grandella em Cabeço de Montachique, no Concelho de Loures.

Porém, antes de tudo devo dizer que na vida em sociedade, axiomática e objectivamente, basicamente há dois tipos distintos de pessoas: as que fazem e podem errar, e as que não fazem e nunca erram. Humildemente, considero estar entre as primeiras. Isto deu aso a que a ilustre historiadora minha amiga de longos anos, Dr.ª Maria Máxima Vaz, me escrevesse em 18.06.2010: “Vitor, dizia Bento de Jesus Caraça: “Se não temo o erro, é porque estou sempre pronto a corrigi-lo”. Só não erra quem nunca fez nada. Quem faz, corre o risco de errar. Mas, o muito que já trouxe ao nosso conhecimento, generosamente, gratuitamente, pelo que me toca, agradeço reconhecida. E isso que já nos deu, é muitíssimo mais do que o que já errou. Normalmente, não se repara naquilo que os investigadores trazem ao nosso conhecimento, mas, às vezes repara-se num ou outro erro sem grande importância, que nem vem alterar o resultado final da pesquisa, que é feita e oferecida sem esperar recompensa. Maria Máxima”.

Pois bem, quando escrevi sobre As Seráficas de Tocadelos (7), situando-as num convento junto a Ponte de Lousa no sopé do Cabeço de Montachique, mais exactamente em Tocadelos, devido ao formato estrelado do edifício inacabado que está aí – estrela essa sugerindo-me tratar-se da Stella Maris – associei-o ao desaparecido Convento de Nossa Senhora dos Poderes (tema sobre o qual publiquei vários artigos no Vento Novo, jornal regional de Loures), fundado no século XVI por Dona Brites de Castelo Branco, e que estaria dentro da “Via Longa de Clarissas”, no dizer de Frei Agostinho de Santa Maria, portanto, no itinerário da saúde já referido por Pinharanda Gomes (8).

Mesmo assim, em boa verdade semelhante edifício desencaixa do conceito clássico da arquitectura de sanatório, que há outros nesta parte do Concelho lourenho. Ele apresenta dois corpos dianteiros rectangulares a toda a extensão ligados por arcos ao centro constituído de seis absidíolas, mais uma abside como corredor central indo até à entrada dianteira. O conjunto forma um M com sete espaços rectangulares no centro forma configurando uma estrela, motivo da minha sugestão inicial que levou à sua associação com o evoco mariano da Ordem do Carmelo, ou seja, Stella Maris, que também a Ordem Franciscana reconhece na ladainha como Mater Dei Regina Coeli. Como se não bastasse, a toponímia local e o concebido místico do imóvel só me reforçavam a ideia de ser esse o desaparecido convento das clarissas, tanto mais que os próprios compartimentos estão rigorosamente dispostos em conformidade com os cânones arquitectónicos tradicionalmente dados às casas religiosas de recolhimento, ou seja, os convento ou mosteiros, como então descrevi (in ob. cit.). Tudo, mas tudo garantia-me ser esse o eremitério das franciscanas de Nossa Senhora dos Poderes.

Contudo, várias vozes acauteladas, dentre elas a de Pinharanda Gomes que as encabeçou, afiançaram-me a possibilidade desse meu estudo aparentar inconclusões e “hiatos”, e todas incitaram-me a aprofundar ainda mais a investigação, o que fiz tanto no terreno como no gabinete. Ainda assim, tudo teimava em apontar Tocadelos como o sítio do convento, mas pegando na referência de Frei Agostinho de Santa Maria sobre “Via Longa de Clarissas”, aos poucos fui desviando a atenção precisamente para Via Longa, no Concelho de Vila Franca de Xira, fronteiro ao de Loures, e procurei no terreno algum vestígio dele pressupostamente instalado aí, busca que se revelou frutífera.

O documento mais antigo sobre essa casa religiosa data de 1621 e está na Biblioteca Nacional de Lisboa, levando o longo título: Livro que contém em si a fundação e rendas deste Convento de Nossa Senhora dos Poderes da Ordem de Santa Clara de Vila Longa, termo da cidade de Lisboa. Esta peça original (BNL, RES. Cód. 8591, 61 ff. numeradas) foi manuscrita antes da data apontada, ou seja, em 1615 pela escrivã do mosteiro, Soror Joana Evangelista, quando era abadessa uma sobrinha da fundadora, Madre Maria da Encarnação. Em 1621 o texto foi encadernado, sendo-lhe acrescentas as listas das religiosas que viveram no convento, pelo menos até 24 de Outubro de 1681, data em que o Provincial, Fr. Manuel de Santiago, taxou o número de freiras e educandas que ali podiam ser sustentadas. Entre elas contava-se uma supranumerária, Soror Maria da Glória, cuja genealogia inspirou a D. Francisco de Mascarenhas Henriques uma galante composição a que deu o título de Cousas maravilhosas e razões extraordinárias que sucederam para chegar a meu poder a muito esclarecida e endeusada genealogia da senhora Maria da Glória, religiosa no Mosteiro de Vialonga (BNL, RES. Cód. 6333, ff. 75 v. – 88 r).

O convento comportou sempre número de residentes excedendo a sua capacidade que não ia além de 36 religiosas, capacidade numérica igual à daquela a que estava destinado o sanatório de Montachique, hoje monumento inacabado mas que recentemente alguns quiseram destruir sob a alegação de ocupar «improdutivamente» o terreno destinado a edifícios fabris. Obviamente opus-me a tal, e houve mesmo o director proprietário de um desses jornais de Loures – Jornal de Loures – que passou por vergonha desnecessária quando quis iniciar campanha nesse sentido. O monumento está muito bem onde está e assim deve permanecer, se possível restaura-lo, tudo ao abrigo do decreto-lei 516/71 de 22 de Novembro (“Imóvel de Interesse Público”), que protege o património histórico municipal (9).

Posteriormente a 1621 quer Fr. Agostinho de Santa Maria (in Santuário Mariano, Lisboa, 1707), quer Fr. Manuel da Esperança e Fr. Fernando da Soledade (in História Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco da Província de Portugal, Lisboa, 1656-1721), quer ainda Jorge Cardoso (in Agiológio Lusitano, Lisboa, 1652-1744, vol. I, pág. 201, e vol. II, pág. 223), detalharam sobre o convento instalando-o em Via Longa de Clarissas e fundado em 1561 por Dona Brites de Castelo Branco (cf. História da Igreja em Portugal, de Fortunato de Almeida. Nova edição, vol. II, pág. 151, Porto, 1968). Mais tarde, Mendes Leal (in Admirável Igreja Matriz de Loures, Lisboa, 1909) e o Padre Álvaro Proença (in Subsídios para a História do Concelho de Loures, Lisboa, 1940) situarão nas cercanias de Tocadelos a existência de eremitério religioso, que terá sido definitivamente abandonado à rapina e retalho cerca de 1838 (cf. Enciclopédia Luso-Brasileira, vol. 12).

Consultando vários documentos indo dos finais do século XIX até à metade do século XX referindo o monumento em causa, apareceu-me o nome do comerciante rico Francisco de Almeida Grandella(1853-1934), como o seu idealizador para fins sanatoriais. Ainda supus que se trataria de um aproveitamento e reconstrução do primitivo edifício religioso, mas tal suposição revelar-se-ia errada, e esse erro foi induzido pela própria documentação demasiado imprecisa por confundir a localização exacta de ambos os imóveis, tanto mais que Via Longa de Clarissas desagua em Santo Antão do Tojal onde inicia a Estrada Real de Mafra que passa nas cercanias de Tocadelos, mais precisamente em S. Pedro de Lousa, aqui onde está a ruína de um outro e enorme sanatório. Este como os demais na região encerraram definitivamente em 1971, e alguns, escassos, desses edifícios foram progressivamente convertidos para outros fins. A maioria deles permanece ao abandono das ruínas…

Nesse ponto, dirigi a atenção para a presença de Grandella em Cabeço de Montachique. Procurei o projecto da obra e ele foi-me mostrado. Não data mais que 1919 e contém a legenda definitivamente esclarecedora: “Inauguração dos trabalhos para o edifício destinado a raparigas indigentes, tuberculosas (candidatas à tuberculose), no Cabeço de Montachique, em 6 de Abril de 1919 pelo Clube dos Makavenkos” (10). Esse projecto era do arquitecto Rosendo Carvalheira (Rosendo Garcia de Araújo Carvalheira, c. 1864 – Sintra, 1919), que em 1899 participara nos trabalhos iniciais de reconstrução da Sé da Guarda, prolongados até 1921. O renomeado arquitecto que foi igualmente vereador da Câmara de Lisboa, era inda membro da Associação de Amigos de Fanhões, freguesia encostada a Tocadelos que pertence à freguesia de Lousa, e cedo integrara o Clube dos Makavenkos, fundado por volta de 1880, sendo um dos seus fundadores o supracitado capitalista Francisco de Almeida Grandella, este que em 1919 publicaria em Lisboa um livro dedicado à história desse Clube misto de recreativo, beneficente, jacobino e republicano: Memórias e Receitas Culinárias dos Makavenkos (cf. Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira, 12, pág. 695). Essa obra, reeditada em Lisboa em 1994 pela Marginália Editora, originalmente subscrita apenas com as iniciais do autor, destinava-se tanto à divulgação do Clube como sobretudo a conseguir verbas para subsidiar as obras de construção do sanatório em Montachique, tal qual se lê na sua página inicial: “O produto da venda deste livro, retiradas as suas despesas, reverterá a favor do Sanatório Albergaria, de Montachique, mandado erigir por iniciativa da Sociedade dos Makavenkos”. Também a folha ilustrada com o projecto de Rosendo Carvalheira, era vendida publicamente ao “preço de 5 centavos a favor das obras do Sanatório”. Houve, portanto, uma campanha publicitária intensa destinada a conseguir as verbas necessárias à realização da obra, numa época em que a “gripe espanhola” campeava e ceifava vidas a rodos por todo o país. Na propaganda feita, afirmava-se que o Sanatório Albergaria pretendia “minorar quanto possível a miséria e a doença no meio da crise tremenda por que está passando o mundo inteiro” (acaba de sair da conflagração mundial de 1914-18), e apelava-se “aos novos-ricos, que têm feito fortunas fabulosas com os lucros da guerra”, que “doassem uma pequena parcela dessa enorme riqueza” às vítimas da mesma. O apelo não teve resposta, e foi o início da paragem das obras e da morte da ideia generosa que assistia ao projecto.

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Francisco Grandella subsidiou fortemente o Clube dos Makavenkos – a que pertenceram, dentre outros, o contra-almirante Ferreira do Amaral, antigo presidente do Conselho de Ministros no reinado de D. Manuel II, António Batalha Reis, Júlio Mardel, Rafael Bordalo Pinheiro, Josué dos Santos, o dr. Fidelino Figueiredo e o general Filomeno da Câmara – que era grémio republicano declaradamente antimonárquico e antieclesiástico, contudo possuído dos valores humanitários laicos afins aos pedreiros-livres como se declaravam vários dos seus sócios. A convicção republicana de Grandella já se fizera sentir em 1881, quando fundou no Rossio a Loja do Povo, pintando a sua fachada de vermelho berrante, de alto a baixo, o que lhe valeu uma ordem de despejo do senhorio, um desengraçado visconde da Graça, que não gostava dessas republicanices de fachada.

O terreno de 3.550 metros quadrados em Tocadelos, onde está o imóvel inacabado, foi comprado por Francisco Grandella a António Mateus Catarino, sogro de José Alves Antão a quem entrevistei, tendo-o oferecido em 1918 à Sociedade dos Makavenkos para aí construir-se o supradito sanatório destinado ao internamento temporário para tratamento de moças ingentes tuberculosas. Situado a 200 metros de altitude a meio da encosta do Cabeço de Montachique, o plano inicial previa quartos para 36 doentes em regime de internato gratuito, quartos para vigilantes, uma grande cozinha, refeitório, varanda de cura, farmácia, sala de pensos, arrecadações, banhos, forno crematório para pensos, desinfecção e enfermaria de isolamento. Para ajudar a custear os encargos da obra, também seriam criadas 14 moradias independentes, procurando assim dar resposta “à grande falta de habitação para os que, embora com meios para se tratarem, careçam de aí se instalar” (11).

Rosendo Carvalheira traçou um esquisso grandioso para o edifício. “O conjunto do projecto é muito simples, gracioso e pitoresco e fortemente inspirado em motivos portugueses” (12), e caberia a Francisco Grandella a honra de lançar a primeira pedra de fundação (13), com pompa e cerimónia com as bandeiras desfraldadas da recente República de Portugal, do Brasil e da Maçonaria Portuguesa, ficando assim o seu nome ligado para sempre a essa obra colectiva mas dado como o exclusivo idealizador da mesma, não se preocupando os enciclopedistas posteriores com outros e quaisquer pormenores, como foi o caso de Raul Proença quando, passageira e secamente, limitou-se a apontar “o Sanatório Grandella, em Montachique” (14).

As obras iniciaram ainda em 1919, mas algum tempo depois pararam por falta de verbas, acabando por ficar para sempre inacabadas. Tal carência fiduciária atribui-se à crise económica por que o país passava, acabado de sair da I Guerra Mundial, e ao “crash” de Grandella, o principal accionista, que insensatamente pensara, como a maioria pensou, não durar mais de três meses o conflito de 1914-1918. Tanto a publicação do livro das receitas culinárias dos Makavenkos como a da folha do projecto do sanatório de Montachique, foram talvez as últimas medidas desesperadas para conseguir as verbas necessárias. O dinheiro que se conseguiu foi gasto nas pedras necessárias à construção do edifício, que vieram em carros puxados por bois das pedreiras próximas de Fanhões, de onde eram naturais muitos dos pedreiros empregados na empresa, como foi o caso do falecido senhor José Grande, contemporâneo do já referido senhor José Alves Antão.

A pretensão de fundar aí um sanatório para moças pobres atingidas pela tuberculose, não chegou a concretizar-se pelas razões apontadas, e assim o imóvel foi doado à Assistência Nacional aos Tuberculosos que nele não pegou, preferindo construir um sanatório novo junto à Estrada de Fanhões. Ficaram, como memória da obra inconcluída, os empilhamentos de pedras à esquerda da sua entrada, tudo votado ao abandono e é assim que está este monumento singular de Loures.

Pois bem, se afinal nunca houve aqui casa de religiosas, ante a evidência indesmentível, então onde estaria o antigo Convento de Nossa Senhora dos Poderes de Via Longa de Clarissas? Obviamente em Via Longa. Mas esta mistura-se com a outra e longa Via Real que passa perto de Tocadelos. Será que era mesmo aí que estava? Sim, era. Encontrava-se na freguesia de Via Longa, esta que entretanto passara do extinto Concelho dos Olivais para o de Vila Franca de Xira, Distrito e Patriarcado de Lisboa, dizendo o Padre Jacinto dos Reis sobre esse convento de franciscanas (15):

“Deste mosteiro tratam várias obras, entre as quais Mapa de Portugal (parte III); Sant. Mar. (tomo I, liv. II, tít. LXI); Port. Ant. e Mod. (vol. X). Desta última obra, a propósito, lê-se (pág. 321 e seg.): “Estava o mosteiro ameaçando ruína iminente, pelo que, por portaria de 24 de Outubro de 1838, foram as freiras transferidas para o Mosteiro de Nossa Senhora da Anunciada, do lugar de Subserra. […] Em 1873, ou 1874, o Governo pôs em praça a venda do terreno em que tinha sido edificado o templo e o mosteiro, e o resto da pedra que ainda existia. O comprador naquele chão construiu uma abegoaria e loja de ferrador”. Acrescenta ainda o Padre Jacinto Reis: “No álbum n.º 6 dos Registos dos Santosna Biblioteca Nacional de Lisboa, há uma estampa, se não duas, de Nossa Senhora dos Poderes, “orago do convento das religiosas de Vª Longa”, indulgenciada pelo Patriarca de Lisboa”.

De facto, o Inventário da Colecção de Registos de Santos, organizado e prefaciado por Ernesto Soares (Biblioteca Nacional de Lisboa, 1955), regista:

“02996 e 02997 – NOSSA SENHORA DOS PODERES – Em corpo inteiro sobre peanha, com o Menino Jesus, segurando pequeno ramo de flores, ambos coroados. INS. – Imagem de Nª Sª dos Poderes Orago da Igª e Convtº das religiosas de Vª Longa. (seguem indulgências). D. – 118 x 68 mm. P. – Buril. E. – Completa. O. – Há outra colorida (nº 02997).”

Essa imagem da Virgem dos Poderes, cuja invocação fora confirmada pelo Papa Pio IV, era considerada milagrosa pelas gentes de Via Longa e populações vizinhas. Ela possuía poderes que tudo podiam e a todos curavam. Assim, Dona Brites, fundadora do convento, viu-se contrariada no seu desejo inicial de querer dar à Mãe de Deus o título Nossa Senhora da Encarnação, ao invés de Nossa Senhora dos Poderes. A pia senhora recebera o hábito franciscano das mãos de D. Marcos de Lisboa, depois bispo do Porto, religioso dos Recoletos de Santo António, e passou a chamar-se soror Brites de São Francisco. Na base do voto da ilustre senhora esteve uma revelação celeste, a qual lhe apresentara, em sonhos e nas mãos de um anjo, o hábito franciscano: “E isto constou por testemunho da própria fundadora, e se achara em uma crónica da Ordem, que mandou fazer o R.mº P. frey Francisco Gonzaga, sendo Geral da Ordem” (BNL, RES. Cód. 8591, f. 3v). Cf. Fr. Francisco Gonzaga, De origine Seraphica et Religionis Franciscanae, parte III, cap. 17, Roma, 1587.

Praticamente todas as obras consultadas sobre o convento baseiam-se no Agiológio Lusitano, e só a de Lino de Macedo transcreve parte dum códice da Biblioteca Nacional de Lisboa referente ao assunto. Do consultado, destaco: Jorge Cardoso, Agiológio Lusitano, t. I, Lisboa, 1652, p. 201, e t. II, Lisboa, 1659, p. 223; Fr. Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, t. I, pp. 437-439, 1711; Fr. Fernando da Soledade, Historia Seráfica Cronológica da Ordem de S. Francisco na Província de Portugal, t. V, pp. 86-129, Lisboa, 1721; João Baptista de Castro, Mapa de Portugal Antigo e Moderno, 2.ª ed., t. III, 1763, pp. 490-491; Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, vol. X, Lisboa, 1885, pp. 321-322; Lino de Macedo, Antiguidades do Moderno Concelho de Vila Franca de Xira, Vila Franca de Xira, 1893, pp. 337-339; Francisco Câncio, “As milagrosas Imagens do Convento de Nossa Senhora dos Poderes”, Ribatejo. Casos e Tradições, vol. II, s. 1, 1949, pp. 366-372; Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, nova edição, preparada e anotada por Damião Peres, Porto, 1968; Rui Parreira, “Inventário do Património Arqueológico e Construído do Concelho de Vila Franca de Xira”, Boletim Cultural da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, n.º 1, 1985, p. 115.

Estou quase convencido que Rosendo Carvalheira conhecia todos esses elementos (tanto mais que andou de relações próximas com as dignidades eclesiásticas e trabalhou no restauro de várias igrejas matrizes, uma delas, como já referi, a da cidade da Guarda), e conhecendo-os tê-los-á usado para em Tocadelos imitar ou recriar o convento desaparecido, mas em nova versão tanto arquitectónica como na finalidade: de eclesial a hospital, para todo o efeito, sempre de reclusão. Tanto mais que tradicionalmente o orónimo “Virgem dos Poderes” é assinalado pela Stella Maris, epíteto sideral de Vénus. Além disso, o convento ainda existia em seu tempo, certamente muito arruinado mas suficiente para inspirá-lo ao traçado original deste pretendido sanatório lourenho.

Dele remanesce, hoje mesmo, na Quinta de Santa Maria, onde esteve o convento das clarissas de Via Longa, passadas em 1838 para o outro franciscano de Subserra de Castanheira, uma quadra contígua a um portal adornado na parte superior por elegantes enrolamentos de cantaria, encimado por uma cruz franciscana com a legenda I.N.R.I. Transposta a entrada, notam-se os restos de uma nora e do tanque adjacente, além dos muros da cerca do convento cuja igreja, desaparecida, possuía dois altares colaterais: um dedicado a S. João Baptista e outro a S. João Evangelista, presidindo ao centro, no altar-mor, Nossa Senhora dos Poderes, que também não deixou de ser a Stella Maris da Ordem dos Templários que no século XIII por aqui andou, tendo-lhe pertencido os lugares próximos da Granja e de Alpiatra (16).

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Se, eventualmente, a fonte de inspiração de Rosendo Carvalheira para a arquitectura do pretendido sanatório de Montachique foi a do convento franciscano de Via Longa, no entanto aplicou aqui o simbolismo maçónico que era afim à sua condição de afiliado nessa Ordem (17), fazendo recurso dos princípios da arquitectura sagrada a que juntaria a disposição e toponímica do lugar, para reforçar ainda mais o significado velado que pretendeu deixar na feição geral do edifício, para todo o efeito, posto sob o evoco da misericórdia maternal da Virgem Mãe de Deus que a todos socorre e acolhe na aflição corporal, volvendo-se os olhares sofridos para a esperança derradeira nesta lourenha Stella Maris.

Se bem que a iniciativa de construção do sanatório tenha partido da colectividade do Clube dos Makavenkos, também é verdade que alguns dos seus sócios mantinham reuniões maçónicas em Fanhões, localidade próxima de Montachique, onde possivelmente haveria uma Loja ou no mínimo um Triângulo, constituído por três Mestres Maçons, e daí terá irradiado a ordem de proclamação da República no dia 4 de Outubro de 1910, portanto, um dia antes da data combinada, certamente por desencontro de informações entre os republicanos de Loures e os de Lisboa, motivo que quase levou ao fracasso da revolução, o que não aconteceu por o Governo Central do Reino estar profundamente dividido, com as várias partes políticas cada uma puxando para o seu lado.

Já no exílio, D. Manuel II atacou o contra-almirante Ferreira do Amaral, apodando-o depreciativamente de “o Makavenko”. Anos antes, em pleno Parlamento, Ferreira do Amaral, acusado do dito «crime», respondeu afoitamente aos deputados contrários: “Makavankei e makavenkarei”.

Acerca do significado do nome Makavenko, na contraparte do livro de Francisco Grandella o seu amigo Josué dos Santos dá-lhe uma origem muito singular a qual, creio, não passa de farsa satírica, mesmo assim deixando a forte impressão de pretender esconder o sentido verdadeiro do orónimo próximo do filólogo sânscrito Makara, termo utilizado para designar a Hierarquia de Mestres Espirituais do chamado Governo Oculto do Mundo organizados na Atlântida e que desde então agem como encobertos nos bastidores da sociedade humana:

– “Makavenkos” eram um povo que existia aqui, no nosso paiz, e provincias vascongadas, vindo do Japão, das ilhas Curilas, muito antes da civilisação grega, antes do desapparecimento da Atlântida, e que tinham uma seita que professava uma espécie de culto pela mulher esbelta, mundana, com quem conviviam e protegiam aproveitando a mesma para fins de utilidade geral.

Apesar de saltar à primeira vista o Clube dos Makavenkos não ter passado de associação jantarista e boémia compartilhada por homens e mulheres, sobretudo homens, ainda assim vez por outra benfeitores dos desfavorecidos, na verdade terá sido muito mais que isso.

Esse grémio foi fundado inicialmente por 13 makavenkos ordinários unidos sob o lema “Um por todos e todos por um”, como se vê ornamentando a capa do Acto Adicional aos Estatutos da Sociedade dos Makavenkos, prolongamento dos Estatutos do Regimento Makavenkal publicados em 1900, cujos “princípios gerais” dizem ser seu patrono o Patriarca Noé, este que também figura com a sua família no painel das Lojas das Eleitas da Maçonaria de Adopção. A Sociedade reunia-se nas noites de sexta-feira, consignado dia de Vénus, planeta apontado como o da Stella Maris carmelita, mas aqui transformada em makavenkal, antes, makárica.

Com efeito, no simbolismo maçónico a estrela de sete pontas ou heptágono é tomada como representação do Mestre Maçom, que simbolicamente exprime aquele que alcançou a Perfeição Humana, consequentemente é tomado como imagem do Makara ou Homem Perfeito, o Adepto Real senhor da Vida e da Morte, tal qual está assinalado no Apocalipse (1:16): “Tinha ele na sua destra sete estrelas; e da sua boca saía uma aguda espada de dois gumes; e o seu rosto era como o Sol, quando resplandece na sua força”.

Lançada a pedra de fundação do Sanatório Albergaria no referido dia 6 de Abril de 1919, e ao qual se deu o nome de Catedral (a escolha deste nome não terá sido mero acaso), estiveram presentes ao acto solene, dentre muitos outros, o maçom e makavenko famoso vinicultor Camilo Alves, e o senhor Leitão, igualmente makavenko, proprietário do restaurante Abadia no Palácio Foz, Lisboa (in Francisco Grandella, ob. cit., pp. 187-193). Nessa cerimónia de inauguração ficou um auto lavrado em pergaminho, encerrado num cofre nos alicerces, junto a um bilhete-postal dirigido “aos vindouros”, redigido nestes termos: “Ó vós que encontrastes o caminho já desbravado, se alguma coisa de bom fizestes pela Humanidade, nós vos saudamos…”

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Semelhante à rapina sofrida pelo convento de Nossa Senhora dos Poderes, o mesmo aconteceu na igreja paroquial de Fanhões. Edificada em 1575 e restaurada em 1796, seria incendiada e rapinada (14.5.1915) pelos carbonários de Loures, que começaram pela delapidação do seu aparelho de azulejaria do século XVIII (in Aditamento n.º 3de Pinharanda Gomes ao livro Admirável Igreja Matriz de Loures, de Joaquim José da Silva Mendes Leal, Lisboa, 1909).

Igualmente o etimólogo Fanhões, corruptela de Fanhais, não deixa de interessar ao contexto geográfico e mítico onde se inscreve o Sanatório Albergaria, apodado Catedral. Segundo o professor Batalha Gouveia (in O etimólogo Fanhais, Lisboa, 1983), esta palavra procedente do baixo-latim fanalis é uma importação do grego phanós, significativo de “tocha”, “facho” ou “lanterna”. Ora o phanós helénico tem por matriz a voz egeia wanu, significando literalmente “filha” (W) do “céu” (anu). O hierónimo Wanu foi adoptado pelos latinos para denominarem aquele luminoso planeta que, tal como um facho, anuncia o aparecimento do Sol. Trata-se de Uénos – posteriormente prosodiado Vénus – ou a Stella Maris que mesmo antes da narrativa bíblica envolvendo o Profeta Elias e que a Ordem do Carmelo assumiria como sinal mariano, já era a estrela guia dos antigos navegadores.

Acrescento, ainda, que a par da Virgem Mãe é Orago de Fanhões São Saturnino. No santoral cristão considera-se este personagem patrono de ascetas, anacoretas e eremitas, com isso associando-o à ideia clausural havida nas clarissas de Via Longa sob o patronímico Nossa Senhora dos Poderes, cujo «segundo tomo» gorado ter-se-á pretendido fazer aqui em Cabeço de Montachique junto a Tocadelos, terra saloia dominada pela devoção à Estrela-do-Mar, e tanto assim é que uma loa cantada pelos romeiros da Confraria do Cabo, Na Ocasião de ser transportada a Milagrosa Imagem de Nossa Senhora do Cabo Espichel da Parochial de São Pedro de Louza para a Freguesia de Santo Antão do Tojal (impressa na Imprensa Nacional, Lisboa, sem autor e sem data mas que presumo ser 1852), com ternas e doces palavras remata a exaltação à sempiterna Stella Maris:

Immaculada Senhora,

Virgem sacrosancta e bella,

Vara de Jessé florida,

Do mar luminosa estrella.

*

Com que prazer vosso povo

Vem receber neste dia

A vossa Imagem Sagrada

Sancta, divinal Maria!

NOTAS

1) Augusto da Silva Carvalho, História da Medicina Portuguesa. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1929.

2) Apesar da grande campanha de conscientização sobre os perigos da tuberculose e as medidas de prevenção assumida pela Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, a partir de 1901, foi em Coimbra que se realizou em 1895 o 1.º Congresso dedicado à terrível epidemia, durante o qual o professor Augusto Rocha, realçando a eficácia dos “ares” na cura dessa doença, citou uma frase de Florence Nightingale, suficientemente elucidativa dessa importância: “Para os tísicos, respirar um ar puro é simplesmente respirar a vida”. – In La lutte contre la tuberculose au Portugal. Aperçu historique, Boletim da A.N.T., 4.ª série, volume I, página 17, Setembro de 1937.

3) Costa Sacadura, A Obra da A. N. aos Tuberculosos e a Rainha D. Amélia através de algumas cartas inéditas. Lisboa, 1949.

4) Vitor Manuel Adrião, Quinta da Regaleira (Sintra, História e Tradição). Editora Dinapress, Lisboa, 2013.

5) António Gonçalves Santiago, A Tuberculose e os Dispensários. Dissertação inaugural na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Impresso pela Casa dos Tipógrafos, Lisboa, 1911.

6) Alfredo Gallis, Os Decadentes – Tuberculose Social, IV. Livraria Central, Lisboa, 1902.

7) Vitor Manuel Adrião, Ode a Loures (Monografia Histórica). Edição do Pelouro do Turismo da Câmara Municipal de Loures, 1993.

8) Pinharanda Gomes, Povo e Religião no Termo de Loures. Edição da Paróquia de Santo António dos Cavaleiros, Loures, 1982.

9) Vitor Manuel Adrião, Rotas de Loures. Edição do autor subsidiada pelo Município, Loures, 1994.

10) Arquitectura Portugueza, n.º 23, 1920.

11) O Século, II Série, n.º 686, 14 de Abril de 1919.

12) Arquitectura Portugueza, Julho de 1918.

13) Illustração Portugueza, 1919, artigo ilustrado com a fotografia do evento.

14) Raul Proença, Guia de Portugal, volume I, página 473. Lisboa, 1924.

15) Padre Francisco dos Reis, Invocações de Nossa Senhora em Portugal (De Aquém e Além-Mar e seu Padroado), pp. 456-457. Lisboa, 1967.

16) Maria Micaela Soares, A Granja de Alpiatra nas Memórias Paroquiais de 1758. “Boletim Cultural” da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, n.º 3, 1989.

17) “CARVALHEIRA (ROSENDO GARCIA DE ARAÚJO) – Iniciado em data desconhecida com o nome simbólico de Rómulo e regularizado em 1893 na Loja Tolerância, de Lisboa. Pertenceu depois às Lojas Fénix (1905), Fiat Lux (1906) e Liberdade e Justiça (1913), todas daquela cidade. Ascendeu (1906) ao Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceite, de cujo Supremo Conselho fez parte. Desempenhou altos cargos no Grande Oriente de Portugal e no Grande Oriente Lusitano Unido, entre os quais o de Presidente do Grande Tribunal Maçónico.” – A. H. de Oliveira Marques, Dicionário de Maçonaria Portuguesa, volume I, pp. 280-281. Editorial Delta, Lisboa, 1986.

Cosmogénese, Geometria Sagrada e os Símbolos da Tradição (Subsídios ao estudo teosófico do Cosmos) – Por Hugo Martins Quinta-feira, Maio 8 2014 

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14.4.2014

INTRODUÇÃO

A utilização da linguagem simbólica como método pedagógico neste estudo, nada mais é do que a constatação de que o símbolo sempre foi o método primário e principal dos Iniciados para expressar verdades transcendentais ou metafísicas. Como explica Roberto Lucíola, “às vezes os símbolos revelam mais do que as palavras, têm a virtude de transmitir determinados conceitos sem deturpar os seus fundamentos. Não podem ser afectados pelo tempo, pelas modas e suas invocações – possuem o carácter de eternidade. O Simbolismo Iniciático apela mais para o Mental Abstracto (ou Superior) das criaturas humanas, o que abre um leque de interpretações muito amplo”. E o sentido iniciático de toda a Obra que proclamamos é direccionado íntima e perenemente ao Mental Superior do Homem, o qual muitas vezes para a maioria do público inculto em matéria espiritual ou iniciática aparenta ser um discurso confuso e complicado por mais que se o tente simplificar, inclusive recorrendo aos mais variados e usuais métodos pedagógicos, mas a verdade é que a regularidade das vidas humanas está centrada no Mental Inferior muito apegado ao Corpo Emocional (ou Astral), limitando a abertura da percepção para realidades diferentes e imperceptíveis porque superiores aos cincos sentidos comuns, tornando-se assim necessárias as práticas do estudo, meditação e ritualística com o fim de desenvolver o chamado Corpo Causal, para alguns Veículo de Espírito Santo, para que o Homem consiga vislumbrar o sentido de Eternidade presente em tudo e todas as coisas, incluindo nele próprio. O Simbolismo como imago fundamental ao referido Mental Superior, sustenta-se por sua vez na Geometria Sagrada, ciência sempre utilizada ao longo da História por eminentes cabalistas, gnósticos e alquimistas na compreensão e explicação da Criação, sendo uma das principais CHAVES DO CONHECIMENTO SUPERIOR ou INICIÁTICO, segundo as palavras de Sebastião Vieira Vidal, tornando-se razão mais que suficiente para a utilizarmos como método pedagógico neste estudo.

Contudo, queremos deixar a observação de que o “Cosmos” aqui tratado segundo a concepção teosófica, é distinto do mesmo “Cosmos” da Física actual. Enquanto o físico assume que tudo o que é conhecido na harmonia do Cosmos é incriado e eterno, que existe agora de forma sempre igual num conjunto de leis e efeitos e que nunca acabará. Por outro lado, a concepção metafísica ou teosófica assume o Cosmos como eterno mas ao mesmo tempo criador. A sua análise não se baseia só num conjunto de comparações de medidas e grandezas do corpo do Universo conhecido através da Matemática, mas também da constatação de leis universais como reflexo da Causa original e repercutindo no tempo futuro da própria Criação. No fundo, a Criação é o espelho do próprio Criador, que cria e recria ao longo de diversos fenómenos aparentemente inexistentes ou não perceptíveis ao Género Humano comum, dando a ideia de estagnação e imutabilidade na variável Tempo. Contudo, não sendo o tempo dos homens o tempo dos Deuses, igualmente todas as certezas de hoje não serão as do Amanhã, facto justificado pelo princípio de que tudo é mudança ou mutável e nada permanece eterno a não ser a própria mudança ou mutação desenrolando-se indefinidamente sempre galgando estágios de perfeição de forma e de ser cada vez maiores e matematicamente mais completos que antes o que pressupõe a presença de uma Inteligência Universal como Substância da Vida e da Forma há qual os filosofias deístas chamam “Deus”. Posto isto, só podemos conceber o Universo como sendo algo incriado e criador – ele é, “ao mesmo tempo, o poema e o poeta, ele próprio”.

Tentaremos, portanto, explicar de forma sistematizada o tema em questão com o intuito de abrir algumas portas que eventualmente possam ou pudessem estar fechadas sobre o assunto, ou simplesmente confirmar e/ou recapitular o que anteriormente já era, por parte do leitor, um dado adquirido.

O FOGO SAGRADO E O PRINCÍPIO DO COSMOS

O maior, o mais nobre e o mais escondido tesouro do Universo é o elemento Fogo

Uma das grandes questões que sempre preocupou o Homem desde que passou a ter possibilidade de utilizar o dom da razão, foi o da origem de tudo e de todas a coisas, incluindo dele mesmo. Compreendendo que ele próprio é parte integrante da Matéria constituída da Substância do Universo onde reside ou tem o ser, o seu objectivo derradeiro e supremo foi sempre o de perceber o Princípio que sustém todo este imenso palco da Vida. A questão fundamental que levou os filósofos da Antiguidade a reflectir sobre o significado da Vida e do Cosmos de forma abrangente, foi a da origem das coisas existentes, a desse “Substrato Primordial”, esse Quid, essa “Coisa” que alimenta a Unidade fundamental que subjaze aos seres; Lei mercê da qual tudo é uno em essência na sua multiplicidade de formas, todas as coisas são plurais sem no entanto haver descontinuidade singular entre os Mundos visível e invisível, o que tanto intriga filósofos e teólogos cujas preocupações físicas e metafísicas é mais de “estar” do que de “ser”. Compreender isto é compreender a origem e essência de tudo e de todos. Para começarem esta diáspora na compreensão do Princípio Original, os filósofos ocidentais olharam e meditaram sobre a Natureza que se lhes apresentava diante dos olhos. No entanto, não sabendo qual era a “Coisa” que antecedeu a existência de tudo, eles assumiram que a mesma haveria de certa forma estar presente no Mundo criado, iniciando-se assim uma cruzada filosófica na explicação e busca da Origem Primordial encarnada num dos quatro elementos da Natureza – Terra, Água, Fogo e Ar. Qual deles seria então o elemento original?

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O estudo acerca da Natureza na investigação dos primeiros princípios naturais ou elementos clássicos por uma hermenêutica fisiológica, foi protagonizado no período pré-socrático pela Escola Jónica que desenvolveu-se em Mileto, na Jónia, nos séculos VI e V a. C. Nesta, com seus principais pensadores e continuadores em conformidade à relação de mestre e discípulo, encontramos os nomes celebrizados de Tales (o “príncipe”, como lhe chamou Aristóteles), Anaximandro, Anaxímenes, Anaxágoras, Arquelau e finalmente o “obscuro” Heráclito. Dentre esses, o que maior relevância teve e contributo deu para o esclarecimento da questão em pauta, foi Heráclito, assumindo que seria o Fogo a origem de todas as coisas e o fim de todas elas, seja por transformação, seja por sublimação, seja por condensação. Impõe-se acrescentar aqui que ele referia-se ao Fogo Cósmico, Primordial, de que o Fogo Elemental era a expressão mais densa ou visível. O Fogo propõe-se como uma corrente em que há curso e recurso, ou seja, uma oposição dos contrários pela qual os seres se geram, e por cuja concordância os mesmos seres vão se integrando de novo no seio do Oceano eterno. Esta conversão dos opostos, explica o filósofo, ocorria por um movimento de “cima para baixo” mediante o qual o Fogo, a Energia da Vida, se condensava no Cosmos manifestado, visível, mas também havendo o seu movimento complementar de “baixo para cima”, que permitia ao denso, à Terra, se rarefazer progressivamente regressando ao estado primordial de Fogo Invisível como primeiro aspecto da Substância Absoluta. Portanto, seria como Fogo que o Espírito desceria à Matéria e por ele a Matéria remontaria ao Espírito funcionando como o Agente Universal, responsável pela manifestação da Vida. No fundo, trata-se do mesmo Princípio Flogístico ou Agni, o Fogo Sagrado e Divino progenitor do Cosmos manifestado, como já afirmavam os Vedas ou Escrituras Sagradas do Oriente, no qual se fundamenta a Unidade na Multiplicidade cósmica dando razão e coerência à sua coexistência mútua. Só percorrendo a Via do Fogo Sublimador é que se atinge a Unidade Primordial, o Princípio Original de tudo e todas as coisas, por tratar-se de progredir na compreensão do que seja a intimidade da Energia Vital manifestada como luz, calor e chama. É penetrar na essência do Invisível, na realidade íntima das coisas, é evoluir na Senda da Integração, o Caminho que vai da Consciência Humana à Consciência Divina, da Personalidade à Individualidade, ao Eu Superior, o Ego Espiritual. Assim, tal como a Ciência académica assume a Água como a geradora da Vida Física, a Tradição Iniciática das Idades assume o Fogo como gerador da Água pelo Vento e a Terra dando a humidade que se cristaliza como líquido, pelo que ele é o gerador da Vida imanente e transcendente, o invisível Ignis Vitae. Já o grande poeta português, Luís Vaz de Camões, afirmava que o Amor é fogo que arde sem se ver, assim esboçando magnificamente a ideia do invisível, do misterioso que é o Amor (todos o sentem – quando sentem… – mas não o vêem) associado ao Princípio gerador do mesmo, “o Fogo Sagrado, o Fogo Purificador, a Alma Gloriosa do Sol” ou Anima Ignis. Também o jesuíta iluminado e grande Paiçu ou Pai dos índios tupis e tupinambás brasileiros, Padre António Vieira, disse o mesmo sobre o Fogo no seu quinto volume de Sermões: o maior, o mais nobre e o mais escondido tesouro do Universo é o quarto elemento, o Fogo. Na realidade, repetimos, ele referia-se ao Fogo Primordial, também chamado Vayu, Surya e Fohat nas Escrituras Védicas onde a maioria dos filósofos clássicos greco-latinos foi beber a inspiração, a começar por Pitágoras até chegar a Platão. O mesmo levaria nos séculos XIV-XVI os místicos Rosacruzes a destacarem-no através do logogrifo I.N.R.I., com o significado latino de Ignis Natura Renovatur Integra (“Pelo Fogo se renova a Natureza inteira”), ou mesmo na alegoria hermética da “misteriosa salamandra que vive e se banha nas labaredas do fogo”, expressiva do Fogo Secreto utilizado pelos Alquimistas da Idade Média, também conhecidos como Filósofos do Fogo, mas no fundo ambas as alegorias expressando a mesma realidade do Principio Flogístico ou “Fogo Espiritual da Natureza” (segundo Paracelso), genesíaco e oculto em tudo e todas as coisas.

Sim, glória, muita glória a ti, Agni, Alma Gloriosa do Sol!

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O LOGOS E A LEI

Deus é Uno em Essência, Trino em Manifestação e Séptulo em Evolução

Compreendendo que o Princípio Original manifestou-se na Natureza através do Fogo, podemos dar agora início ao estudo da Cosmogénese, debruçando-nos sobre o conceito de Substância. Todo o efeito tem uma causa, e toda a causa tem uma origem. Torna-se assim inevitável fazer a pergunta: qual é, portanto, a primeira causa de todas? A origem das origens, o principio de tudo? Não há outra forma de conceber esse princípio fundamental como não sendo o de algo primordial, que não tem princípio nem tem fim, não tem passado, presente nem futuro porque transcende o tempo, não é sustentado por nada porque que se sustenta a si mesmo, não tem uma causa porque ela é a sua própria causa – a causa per si. A essa concepção é dado o nome de Substância Primordial. Nas diversas tradições vários nomes foram dados ao mesmo conceito, como: o Absoluto, o Ain-Suph, o Svayambhuva, o Tudo-Nada, etc. Essa Substância é a plenitude abarcante de tudo. Os Sistemas Solares e toda a matéria que os constitui nada mais são do que a condensação ou materialização da Substância Primordial que está na origem de todas as manifestações, sejam elas de carácter físico, emocional, mental ou espiritual. Contudo, neste estado ela não é um Ser, muito pelo contrário, é precisamente o não-Ser, razão suficiente para criticar-se as diversas concepções religiosas de um Deus pessoal, antropomórfico, as quais tentaram fazer do seu Criador a sua própria criação. A Sabedoria Iniciática ensina-nos que a Substância Primordial é o não-Ser, que passando do estado passivo ou indiferenciado para o activo manifestado transforma-se no Ser, designado pelos orientais como TAT ou Aquilo. Enquanto imanifestada a Substância é eterna, mas ao entrar em actividade passa a ser limitada, com tempo de manifestação cíclica, periódica, com princípio e fim bem definidos. Daí dizer-se, nos meios ocultistas, que o Eterno antes de se manifestar apresenta-se no Espaço Sem Limites, enquanto já manifestado apresenta-se no Espaço Com Limites. A Substância Primordial passa do não-Ser para o Ser através da sua primeira manifestação – a polarização. Para que tudo seja criado ou manifestado, torna-se necessário a polarização. Não pode haver manifestação sem polarização. No entanto, a Força que gera a separação, a dualidade, é um verdadeiro mistério dos deuses, só sabemos que acontece, no entanto não sabemos como…. senão como manifestação periódica da Unidade Indivisível como Deus Pai-Mãe. Para todo o efeito, o certo é que essa polarização da Substância Universal gera dois Centros Cósmicos activos, conhecidos na tradição oriental pelos nomes de PURUSHA e PRAKRITI. O pólo positivo é Purusha, que na nossa língua corresponde ao Espírito, e o pólo negativo é Prakriti, ou a Matéria. Tanto o Espírito como a Matéria não são permanentes. Só existem durante um período de Manifestação Universal, chamado pelos brahmanes ou sacerdotes hindus de Dia de Brahmã, e também de Manuântaraou Manvantara. No fundo, Brahmãexpressa a Manifestação, o que já se polarizou, o que existe no Mundo das Formas. Enquanto Parabrahmã, que significa “aquilo que está além ou acima”, expressa o Imanifestado, o que está “além de Brahmã”. Como diz Roberto Lucíola, “é a origem subjectiva de Brahmã”. Chegados a este ponto, podemos dar ao leitor um entendimento simbólico através da Geometria Sagrada. A Substância Primordial e o estado de Imanifestação, Parabrahmã, representam-se simbolicamente por um círculo que expressa o Todo, o Absoluto, o Eterno, a Unidade de tudo e de todas as coisas e seres. Segundo a Geometria Sagrada, o círculo é a figura matriz de que podem ser geradas todas as outras figuras, portanto, é a figura primaz ou ponto de partida para as outras formas geométricas. Segundo os cabalistas, melhor que o círculo será mesmo a própria esfera aquela que melhor expressa o sentido de totalidade, visto não possuir princípio nem fim. No que diz respeito aos símbolos da Tradição, os antigos alquimistas expressavam esta realidade através da alegoria da “serpente mordendo a própria cauda”, designada como Ouroboros, dando também o sentido de movimento perpétuo sem limites, infinito, tal como é caracterizada a Substância Primordial.

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A partir do momento que a Substância Primordial se manifesta e ocorre a polarização, o Espaço deixa de ser ilimitado e passa a ser limitado. Todos os Universos manifestados pelo Todo serão delimitados por uma borda externa, separando o manifestado do que não está manifestado. Essa misteriosa região do “daqui não se passa”, leva o nome tradicional de Ovo de Hiranyagharba, Ponto Layaou “Ovo Áurico de Brahmã”. Corresponde ao Primeiro Trono ou à Primeira Diferenciação Divina como Pai Eterno para além do qual só o Imanifestado ou Espaço Sem Limites é. Do ponto de vista geométrico, é simbolizado por um círculo com um ponto central. Este símbolo é muito profundo. Genericamente, diz-se que representa o Germe no Ovo, a Essência na Matriz. O Eterno, obedecendo à Lei Cíclica de Manifestação, quando inicia a criação de um novo Universo ou de um novo Sistema Solar, delimita determinado espaço, tal como analogamente um construtor delimita a área onde a construção vai ocorrer. Ao delimitar o espaço que será palco de um novo trabalho evolucional, por certo o Grande Arquitectodo Universo não usará uma “cerca” mas algo incompreensível para nós que os Iniciados chamam Akasha ou Segundo Trono, Mundo Intermediário, Matriz que contém a Essência da Vida e por isso é chamada de Mãe Universal (Mulaprakriti, a raiz da Matéria em todas as suas gradações), portanto, sendo algo que separará o que vai manifestar-se daquilo que continuará imanifestado, que em última análise é o próprio Eterno. Daí a famosa afirmação de Platão: “Deus geometriza”.

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 Apesar da delimitação do Ovo de Brahmã, Aquilo que está dentro dele é ainda constituído de Substância Primordial indiferenciada, portanto, em estado de Caos ou “Informe”. Contudo, a parcela que fica delimitada pelo Eterno acarreta já consigo o Germe da Criação, simbolizado precisamente pelo ponto no centro do círculo. Contudo, nessa fase a diferença entre Espírito e Matéria ainda não ocorreu, ambos são a mesma Essência. Aquilo que é designado como um aspecto de Parabrahmã, Mulaprakriti, a raiz de toda a Matéria, ganha forma como Prakriti apenas no período de Manvantara, e volta a desaparecer quando retorna ao período de Pralaya (período de Repouso ou Noite de Brahmã). Na realidade, mesmo após a polarização Espírito e Matéria não deixam de ser uma só e mesma coisa, por partilharem da mesma Essência, e o que os distingue é tão-só seu estado de configuração ou grau vibratório caracterizado na densidade dos diversos graus ou Planos Cósmicos, desde o mais grosseiro ao mais subtil. São idênticos em natureza mas diferentes em gradação. Este fenómeno da Manifestação ocorre para que se dê o milagre da Criação e da Vida. Como tal, o que então vai acontecer é o Espírito precisar de um veículo para manifestar-se, veículo esse que só a Matéria pode proporcionar. Por sua vez, a Matéria, se não for animada pelo Espírito morre e volta novamente ao estado caótico primitivo. Se tudo isso assim não fosse, tanto o Espírito como a Matéria não passariam de simples abstracções sem a complementação mútua.

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Do ponto de vista geométrico, a melhor imagem encontrada para representar a polarização de Purusha e Prakriti é sem sombra de dúvidas a famosíssima vesica piscis. Também apelidada de amêndoa mística ou, literalmente, bexiga de peixe, é aquela figura que se produz quando dois círculos de diâmetro igual são desenhados um a partir do centro do outro. Em termos geométricos sagrados, trata-se do ponto de derivação do triângulo equilátero e da linha recta que parte do círculo.

No seu sentido mais arcaico, segundo alguns especialistas, representa os órgãos genitais da Deusa-Mãe, como ponto físico de origem da Vida. Razão essa que levou-a a ocupar posição privilegiada na construção de edifícios sagrados e que ainda hoje podemos observar claramente nas catedrais e mosteiros da Idade Média, tornando-se assim expressiva do carácter feminino da Igreja (donde o evoco “Santa Madre Igreja”) ao mesmo tempo com Cristo circunspecto, em referência à Sua dupla natureza (humana e divina) que tanta discussão gerou nos diversos concílios da História Eclesiástica. Inclusivamente, na perseguição propagada contra os cristãos que naturalmente levou os mesmos a adoptarem o secretismo e a discrição, o símbolo tomado para tal efeito foi exactamente o peixe ou ichthys, termo proveniente do grego helenístico ΙΧΘΥΣ, tomando aspecto através da forma geométrica da vesica piscis, associada ao famoso milagre da “multiplicação dos peixes” (ou seja, da multiplicação dos seguidores da Igreja do Ciclo de Peixes). A referida identificação entre irmãos cristãos procedia-se com o desenho do sinal em alguma superfície de forma partilhada, onde o primeiro tomava a iniciativa de desenhar um arco e o segundo, para identificar-se e corresponder ao primeiro, completava com um segundo arco contrário, constituindo por fim a figura do peixe. O sinal do peixe apesar de ter sido largamente utilizado pelo Cristianismo adveio da Geometria Sagrada greco-egípcia, inclusive tendo sido instrumento matemático pitagórico que Arquimedes, no século III a. C, utilizou designando-o de “medida do peixe”. Além disso, a religião cristã nasceu e desenvolveu-se através de uma relação astrológica de profundo significado cabalístico ou iniciático, sendo o período designativo dela exactamente a Era de Peixes donde resultou toda a mitologia simbólica à volta do AVATARA Jesus Cristo como “Pescador” (Piscatoris Animas).

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Contudo, essa figura geométrica encontra-se em quase todas as culturas do Mundo, e no hemisfério ocidental a sua importância está sobretudo envolvida com a Arquitectura por ser o ponto de partida donde derivam todas as demais figuras geométricas, e daí ser considerada a “mãe” dos sólidos geométricos regulares tradicionalmente conhecidos como os cinco sólidos platónicos.

Ela também é designativa do Segundo Logos Criador, equivalente à Segunda Pessoa ou Hipóstase – Amor-Sabedoria – da Trindade cristã, Deus Filho, e a razão para que a imagem de Cristo tenha sido utilizada na vesica piscis em modo de vincar na alma dos crentes a máxima bíblica: “Ninguém vai ao Pai senão por Mim” (João, 14:6). Além disso, o carácter feminino do símbolo define o Segundo Trono ou Mundo Celeste intermediário entre o Mundo Divino e Mundo o Terrestre, tal qual a Mãe Celestial é intermediária entre o Pai nas Alturas (da Substância Absoluta) o Filho nas Profundezas (da Matéria Substancial).

Chegando a este ponto, o Divino Logos Criador para estruturar o Mundo das Formas requisita a Sua própria Lei séptula para o efeito, ou seja, o Seu Pensamento ou Programa de Evolução para determinado período de Manifestação e que no Mundo Humano é expresso como Leis, Mandamentos, Preceitos, etc. Segundo o Venerável Mestre JHS, a Suprema Unidade ao manifestar-se multiplicou-se por Sete (multiplicou-se sem se dividir). Esses Sete são conhecidos na literatura iniciática como os Sete Dhyan-Choans Superiores, os Sete Anjos da Presença, os Sete Luzeiros, os Sete Filhos de Brahmã ou o Eterno, etc. As designações variam conforme as tradições culturais e religiosas locais, mas sendo o conteúdo ou essência o mesmo. Para compreendermos melhor esta realidade, o melhor símbolo que podemos utilizar é do sacrossanto pelicano que depenica a sua própria carne para alimentar as suas crias – motivo que levou-o a ser símbolo moral da Misericórdia e da Caridade ou Amor – e assim mesmo expressando o supremo sacrifício do Logos Único (Parabrahman) que retira de Si mesmo a Substância Primordial (Svabhâvat) para formar o Logos Criador do Universo (Brahman) e dar origem aos Sete Autogerados ou Dhyan-Choans Superiores.

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A Substância Primordial passará então pelas sete diferenciações fundamentais indo dar origem aos Sete Planos Cósmicos com os respectivos Sub-Planos, às Hierarquias em plenas funções na criação dos Reinos, bem assim como às Rondas, Cadeias e Sistemas. No entanto, estando o Logos ainda no Plano das Causas e dos Arquétipos, o “Plano” ou a “Matriz” a construir na Matéria como Mundo das Formas tem primeiro de ser idealizado, sendo aquilo a que se dá o nome de Ideação Divina vindo a justificar a máxima hermética de que o Universo é Mental (no sentido de substância material mais refinada, sendo assim o veículo físico mental da “primeira” Ideia de Deus manifestado. Razão pela qual Moisés quando perguntou à Divindade se não dormia, Ela lhe respondeu que se deixasse um momento sequer de sonhar ou de pensar, o Mundo inteiro desapareceria instantaneamente). Geometricamente, existe uma maneira de conseguirmos vislumbrar um pouco desta realidade metafísica, ou seja, na forma do Triângulo Sagrado gerado pela adição de um terceiro círculo (expressivo do Terceiro Aspecto Divino ou Terceiro Logos Criador) sobre os dois sobrepostos na vesica piscis, anteriormente referidos. Unindo os pontos de intersecção teremos então o Triangulo Sagrado que originou a famosa Tetraktys, que representava para os pitagóricos a raiz e a origem da Natureza eterna, imagem do Todo em movimento na Natureza, resumindo todo o processo da Ideação Divina na Criação como a Unidade (primeira linha), a Dualidade (segunda linha), a Harmonia (terceira linha) e por fim o Kosmos (Cosmos) ou Ordem Divina (quarta linha) que definirá a cruz do Manvantara (⊕) e todo o principio quaternário da Matéria, como os Quatro Elementos (Terra, Água, Fogo e Ar) de que se constitui o Quaternário Inferior do Homem, vulgarmente denominado por Personalidade (Físico, Vital, Emocional e Mental Concreto), etc. Filologicamente, personalidade advém do greco-latino persona,“máscara”, e nista a matéria é a máscara ou veste mayávica (ilusória) em que se oculta o actor verdadeiro, ou seja a Mónada Divina (ou Tríade Superior como Invididualidade). Além disso, a Tetraktys também constituiu o esqueleto das dez sefirotes ou “emanações” da Árvore da Vida, da Morte e da Sabedoria dos cabalistas judeus, bem como é expressiva do Tetragramaton e do logogrifo místico dos Rosacruzes anteriormente referido – I.N.R.I. Inclusivamente, constata-se nessa interacção geométrica dos três círculos exactamente sete compartimentos, designativos dos já referidos Sete Originais ou Dhyan-Choans Superiores, que no dizer do professor Sebastião Vieira Vidal reflectem os “sete espelhos cósmicos do Segundo Trono” (Mundo Intermediário), por sua vez, nos Sete Planos Cósmicos do Terceiro Trono (Mundo das Formas).

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Portanto, antes da Manifestação propriamente dita, quando ainda não havia Vida organizada, o Logos formou na Sua Mente tudo que viria a realizar. Plasmou-o no Seu Plano Mental e criou um novo Universo, segundo a LEI Una, Trina e Séptula como os Três Aspectos do Logos ou Pessoas de uma só Entidade (“Três Pessoas distintas mas Uma só verdadeira”) – o Logos Único e Criador. Em virtude desse fenómeno, é que se afirma que o Logos é Omnipotente, OmniscienteeOmnipresente, pois a Sua Mente está em Tudo e o Tudo está na Sua Mente que é o Todo. Toda a geometria apresentada até aqui coloca exactamente em evidência a LEI (137, transpondo as letras para algarismos), justificando a máxima de JHS quando afirma que Deus é Uno em Essência, Trino em Manifestação e Séptulo em Evolução.hm4No entanto, o caríssimo leitor poderá questionar para que servirá todo este mega Esquema Divino e que relação tem com as nossas vidas práticas, limitadas e ordinárias como se fossem situações distintas, onde o Homem nasce por acaso ou acidente cósmico e Deus continua, se continua e acaso existe, a engendrar esquemas indefinidos no esquisso do Cosmos? Na realidade, o grande objectivo da Lei de Deus ou o seu Pensamento Programático é o de promover a individualização dos seres humanos, transformando-se em espíritos virginais em espíritos amadurecidos, o que só terá efeito com a sua auto-conscientização e consequente evolução como vida e consciência individuais, e para tal é necessário que as Mónadas recolham o máximo de experiências no Mundo material em diferentes estados de consciência, para que ao mesmo tempo esta actue vibratoriamente sobre a matéria que constitui os seus corpos de manifestação, imprimindo-lhe a noção de Ser permitindo a sua ascensão ao Espírito, como o mais verdadeiro processo de transmutação alquímica. Simplificando, o Esquema Divino inteiro apela a que a Vida exista de forma ao Homem aprender nela e dela recolher os melhores e maiores proveitos, no grandioso palco de experiências que é o Mundo das Formas, na labuta constante de transformação da Vida-Energia em Vida-Consciência. Não vemos outra razão para a Vida existir senão à luz da evolução do Homem, tendo por fim último torná-lo também Deus (“Sereis como Deus”, Génesis, III:5). Para tal fim, torna-se portanto necessário em todo o Mundo idealizado e criado pelo Logos Único, o Eterno, o cumprimento da Sua LEI. Quem actua em contrário actua contra a LEI de Deus e sofrerá, ou antes, sofreremos todos com isso…

A IDEAÇÃO CÓSMICA E A ATOMIZAÇÃO

A Matéria é como um espelho na qual o Eterno se mira

Como vimos, antes da Manifestação o Logos formou na Sua Mente tudo que viria a realizar – essa é a Ideação Divina. Ao conceber o Universo, plasmou-o no Seu Plano Mental Cósmico, designado Mahatpelos Iniciados hindus. Esta criação do novo Universo pela poderosa Vontade da Mente do Logos é, como já dissemos, a chamada Ideação Cósmica. Por sua vez, a Ideação Cósmica torna-se activa através dos Sete Logos Planetários agindo como Dhyan-Choans Superiores, também chamados Luzeiros, Autogerados, etc., perfilando nas Sete Hierarquias Criadoras do Raio Divino das quais brotaram as correspondentes Sete Hierarquias Criadoras do Raio Primordial do Universo, segundo a Cosmogénese de Akbel. Todos os seres humanos estão sob a égide de um desses Centros que determinam o Raioa que a pessoa pertence. O conjunto dos Sete Logos é sintetizado por um OITAVO, que na linguagem aghartina é chamado JAVA-AGAT.Assim, o Logos Único constitui-se de um conjunto de elevadíssimas Consciências que criam toda a Natureza nas suas múltiplas facetas: Reinos, Planos, Devas, etc.

Idealizado o Esquema Divino, inicia-se então o raiar do novo Dia de Brahma, o novo Manvantara. Foi assim que o Verbo se fez Carne ou encarnou desde o Espaço Sem Limites ao Espaço Com Limitessoba acção da Sua poderosa Força conscienteque, sabendo muito bem o que estava a fazer, separou a região do Ser (onde se desenvolvem os Sistemas, Cadeias, Rondas, etc.) daquela outra do não-Ser (que sendo Tudo-Nada é o Absoluto Incognoscível ou a Substância Absoluta). Criou-se então a barreira intransponível (só transposta pelos grandes Dhyan-Choans e aflorada pelos excelsos Dhyanis-Budhas), ou seja, o Ovo de Hiranyagharba separando o que está manifestado do que permanece imanifestado, e desde daí promoveu-se toda a diferenciação da Matéria. O que estava no interior da Esfera ou Ovo passou a ser chamado de Cosmos, e o que estava fora foi chamado de Caos, ou também de Brahmã e Parabrahmã respectivamente. Essa diferenciação da Substância Primordial caracterizou-se por um processo de atomização, sendo fracionada em miríades de minúsculas partículas denominadas átomos primordiais.

A massa desses átomos primordiais formou o 1.º Plano Cósmico, indo servir de unidades indivisíveis desde os quais se constituíram os átomos dos restantes Planos Cósmicos, conglomerados em graus de maior ou menor densidade. Neste sentido, a Matéria constituinte do nosso Plano Físico denso, ou seja, o 7.º Plano Cósmico, é abissalmente grosseira comparativamente à subtileza atómica que define o 1.º Plano Cósmico, sendo razão suficiente para que ele ser considerado Supra-Espiritual ou Divino. As partículas primordiais constituintes do 1º Plano Cósmico foram denominadas de Adi,quesignifica “primogénito”, “o mais velho”, por terem surgido como o primeiro Hálito de Brahmã e dado origem a toda a manifestação do nosso Universo. Além disso, são entendidas como “pedaços de Deus” ou fracções oriundas de TAT, como afirmam os Iniciados hindus com justa razão, porque TAT significa Aquilo originador dos Tatvas como as “medidas d´Aquilo”, ou as medidas de Deus com as quais Parabrahmã se limita como Brahmã. O conjunto dos sete Tatvas ou “elementos subtis da Natureza” é animado por Prana ou o Alento Vital como Fluxo de Vida emanado do 1.º Aspecto do Logos manifestado (Brahmã ou Pai) que se densifica à medida que desce ao Plano mais denso da Manifestação tomando Forma, ou 3.º Aspecto (Shiva ou Espírito Santo) do mesmo Logos manifestado, o qual está sempre transformando em activas as forças latentes da Natureza adormecidas no seio de Parabrahmã, incrementando-lhes a Consciência como 2.º Aspecto (Vishnu ou Filho) de Brahmã. Com tudo isto, pode muito bem afirmar-se que Deus multiplicou-se como Humanidade para que a Humanidade se unifique novamente em Deus.

A ATOMIZAÇÃO E A FLOR DA VIDA (“ASSINATURA DO CRIADOR”)

A Flor da Vida é também conhecida como Flor de Ouro, foi e é utilizada em vários edifícios de natureza tradicional ou iniciática, como se repara na sua gravura estampada sobre o portal do pombal da Quinta do Conventinho dos Arrábidos de Loures, ou mesmo na tampa sepulcral de um rabino importante, coevo do Infante D. Henrique, no Museu Paroquial de Vila do Bispo, Algarve. Ela como símbolo tem a sua origem real no que se segue.

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Os átomos primordiais, sendo “pedaços de Deus” ou fracções oriundas de TAT, possuem em si mesmos a essência ou o “selo” de Deus na Criação, sendo essa assinatura ou selo da própria Criação o que torna, por sua vez, uma Obra de “Autor” incógnito – Maximus Superius Incognitus. No entanto, mais uma vez através da Geometria Sagrada pode-se fazer alguma luz sobre esta realidade transcendente que todas as religiões, ou pelo menos a maior parte delas, vieram a figurar na linguagem muda dos símbolos. A Doutrina Secretatambémdenomina os átomos primordiais ou Adi(s) de “borbulhas” ou “bolhas”. O Logos Supremo, ao iniciar a sua Obra, tinha ao seu dispor uma infinita quantidade dessas “borbulhas” ou partículas de Adi que podiam, e podem, ser operadas pelo exercício da Sua poderosa Vontade. Assim sendo, Ele organizou os sete grandes Planos Cósmicos a partir dessa Matéria-Prima – Mulaprakriti – ao seu dispor, Planos esses que, numa fase mais avançada da Evolução, serviriam de cenário para as Mónadas se enriquecerem por infindas experiências vividas com o intuito de ganharem mais consciência. Segundo a mesma Doutrina Secreta, esses Planos Cósmicos não estão separados nem sobrepostos, eles interpenetram-se. Contudo, esse facto só ocorre porque a unidade básica da atomização, ou seja, os átomos primordiais (Adi) também expressam a mesma Lei da Unidade. Vejamos como do ponto de vista geométrico:

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Tal como vimos anteriormente, também geometricamente se configuram os Três Logos Planetários como constituintes dos Três Aspectos do Logos Único e Criador do Universo, devido à relação entre o número de compartimentos gerados pela intersecção dos círculos repercutir no número de círculos gerados na fase seguinte. A atomização imprimirá na Matéria a Lei séptula do Terceiro Logos, caracterizado pelo seu Terceiro Aspecto (Actividade Inteligente), em sete unidades fundamentais (sete círculos intersectados entre si), com o átomo primordial (Adi) resultando geometricamente na belíssima figura da Flor da Vida ou de Ouro, matriz dos Sete Planos Cósmicos. Segundo a Sabedoria Divina, esses Sete Planos Cósmicos gerados a partir da unidade fundamental, Adi, foram originados por seis Impulsos sucessivos, tal qual os seis Dias da Criação descritos no Antigo Testamento, sendo que Deus repousou no sétimo (Génesis 2: 2,3), facto assinalado na cultura judaica como o “dia do descanso”, o Sabat, que constitui o sábado como o sétimo dia da semana. Através desses seis Impulsos foram gerados os Planos: Anupadaka, Atmã, Budhi, Mental, Astral e Físico. Também nisso a criação dos Planos Cósmicos respeita a mesma regra geométrica anteriormente descrita, como a única capaz de justificar a interpenetração existente entre os Planos. Assim, o 1.º círculo representativo de Adi unir-se-á, na forma da mística Flor da Vida, com o 7.º círculo (tal como Deus repousa no sétimo dia, unindo-se com a sua Criação), desta maneira indo unir-se o Princípio com o Fim, o Alfa com o Ómega, a Unidade com a Diversidade, o Todo com o Tudo. Consequentemente, nesse sétimo Impulso (ou círculo) invés de dissociar-se parte do Plano anterior para a formação do Plano Físico, o processo reverte permitindo a reunião dos átomos que formavam o 1.º Sub-Plano do Plano Físico, denominado Sub-Plano Atómico. Assim, como Último Alento, o sétimo Impulso permite formar aquilo a que a Ciência Iniciática chama de proto-elementos (proto, em grego, significa “antes”, designando os elementos subtis existentes antes de gerarem os elementos químicos conhecidos) no seu número cabalístico de 111, os quais associados entre si deram origem a todo Universo material que conhecemos. Em termos de tradição popular, a melhor imagem que encontramos para se compreender essa realidade septenária e a interligação dos respectivos Planos Cósmicos é através da famosa boneca russa Matrioska. A sua imagem feminina é aqui simbólica da Matéria Cósmica organizada nos sete Planos interpenetrados, facto simbolizado nas sete bonecas (alguns conjuntos são de oito, como se tratasse de uma oitava síntese das sete) colocadas uma dentro das outras, desde a maior (exterior) até à menor (a única que não é oca), em guisa da Matéria ser interpenetrada pelo Espírito por sete gradações, graus, degraus, etapas, etc., como acontece com os sete Planos da Matéria Cósmica estarem organizados do mais grosseiro ao mais subtil, ou seja, do Físico ou Prakriti ao Adi. Além disso, o facto das bonecas serem iguais mas de proporções diferentes e se fecharem uma sobre as outras, representa belissimamente o princípio da Unidade na Multiplicidade. Aquilo mesmo a que os budistas designam de sistema Tulku ou de “inter-relação entre princípios iguais”, e os hermetistas greco-latinos expressaram na divisa Omnia ab Uno (O Todo é igual à Unidade).

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Formados os sete Planos Cósmicos a partir da unidade fundamental, Adi, o “primogénito”, desde a menor à maior densidade, pode-se agora compreender melhor a razão dos átomos que constituem a matéria do 2.º Plano Anupadaka serem formados cada um por conglomerados de 49 bolhas Adi (7×7), desenvolvendo-se progressivamente até ao 7.º Plano Físico com 13.841.287.201 partículas de Adi. O quadro seguinte, da autoria de Roberto Lucíola, descreve em síntese o que foi anteriormente explicado:

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Numa segunda fase, os Planos subdividiram-se em 7 Sub-Planos cada um. Assim como o 1.º Plano Adi foi dando origem aos demais Planos, por sua vez, numa escala menor os Planos foram subdividindo-se e criando os respectivos Sub-Planos. Todos os primeiros Sub-Planos de qualquer Plano são sempre designados de Sub-Plano Atómico, que é sempre o Sub-Plano mais subtil do respectivo Plano Cósmico. Só se conhecem os nomes dos Sub-Planos do nosso Plano Físico, designados como: Atómico, Subatómico, Etérico, Radiante, Gasoso, Líquido e Sólido. Os átomos dos primeiros Sub-Planos têm sempre o mesmo peso atómico (dado na tabela anterior) e são chamados de átomos fundamentaisdo Plano. Contudo, temos sempre de considerar embutidos nesses os átomos primordiaisque são os átomos ADI, indivisíveis e dos quais se originam todos os restantes Planos.

Após a formação dos Sub-Planos, toda a organização da Matéria informe é trabalhada por FOHAT (a Força dinâmica da Ideação Cósmica) transformando-a no veículo da Essência Monádica, impregnando nos átomos características positivas e negativas possibilitando a atracção e repulsão entre eles, semelhante ao que acontece com a energia eléctrica (Fohat é de facto entendido como o “Espírito da Electricidade” quepolarizou-se em positivo e negativo indo assumir sete aspectos correspondentes aos sete estados e respectivos elementos subtis da Matéria, os Tatvas, e daí falar-se nos SETE FOHATS). No fundo, esta Energia Primordial surge como o braço actuante da Mente Cósmica e é razão suficiente para ser considerada nas Estâncias de Dzyan o Mensageiro de Deus, também conhecida dos Iniciados como Aquele que tudo penetra ou o Construtor dos Construtores.

Em toda a Criação e respectiva Manifestação, quando um Maha-Manvantara chega ao seu término e os Sistemas Planetários e Solares com as suas respectivas Cadeias e Globos, os mesmos vão sendo desagregados por processo contrário, nomeadamente o da desagregação atómica levada a efeito pela acção consciente do próprio Logos. É por isso que se diz que toda a Manifestação é considerada como Obra de carácter mayávico, pois tal como o Logos Criador agregou todas as partículas também as pode desagregar na hora prevista para o fim de um Ciclo Cósmico, fazendo com que um e todos os Planos se desagreguem desaparecendo novamente na Substância Primordial donde se originaram. É de facto uma Opus Magnum do Alquimista Maior, o Supremo Criador, laborando na sua “retorta cósmica” que é o Universo com o Poder do Fogo Divino e a sua Divina Mente agindo sobre a Matéria imperfeita, gradual e taxativamente ao longo das diversas “operações” hercúleas ou Cadeias e Rondas, antropogenicamente falando, cujo fim na Terra é alcançar a Perfeição da Obra, o Ouro Filosófico, ou por outra, a futura Raça Dourada Humana, a Bimânica!

Após a actuação do 3.º Aspecto do Logos – Actividade Inteligente – na criação dos sete Planos Cósmicos, em seguida entra em acção a segunda Emanação proveniente do 2.º Aspecto do Logos, designado Amor-Sabedoria ou também Virgem-Mãe, responsável pela criação os Sete Reinos da Natureza (1.º Reino Elemental, 2.º Reino Elemental, 3.º Reino Elemental, Mineral, Vegetal, Animal e Hominal) que vão habitar e evoluir nos Planos já criados na 1.ª Etapa. Contrariamente à classificação académica que conta somente quatro Reinos e classifica o Reino Humano como 4.º, este é classificado como 7.º na classificação teosófica por contar não quatro mas sete Reinos.Esse Influxo de Vida ou Onda de Vida desce através dos vários Planos já criados permanecendo em cada um deles o período de uma Cadeia, fenómeno esse conhecido por “DESCIDA DA ESSÊNCIA MONÁDICA”. Como resultado dessas duas Emanações podemos então afirmar que o Terceiro Logos criou o cenário, o ambiente, os Planos, enquanto o Segundo Logos colocou em cena os principais “artistas”, que são as criaturas que formarão os respectivos sete Reinos.

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A 3.ª Emanação procedente do 1.º Logos, que é o Aspecto Vontade, só entra em acção quando as duas Emanações anteriores já tiverem criado os sete Planos e os sete Reinos. Existe uma diferença entre as 1.ª e 2.ª Emanações do Logos e a 3.ª. A 1.ª e 2.ª Emanações desceram trabalhando na construção dos Planos e Reinos na Substância Virgem do Espaço Com Limites, tendo sido uma evolução trabalhosa e lenta através desses Planos e Sub-Planos até atingir-se o grau máximo de materialização no Plano Físico. Quanto à descida da 3.ª Emanação, esta trata-se do puro Espírito Monádico ou de Deus, não sendo mais necessária essa “contaminação” com os Planos inferiores. Quando uma Mónada se integra nos veículos de natureza mais densa, é porque já houve uma profunda subtilização dos mesmos. Assim, a descida é feita directamente e com rapidez. Segundo os sábios Iniciados, é no Plano Anupadakaque se encontram as referidas Mónadas que irão “descer” sobre os Planos Cósmicos indo constituir as Centelhas Divinasque habitam o interior de todos nós, caracterizando assim a parte imortal ou Essência Espiritual do Homem. Embora as Mónadas tenham as suas raízes em Adi, o seu habitat é no Plano Anupadaka, e daí a razão de também ser chamado Plano Monádico. Contudo, as Mónadas não saem literalmente do seu Mundo (Anupadaka). Lá elas estão agrupadas segundo as suas Tónicas ou Raios, que basicamente são sete, para captar os átomos permanentes que lhes permitirão criar veículos, projectando o seu Raio de Vida nos Mundos Inferiores. No entanto, permanecem sempre no Seio do Pai enquanto os seus Raios fluem como tentáculos no oceano da Matéria, agindo sobre átomos permanentes ou sementes ao longo de toda a Evolução a fim de formarem as suas respectivas personalidades, a cada vida mais justas e perfeitas, com que se manifestarão no Plano Físico denso.

Chegados a este ponto, podemos finalmente compreender a plenitude da LEI de Deus ou o Logos e a sua Criação. Como vimos anteriormente, Deus é Uno (1) em Essência, Trino (3) em Manifestação e Séptulo (7) em Evolução, de que resulta o número cabalístico 137, contudo, esta idealização constitui o princípio arquetipal do Esquema Divino. Ela está presente apenas no Mundo Arquetipal, também denominado de 2.º Trono ou Mundo Intermediário do Logos Único e Criador. Assim, a acção do Logos no Mundo das Formas ou 3.º Trono, ocorrerá de forma inversa na emanação das Ondas de Vida no 3.º Aspecto do mesmo Logos – Actividade (7), 2.º Aspecto – Amor-Sabedoria (3), e 1.º Aspecto – Vontade (1), auferindo assim o mesmo número cabalístico (137) mas de forma espelhada ou inversa, como seja, 731, que gematricamente constitui a palavra LEI. Eis a razão por que se afirme que a Matéria é como um espelho na qual o Eterno se mira. No fundo, a criação do Mundo das Formas tem por finalidade reflectir os Mundos Subjectivos, e quanto mais polido for esse “espelho” mais facetas dos mesmos haverão reflectidas e maior será a nitidez das imagens, até finalmente a imagem confundir-se com o que é reflectido indo formar uma coisa única. Como explica Roberto Lucíola, “os antigos Iniciados gregos, em sua sabedoria, expressavam esta verdade através da mitológica Deusa Vénus-Urânia se mirando eternamente em seu espelho”. Espelho meu, espelho meu…

O COSMOS E A SUA EVOLUÇÃO SEPTENÁRIA

Em prosseguimento da explicação da criação do Cosmos pelos Logos Único e Criador, resta agora compreender como essa projecção da Mente de Deus, Mahat, repercute sobre a Matéria ao longo do Espaço e do Tempo. Ao abordar este parâmetro, é inevitável utilizar a séptula Lei Divina pela qual o Logos se expressa na evolução da sua Obra. Como vimos, o Sol Oculto(também chamado de Logos Único) ao projectar-se fê-lo por meio de 3 Raios sucessivos (Vontade, Amor-Sabedoria e Actividade) que por sua vez foram originar 7 Centros chamados Logos Cósmicos (Elohim ou Logoi). Estes 7 Logos, segundo as Revelações de JHS, também são denominados de os Sete Originais. Profundo mistério envolve esta Hierarquia de Logos do Raio Divino, nada se sabe sobre ela a não ser o que o Anjo da Luz denominou no Livro-Revelação Colóquio Amoroso, como os “Sete Originais”:

“Sete Ishwaras e 49 Planetários. Sete Originais formam um Sistema de Sóis em torno do Central que é o Oceano sem Praias.”

Esse Oceano sem Praias segundo a mesma fonte, é o Oitavo Sistema, o conjunto dos sete Sóisem torno do Sol Central ou Logos Único. Constitui o mais alto aspecto da manifestação da Divindade. É o ponto donde tudo se origina, é a fonte que deu origem a tudo o que existe, seja de natureza concreta ou abstracta. Segundo o Professor Sebastião Vieira Vidal, esses Sete Originaisreflectem-se nos “sete espelhos cósmicos do Segundo Trono” que são os Ishwaras, ou Luzeirosem nosso idioma. Estesformam o chamado Mundo Intermediárioda Mãe Divina. Respeitando o que afirma a Tradição Secreta ou Primordial, o Segundo Tronoé chamado de a Grande Maya porque separa o Filho do Pai, sendo que o Filho é o Mundo onde se processa a Evolução Humana, também designado por Terceiro Trono. O Pai é o Mundo Espiritual, conhecido também por Primeiro Trono. Portanto, Ela é a intermediária entre o Pai e o Filho, e daí, na concepção matrística, o designativo de Scalæ Coeli numa alusão a Maria, Mãe do Salvador, do Avatara ou Messiah, como verdadeira Escada do Céu, referencia mística à Mãe de Jesus, pela qual a Divindade desceu à Terra e pela qual a Humanidade, por sua intermediação privilegiada, ascende à imersão no Todo Divino, na Divindade Uno-Trina, diferente nas suas Três Hipóstases mas igual na essência da sua Unidade.Razão suficiente para São Bernardo de Claraval dirigir-se tão familiarmente a Nossa Senhora através de laudes pequenas, ladainhas, ou litanias, panegíricos de ternura e de singelas declarações de amor à Mãe Divina. Ainda sobre o Segundo Trono ou Mundo da Grande Maya, ele constitui o Plano Búdhico, o Plano dos Arquétipos ou da Ideoplasmação Cósmica, com uma profundíssima relação, como vimos, à Mãe Divina – Allamirah – expressada pela sacrossanta Taça do Santo Graal ou Saint Vaisel (no Altar do Templo), símbolo sacrossanto onde ocorrem as mais sublimes, espirituaisemísticas fusões e sublimações alquímicas, em correspondência analógica no Homem com seu aspecto coracional onde vibram os mais elevados sentimentos de Amor pelo seu Centro Cardíaco (Chakra Anahata). Todo o Segundo Trono é claramente de natureza feminina, e como tal compreende-se a razão de ser a Sacerdotisa a abrir o Ritual, destapando a “Noiva Divina”, a ser a intermediária entre o Guardião e o Sacerdote, e entre o Sacerdote e o Guardião e a Corte de Munindras, e finalmente ser ela a encerrar a Cerimónia, velando novamente o Santo Graal (“Noiva Divina envolta no Véu cerúleo do Akasha”). No entanto, a intenção de alcançar o Segundo Trono, além de compreender os Arquétipos em que o Mundo Físico está sustentado, é na realidade a de ultrapassar a Grande Maya, o Plano Intermediário, e atingir o Reino puramente espiritual do Pai, o Primeiro Trono. É verdadeiramente uma demanda, e daí todas as histórias medievais de demandas por cavaleiros andantes, como homos viator perseguindo ora o Santo Graal, ora a Dama desejada. Tal demanda caracteriza-se sobretudo por uma guerra, por uma batalha interior procurar vencer, superar a condição passional afectivo-emocional e dominar a rebeldia mental inferior, pois só assim se lograrão as condições internas para o encontro efectivo com o Pai que existe no imo de todos nós, tão-só aguardando o momento solene da derradeira União. Quando isso acontece, o discípulo ilumina-se integralmente, transforma-se num Andrógino Perfeito. O Chakra Cardíaco passa a ter além dos doze raios ou pétalas mais duas. Segundo os sábios hindus, nessas duas novas pétalas encontram-se a Deusa Lakshimi e o Bodhisattwa,que expressam o Androginismo Perfeito apanágio da Raça Futura.

Simbolicamente, além da Flor da Vida, que é um belíssimo símbolo geométrico assinalando com perfeição o mistério dos Sete Originais, outro dos símbolos tradicionais que representa bastante bem a projecção desses Sete Originais no 2.º Trono, por sua vez manifestando-se como LEI no 3.º Trono que é o Mundo dos Efeitos para o 1.ª que é o das Causas, é a Menorah judaica, o reconhecido Candelabro de Sete Chamas.

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A Evolução propriamente dita ocorre no 3.º Trono, que é o Plano Físico ou da materialização do Oitavo Sistema (1.º Trono). Assim, temos o Sol Oculto e os Sete Originais como 1.º Trono, a formação do Sistema Solar no 2.º Trono e a do Sistema Planetário no 3.º Trono. O quadro seguinte sintetiza o que ficou dito:

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Por conseguinte, um Sistema Planetário é constituído por sete Cadeias que têm como Sol Central um Logos Original representando o Logos Único, e dirigindo cada uma dessas sete Cadeias tem-se um Logos Planetário, também chamado Ishvara ou Dhyan-Choan, que sendo Sete são as expressões manifestadas dos Sete Originais. O leitor poderá perguntar agora: qual é então a diferença entre Logos Solar e Logos Planetário, visto regerem-se pela mesma Lei séptula? Um é a projecção arquetipal do Logos Único no 2.º Trono, e o outro a manifestação do Logos Único (Oitavo Sistema) no 3.º Trono. Por fim, no Colóquio Amoroso fala-se em 49 Planetários, em virtude do Sistema Solar completo ser composto de 7 Sistemas Planetários que perfazem o total de 49 Cadeias, cada uma delas dirigida por um Logos Planetário que age por 49 Globos assistidas por 49 Planetários de Rondas ou Kumaras. Cada Planetário de Ronda corresponde a um Luzeiro agindo no campo humano. Temos, assim, sintetizado brevemente o Sistema de Evolução Cósmica, restando ver como ele seja propriamente dito.

O Sistema de Evolução Planetária, como já dissemos, relaciona-se com o trabalho realizado no 3.º Trono, o qual por ser o Plano mais denso do Universo nele as consciências ficam inibidas ou limitadas pelas condições que a matéria grosseira impõe, assim limitando toda a Evolução o que exige a necessidade de haverem Hierarquias Divinas destinadas a colaborar na plasmação do Programa de Evolução do Logos na Matéria através das Cadeias, Globos, Rondas, Raças, etc. É do 2.º Tronoque provêm as Energias Cósmicas, obedecendo a regras rígidas, para o Mundo Físico do 3.º Trono. É de lá que procedem os Seres Celestiais. É lá onde se processa a transformação da Consciência Una Maior em consciências múltiplas menores. A raiz dos Avataras e dos Kumaras está no 2.º Trono. Sobre esta questão, temos três símbolos tradicionais quereflectem muito bem a relação entre os 2.º e 3.º Tronos: a Balança, a Âncora e a Ampulheta. A Balança mede o Potencial manifestativo de Deus. A Âncora demarca o local, o Espaço da manifestação de Deus. E a Ampulheta determina o Tempo, os Ciclos, as Eras, as Idades.

É no 3.º Trono que o Eterno vai demarcando a Evolução geral através dos Ciclos, grandes e pequenos, onde cada Cadeia, Ronda, Raça, Sub-Raça, etc., tem o seu tempo registado no grande Relógio Cósmico. As próprias forças subtis da Natureza, os Tatvas, vibram obedecendo rigorosamente a horários. O mesmo acontece com os movimentos dos corpos celestes em suas órbitas. Também os Iniciados programam sempre determinados Rituais em consonância com o Ritmo Cósmico. E assim mesmo os acontecimentos de grande transcendência, tais como os Julgamentos de Fim de Ciclo, de começo e final de um Trabalho Avatárico, de determinadas Fundações Esotéricas, etc.

Posto tudo, é no 3.º Trono que pontificará o Supremo Arquitecto ou Visvakarman, expressando os valores do Sol Central do 1.º Trono na escala relativa à Terra. Segundo as antigas tradições iniciáticas, Ele é o Logos Activo conhecido como Jehovah, Grande Arquitecto do Universo (G.A.D.U.), etc. É assim designado por estar num Plano genuinamente em construção (posto a Matéria ainda não estar inteiramente formada, faltando realizar os três estados elementais), sendo o 8.º Logos Planetáriorelativamente aos 7 Espíritos Planetáriosdirigentes das 7 Rondas de cada Cadeia. Por isso é que os livros mais sagrados, particularmente o Livro de Duat depositado na Biblioteca Central desse Mundo, afirmam que “o Supremo Arquitecto caminha de Sistema em Sistema, de Cadeia em Cadeia levando até ao fim a jornada da Evolução”, por ser a expressão máxima do Logos do Sistema Solar (Para-Ishwara) que, como já vimos, é constituído por 7 Sistemas Planetários. Como sabemos, cada Sistema Planetário é formado por uma série de 7 Cadeias. Cada Cadeia, por sua vez, é dirigida por um Planetário de Cadeia(Ishwara), projecção do Planetário Soberanodo respectivo Sistema Planetário de que a Cadeia faz parte, o qual é o mesmo Ishwara exercendo funções supremas nesse Sistema numeral (no 3.º Sistema foi o 3.º Ishwara que é o mesmo da 3.ª Cadeia, por exemplo). O Planetário da Cadeiatem a coadjuvá-lo 7 Planetários de Rondas (Kumaras). Cada Cadeia é constituída por 7 Globos que são dirigidos pelos 7 Espíritos Planetários de Rondas, os quais são as projecções ou manifestações dos mesmos dos 7 Espíritos Planetários de Cadeias. Esses Kumaras Primordiais projectam-se na Terra como Kumaras Subsidiários ou Dhyanis-Kumaras relacionados à direcção e evolução das sete Raça-Mães; por sua vez, os Dhyanis-Kumaras projectam-se e actuam pelos 7 Dhyanis-Budhas dirigentes das sete Sub-Raças de cada Raça-Mãe. Sendo que cada Dhyani-Budha tem 7 Dharanis em sua volta, associados aos 7 Ramos Raciais de cada Sub-Raça, eles formam um Sistema Geográfico. Daí o número de Dharanis ser 49. Em suma, toda e qualquer modalidade de manifestação é sempre projecção de algo que está acima, agindo num processo numeral de Tulkuismo até chegar ao Logos Único que é a Origem de tudo o que existe manifestado.

Na actualidade do Sistema de Evolução Universal, encontramo-nos na 4.ª Ronda do 4.º Globo da 4.ª Cadeia Terrestre do 4.º Sistema de Evolução. A Terra, designada Bhumi nas Estâncias de Dzyan, realiza 7 Encarnações ou Manifestações no Sistema de Evolução, as quais correspondem às referidas sete Cadeias cada uma com os respectivos sete Globos (perfazendo então 49 Globos no total). Muito embora os sete Globos da Cadeia existam simultaneamente, uns luminosos e outros obscuros ou inactivos, a Onda de Vidasó anima um de cada vez sucessivamente até chegar ao sétimo Globo, iniciando-se então nova Cadeia após um Período de Repouso ou Pralaya de igual duração ao do Manvantara ou Período de Actividade. Após as sete Rondas nos sete Globos da Cadeia Planetária, todos os seus Princípios Espirituais alcançados e desenvolvidos são enviados para um Centro Laya, a partir do qual e com os quais se formará o Globo A da futura Cadeia assim insuflando-lhe a Vida. O mesmo dá-se nos demais Globos da Cadeia, sempre sucessivamente nas diversas Rondas num permanente processo de Evolução. Não pretendendo entrar em demasiados pormenores, o que interessa saber neste estudo é que no actual Globo D desta 4.ª Ronda Terrestre existem 7 Raças-Mães, que 4 já se manifestaram e desenvolveram, estando em pleno desenvolvimento a 5.ª Sub-Raça Teutónica da 5.ª Raça-Mãe Ariana, e que o ponto mais “baixo” de materialização e de maior “densidade” de toda esta Evolução Septenária deu-se na 4ª Raça-Mãe, conhecida tradicionalmente por Atlante. Portanto, foi pelos três primeiros Globos da Cadeia que “descemos”, no sentido da materialização, à manifestação no Plano Físico denso correspondente ao quarto Globo, e será pelos três Globos seguintes (dos quais só fazemos ideia do que sejam graças às Revelações do Futuro oferecidas por Akbel à sua Corte) que gradativamente nos subtilizaremos cada vez mais nos tornando puros seres espirituais. É, pois, neste ponto inferior ou 4.º Globo, a nossa Terra (Bhumi), que nos encontramos, sendo o ponto axial que contém potencialmente todos os valores espirituais e materiais entremesclados ou entrecruzados como uma verdadeira Cruzeta Cósmica.

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Quando completar o seu Ciclo Evolutivo na 7.ª Ronda, ou seja, quando se completar a 4.ª Cadeia Terrestre, a Terra deter-se-á num ponto do Espaçodeterminado pela Lei. Ela se transformará num Globo Ígneoanimado pela Energia Electromagnética de Kundalini, o Fogo Criador ou do Espírito Santo que hoje sustém e mantém a Terra. Este Fogo está activo fixado como Núcleo Electromagnético no Centro da Terra e está destinado a constituir-se no Futuro longínquo um Globo ÍgneoouFlogístico. Um dos símbolos tradicionais e iniciáticos que expressa muito bem esse acontecimento futuro, é o do caduceu, constando de uma serpente de prata e de uma serpente de ouro enroscadas em torno de um bastão de ferro. Este símbolo, além de expressar o deus Mercúrio intermediário entre os deuses e os homens nos Mistérios e nas Mitologias greco-latina, igualmente representa o estado evolucional cosmogénico presente e futuro. Todo o processo de materialização do Espírito, como foi referido, desde a Ronda de Saturno até à actual Terrestre, perfaz a primeira serpente de prata (correspondendo na Alquimia à Argiopeia ou a “fábrica filosófica da Prata”), processo esse denominado pelos Iniciados hindus de Privitti-Marga ou “Caminho de Ida”, no sentido de “descida”, estabelecendo-se então o ponto intermédio ou, como explica Roberto Lucíola, “a Terra como pivô da Evolução”, e portanto da viragem ou curvatura, marcada simbolicamente pelo bastão de Hermes ou Mercúrio, para o processo oposto e complementar, iniciando-se então a espiritualização da Matéria, facto caracterizado então pela segunda serpente de ouro (que na Alquimia corresponde à Crisopeia ou a “fábrica filosófica do Ouro”), processo denominado de Nivritti-Marga ou “Caminho de Volta”, no sentido de “subida”, pelos restantes Globos correspondentes a Vénus, Mercúrio e Júpiter, estabelecendo-se no final de todo esse processo transcendente a integração completa do Logos Planetário – “em quem somos e temos o nosso ser”, parafraseando Santo Agostinho –ao Logos Solar, tudo isso expresso nos símbolos do magnífico Caduceu de Enoch, Thot, Hermes, Hércules, Mercúrio ou o mesmo Akbel, a ponto de um seu Livro-Revelação escrito em 1959 levar precisamente o título Livro de Herakles. Assim, esse emblema o justifica o expoente máximo da siglaavatárica JHS, pois que o vau, vale ou intermediário deus Hermes nada mais é que a expressão do caminho intermédio ou equilibrante da Evolução Monádica até à meta final da sua reintegração no Pai ou Logos Eterno, no Plano Mahaparanirvânico, Adi ou Divino, correspondendo aos Campos Elíseos, ao Olimpo, à Paradhesa, Paradaiza ou Paraíso como a mesma Jerusalém Celeste, etc., que no seio da Terra é representada por Shamballah ou o seu Sol Interno, caminho esse percorrido desde o ponto inferior (Saturno) do bastão ou brahmananda até ao ponto superior (Júpiter), assim se criando gradualmente a Unidade Suprema ou Metástase Avatárica do Homem (HJS) com o Divino (JHS). Por isso o Quinto Bodhisattwa Jeffersus afirmou que “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vai ao Pai senão por Mim” (João 14:6). E Akbel disse mais: “Eu sou a Verdade do Mestre, o Caminho do Discípulo e a Vida da Escola”! Na teologia cristã à sigla I ou JHS é apenas dada o significado latino de Iesus Hominum Salvator, “Jesus Salvador dos Homens”, contudo, ela é verdadeiramente muito mais abrangente e transcendente sendo sempre indicativa de toda a Manifestação Avatárica ou de Espírito de Verdade. Por fim, no final do nosso Sistema de Evolução Planetária teremos 7 Globos Luminosos, 7 verdadeiros Mundos Celestiais, e no fim do Sistema Solar brilharão 49 esplendorosos Sóis Espirituais, como resultado final da Evolução Universal.

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Chegados a este ponto de situação, acordamos em encerrar este estudo sobre a Cosmogénese de Akbel, para que não se torne demasiado extenso e complexo ao estudante e leitor. No entanto, cremos que os pontos principais sobre tão fascinante e amplo assunto foram abordados ainda que de forma sintética e concisa, como igualmente ficou evidenciada a proveniência dos diversos símbolos das várias tradições saídas da Fonte única e eterna da Tradição Primordial, ou por outra, da Teosofia como Sabedoria Divina. Muito ficou dito e muito mais certamente haveria a dizer, portanto, resta deixar o convite a que novas reflexões e estudos venham a ser realizados sobre este profundo mas sem dúvida aliciante tema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Monografias do Grau Yama n.os 15, 16, 17 e 18 da Comunidade Teúrgica Portuguesa.

Scalae Coeli (“Escada do Céu”), por Vitor Manuel Adrião. In Portugal, os Mestres e a Iniciação, Editora Occidentalis, Lisboa, Portugal, Agosto de 2008, e Terra Nostra, os Mestres e a Iniciação, Madras Editora, São Paulo, Brasil, 2013.

Cadernos Fiat Lux n.os 1, 2 e 3, por Roberto Lucíola. São Lourenço, Minas Gerais, Brasil, Dezembro 1994, Abril 1995, Junho 1995.

Akbel – Novo Pramantha a Luzir (Novo Paluz), por Sebastião Vieira Vidal, 1965. Edição da Comunidade Teúrgica Portuguesa, 2014.

Filosofia Grega Pré-Socrática, por Pinharanda Gomes. 4ª Edição,1994, Guimarães Editores, Lisboa.

Geometria Sagrada – Simbolismo e Intenção nas Estruturas Religiosas, por Nigel Pennick. Editora Pensamento, São Paulo,1980.

 

Os Deuses da Cidade do México – Por Vitor Manuel Adrião Quinta-feira, Maio 1 2014 

Fundacion_Tenochtitlan[1]

DE AZTLÁN A MÉXICO

Próximo do Zócalo, a principal Praça da Constituição da Cidade do México, e junto à Catedral Metropolitana estão as ruínas da cidade azteca de Tenochtitlán, as quais ainda hoje deslumbram o visitante pela sua grandiosidade ficando pairando no ar um halo mistério e segredo.

Aqui é o berço da actual capital do México. Por que Tenochtitlán foi construída numa ilha praticamente inexpugnável e com fama, nos seus tempos áureos, de ser a “Cidade dos Deuses” emergida das funduras da Terra com o Lago Texcoco à sua volta? Que deuses e que homens divinos eram esses cuja memória perdura até hoje e cujo mistério teima em permanecer inviolável? Afinal, que há de verdade em tudo isso?…

Tenochtitlán foi fundada em 1325 por um ramo azteca provindo do norte do continente, possivelmente da área actualmente correspondente ao Arizona, os chamados mexicas dirigidos pelo seu deus-guia Tenoch ou Huitzilopochtli que os instalou nessa ilha do lago salgado de Tezcoco, no que agora compreende o Planalto Central Mexicano. A ilha estava ligada à terra firme por quatro vias dispostas nas quatro direcções cardeais (norte, sul, este e oeste, ou sejam, Tepeuca, Xoloc, Tenochtitlán e Tacuba) que eram atravessadas por canais e decoradas por jardins flutuantes. A povoação possuía estradas estreitas e sinuosas, interceptadas por canais labirínticos, palácios e templos, e a disposição dos bairros residenciais reflectia a estratificação social, onde a classe mais elevada residia próxima do templo central em palácios sumptuosos, templo esse que era o centro da urbe chamado Teocalli onde se cultuava o deus agrário Xipe-Totec que muito não escusam ser um dos nomes e atributos do Deus Supremo do panteão azteca, Kulkulcan ou Vorakan. Sobre esse templo supremo construiu-se depois a catedral metropolitana que ainda hoje triangula com as duas pirâmides do Sol e da Lua mais adiante no que resta da primitiva Tenochtitlán, correspondendo o pirâmide do Sol ao templo dos homens e a da Lua à das mulheres, unidos numa espécie de androginia mística no templo central, frequentado por ambos os sexos.

Tenochtitlán

Em 1519, quando os conquistadores espanhóis chegaram à Mesoamérica, Tenochtitlán possuía cerca de 300.000 habitantes, sendo a cidade foi conquistada por Hernán Cortés em 1521, depois um um cerco prolongado onde os requintes crueldade dos sitiantes foi imitado pelos sitiados. De Tenochtitlán sobrou pouco mais do que hoje se vê, e já nesses tempos registava-se a decadência moral e dos costumes de uma civilização que primou na influência intelectual estendida a toda a América Central. É desses tempos de decadência civilizacional que vêm os sacrifícios humanos e a própria antropofagia, coisa desconhecida na sua época áurea.

O nome Tenochtitlán provém do nahuatl e significa lugar do fruto do cacto, a própria ilha onde Tenoch fixou esse ramo azteca, mas também significa Tenoch de Aztlán. Ora, os aztecas consideravam-se o povo de Aztlán, o primitivo paraíso perdido que um dia foi engolido pelas águas do oceano desaparecendo para sempre nas funduras do Atlântico, motivo diluviano cuja universalidade remete para o mito da primitiva Atlântida. O que humanamente sobrou de Aztlán uma parte foi recolhida nas profundezas subterrâneas da Terra pelo seu guia-deus Aatzin Ahal, e outra trasladou-se para o sul do continente em vagas sucessivas ao longo de milhares de anos, a última dos mexicas já no século XIV conduzida por Tenoch para aqui. Este, dizem as tradições aztecas, fundou Tenochtitlán como reprodução fiel do que fora Aztlán, a “cidade dos telhados de ouro e das ruas de prata” que os conquistadores espanhóis procuraram ambiciosamente como o Eldorado que nunca encontraram, apesar dos seus esforços e maltratos sobre os povos autóctones sul-americanos tentando arrancar-lhes as informações para chegarem ao cobiçado metal. Eles confundiram Tenochtitlán com Aztlán, a cidade inviolável dos deuses sedotes das tradições aztecas, maias, toltecas e olmecas, todas unânimes em situá-la no seio da Terra onde se chega por sete cavernas ou embocaduras principais esparsas pelo mundo, uma delas aqui mesmo na capital distrital do México, apontado como escondida sob as galerias subterrâneas Tenochtitlán e sobretudo da Catedral Metropolitana. Mitos ou lendas, o facto é que tudo isso reveste ainda mais de mistério este lugar já de si completamente insólito, que os hindus e tibetanos de bom grado decerto chamariam Lugar Shamano ou Lugar Jina, isto é, Mágico.

Mapa do Vale de Tenochtitlán

Seja como for, após a conquista do México e ante o escasso ouro e prata conseguidos desdizendo os relatos acerca dos “rios de ouro e prata e fortunas incomensuráveis que os aztecas possuíam”, a história de Aztlán ganhou importância entre os espanhóis desiludidos, sobretudo pelo relato recolhido junto dos autóctones por Diego Durán em 1581, dizendo tratar-se de um Paraíso Terreal igual ao Jardim do Éden livre de doenças e da morte e existir algures no Norte longínquo. Essas histórias impulsionaram as expedições espanholas à actual Califórnia, sendo escusado dizer que nunca encontraram tal Terra Edénica apodada por alguns de Eldorado.

Segundo a Crónica Mexicáyotl, o nome Aztlán ou Aztatlán significa Lugar de Alvura ou Pureza, e segundo as lendas nahuatls eram um verdadeiro Paraíso Terreal que um dia desapareceu da face para o interior da Terra na região de Chicomoztoc, significando precisamente “lugar das sete cavernas”. Cada caverna representava um diferente grupo nahua: xochimilca, tlahuica, acolhua, tlaxcalteca, tepaneca, chalca e mexica. Essas tribos acabaram por abandonar Aztlán e espalharam-se por toda a Mesoamérica com uma origem linguística comum, motivo de também serem chamadas nahuatlaca ou “povos nahuas”, sendo o último ramo dos mexicas a origem antropológica dos actuais mexicanos.

Aztlán

A lenda principal da fundação primitiva de Tenochtitlán, cujos elementos inclusive figuram hoje nas Armas Nacionais do México, conta que Tenoch ao chegar aqui viu uma enorme e majestosa águia de asas abertas apanhando sol pousada num cacto e tendo nas garras uma enorme serpente. Isso foi considerado bom augúrio e logo ali, naquele chão pantanoso, começou-se a lançar as fundações da grande cidade depois dos sacerdotes terem erguido um altar junto ao cacto e conjurado o deus das águas, Tlaloc, para lhes permitir fundar a urbe sem perigo de inundação. As prerrogativas divinas de Tlaloc são hoje as mesmas da Virgem Maria, padroeira da Cidade do México, e desse altar de pedra nasceria o Teocalli e deste urgiria a Catedral Metropolitana.

Águia heráldica do México - Codex Mendoza

A águia sobre a flor e fruto do cacto chamada tuna, representa o Sol da Abundância, esta que é garantida pela própria serpente símbolo das forças geradoras e nutrientes da Mãe-Terra. Esta ficaria assinalada na cor vermelha da Bandeira do México e a águia na cor verde, indicativa da força celeste, enquanto o branco central, cor feminina e sintética das cores do prisma, é a indicativa da Paz e Pureza que um dia distinguiu a civilização azteca e ainda hoje é a mensagem maior da cidade e país do México.

CABALA NA CATEDRAL METROPOLITANA

A Catedral Metropolitana da Cidade do México é sem dúvida uma das mais singulares da América do Sul. Consagrada à Assunção da Virgem Maria, é a sede da Arquiodiocese do México e foi construída em 1571 sobre a primitiva, entretanto derrubada, que o conquistador espanhol Hernán Cortés mandara construir após a conquista da cidade aos aztecas em 1521.

Ainda restam vestígios da presença azteca neste lugar sagrado que antes de ser igreja católica era o templo de Xipe-Totec, o deus agrário e da caça que desde o Oriente presidia às estação anuais dando força e saúde aos crentes. Era a divindade azteca do Levante, motivo que os conquistadores aproveitaram para orientarem o seu primeiro templo de Poente para Oriente com a sua porta principal chamada do Perdão, que leva ao Altar do Perdão, todo folheado a ouro, cujo retábulo é obra de Jerónimo de Balbás (1735). Foi assim que os atributos e licenças de perdão e saúde (física e moral) do deus Xipe passaram a ser os mesmos de Cristo.

Também se observa que as pedras com que foram feitas as colunas exteriores da catedral metropolitana haviam sido originalmente pedestais de ídolos aztecas, conservando na sua parte inferior os primitivos relevos de serpentes e colibris que não foram apagados por os seus lados terem ficado ocultos debaixo de terra. Em 1881, quando se escavou defronte à actual catedral para fazer os jardins que adornam o pátio oriental do templo, encontraram-se várias bases de colunas lavradas em pedra ordenadas em linha recta, demonstrando a orientação do templo primitivo que ali houvera. Por detrás das bases e fragmentos dessas colunas desenterradas foi colocada uma placa com a legenda: “Pedras do Teocalli sangrento de Huitzilopoxtli utilizadas depois no primeiro templo que os espanhóis erigiram neste sítio à fé cristã – 1881”. A placa já não se encontra nesse lugar, porém os fragmentos de colunas e as suas bases do templo primitivo ainda podem ver-se no ângulo esquerdo do átrio da catedral. Outras tantas pedras lavradas foram levadas para o Museu do Templo Maior onde também podem ser admiradas.

Catedral da Cidade do México

Ainda sobre a Catedral Metropolitana da cidade do México, fontes esotéricas informam que na sua feitura estiveram presentes mestres d´obras, verdadeiros maçons operativos que sob o aspecto cristão deixaram nela os sinais da Tradição Primordial não deixando de respeitar os símbolos do culto azteca com isso demonstrando maior respeito e tolerância religiosa do que acaso Hernán Cortés terá demonstrado ao imperador Moctezuma da primitiva Tenochtitlán, actual cidade do México. Essa plêiade secreta de verdadeiros Iniciados, segundo as fontes esotéricas, constituiu-se em Ordem dos Aztecas Cabalistas e à mesma pertenceram os arquitectos Claudio de Arciniega (que traçou o projecto original) e Juan Miguel de Agüero, além de Juan Gómez de Mora, José Damián Ortiz de Castro (projectista da fachada barroca), Isidro Vicente de Balbás e Manuel Tolsá (encarregado de finalizar as obras da catedral em 1793, só concluídas em 1813), de entre uns poucos mais.

Dever-se-á a essa Ordem Iniciática Secreta dos Aztecas Cabalistas a “caixa do tempo” descoberta em 2007 dentro do remate em forma esférica da torre oriental da igreja, quando se concluiu a dita estrutura. Na cantaria do remate inscreveu-se a data 14 de Maio de 1791 e o nome Tibursio Cana. Dentro da caixa de chumbo havia medalhas religiosas, moedas da época, um relicário, uma cruz de palma e diversas imagens de santos. Mas a curiosidade mais significativa dentro da catedral é estar no seu centro, pendendo da cúpula, um grande pêndulo medindo num gráfico fixado no chão qual é a inclinação da cúpula, já que a pesadíssima estrutura afunda lentamente no terreno lodoso do leito do antigo Lago Texcoco sobre o qual a cidade foi construída. Mas esse pêndulo possui igualmente significado esotérico ou iniciático que perpassa largamente o sentido imediato de simples medição acauteladora da estrutura, como se verá de seguida.

Idêntico ou herdeiro do fio-de-prumo – elemento importante no simbolismo maçónico – o pêndulo representa evidentemente o eixo cósmico (áxis mundi) que marca a direcção da actividade celeste e aqui tem uma função religiosa. Mais que simples metáfora ou símbolo, é a prova material da existência de “um Ser que se move sem ser movido, Eterno, Essência Pura e Permanência Absoluta”, preenchendo todos os termos pelos quais a Filosofia tem definido Deus, como se observa em Aristóteles, Giordano Bruno ou Pascal, relação que vem a ser explicitamente afirmada.

Apontando para o subsolo, o pêndulo direcciona-se ao lago subterrâneo que os antigos aztecas tinham como um cenote, isto é, um hipógeo cavernoso por onde circulavam águas que levavam ao fabuloso reino subterrâneo dos deuses sedotes, iconografados como semi-serpentários por a serpente ser símbolo do telurismo terrestre, tal qual o era o primitivo deus Xipe-Totec deste lugar. Assim, o pêndulo assume a função absoluta de representativo do áxis-mundi que efectivamente todas as tradições religiosas e esotéricas em todos tempos sempre apontaram no Centro da Terra, espécie de Paraíso Terreal ou Aztlán.

Pêndulo na Catedral da Cidade do México

As criptas sob o altar-mor da catedral não deixam de figurar o reino encantado subterrâneo da tradição religiosa azteca para onde vão as almas dos justos (igualmente apontados no Altar das Almas e dos Anjos, no andar acima das criptas), e é por isso que na cripta onde jaze o arcebispo Frei Juan de Zumárraga, por debaixo do seu cenotáfio, há uma escultura azteca representando uma caveira, símbolo de morte corporal quanto de renascimento espiritual. Uma outra escultura geométrica pré-hispânica foi incorporada na parte inferior do altar, com isso assinalando a incorporação dos elementos religiosos aztecas aos cristãos no trânsito de uma religião para outra mas sem abandonar os símbolos principais de ambas. A entrada nas criptas é uma adição moderna realizada pelo arquitecto Ernesto Gómez Gallardo.

Finalmente e ainda a ver com o dito lago subterrâneo, a Assunção de Maria, prefigurada como a Água da Vida representada pela Lua regente dos ciclos ou estações naturais, como Orago desta catedral metropolitano assucia-se ao mito da Deusa-Mãe Coatlicue azteca tembém ela destinada a ascender do Céu no Seio da Terra à Face da mesma, o que confere a ambas as Deusas prerrogativa de Advento na aprazada que, creem os fiéis, passará pela Porta do Perdão vindo perdoar os pecados de toda Humanidade.

Com tanto mistério, junta-se aquele secreto que subjaze a esta própria Catedral Metropolitana onde é dito à “boca pequena” ter a própria Taça do Santo Graal ter passado por ela entre os séculos XVII e finais de XVIII e que era louvada em segredo pela supradita Ordem dos Aztecas Cabalistas no seu altar-maior dourado entretanto desaparecido vítima de incêndio (e isto já é facto comprovado), dando a esta Casa de Fé o nome esotérico de o Templo Bipartido (entre a devoção dos naturais e a cristã) ou Aquele que tem Duas Faces (ou aspectos esotérico e exotérico, isto é, reservado e público), e ainda a designação de A Corte Ensombrada ou Envolvida em Água, significando que a dita Ordem mantém-se secreta e em segredo envolta pelas Águas do Akasha ou o Éter como quinto elemento natural, atribuindo as suas raízes genealógicas à própria Casa Real Azteca por sua vez dando-se como originária dos antigos maias e toltecas, descendentes de Ketzalcoatl (a “Serpente Irisiforme”, indicativa do planeta Vénus), que é o mesmo Kukulcan na tradição azteca. Enfim, mistérios e segredos que tornam ainda mais maravilhosa esta singular Catedral Metropolitana da Cidade do México.