O Cristianismo dos primeiros tempos na Europa caracterizava-se por grupos de cristãos vivendo em regime de reclusão anacorética onde campeavam santões e profetas de poucas letras mas de muito fundamentalismo religioso, o que os convertia, não raro, em milenaristas instigadores das multidões crentes à realização dos mais diversos e incríveis propósitos. A autoridade eclesial ainda não dominava plena, os movimentos cristãos floresciam sem regra alguma, numa desorganização selvagem, de maneira que era usual o bizarro confundir-se inextrincavelmente com o bom senso, vendo-se assim o fanatismo de líderes religiosos carismáticos levar os sequazes a campanhas de saque e morte contra aqueles que consideravam hereges, muito particularmente os judeus e depois os árabes, mas não se excluindo de também atacarem cristãos considerados “transviados” do seu entendimento particular da doutrina. Em suma, a maioria dessa seitas era pouco mais que bandos de arruaceiros e salteadores, em nome de propósitos religiosos pouco ou nada claros apregoados pelos seus líderes.

Se bem que não fosse o panorama geral, pois deve-se excluir os conventos e eremitérios sujeitos a alguma regra de vida, como foi o caso dos beneditinos de São Bento de Núrsia que uniu a Cristandade Oriental à Ocidental, a verdade é que aparte essas felizes excepções o Cristianismo que campeou entre os séculos V e XII na Europa pouco mais era do que um módulo religioso completamente anárquico sem ordem nem ortodoxia algumas, algo assim parecido com o moderno fenómeno urbano do «new age».

Seria São Bernardo de Claraval (século XII), e no século seguinte São Francisco de Assis, quem poriam ordem e disciplina na estrutura claustral e clausural da Igreja. Da mesma maneira, seriam os templários (século XII) quem transformariam de vez a Cavalaria em exército regular disciplinado, invés de bandos de mercenários e saqueadores como os havia por toda a parte até então.

De maneira que os profetas populares desde muito cedo campearam pela Europa rural, com o seu carisma e verbo inflamado arrastando multidões atrás de si e, não raro, desfechando nos maiores desmandos. Exemplo típico disso, foi o que aconteceu no ano 590 d. C., no Sul do Reino dos Francos (França actual), onde apareceu um camponês da região do Berry, com pressupostos dons de adivinhação e cura, que afirmava ser o próprio Cristo. Ganhou fama, foi adorado como um rei, turba enorme de miseráveis e camponeses seguia-o por toda a parte. Acirrou os seguidores a atacar os viajantes e as propriedades, saqueando-as e dividindo os bens entre os indigentes. Pregava contra os bispos, ameaçava e matava quem o perseguisse. Provocou o maior alvoroço e terror. Por fim, o exército do bispo Aurélio, da cidade de Puy-en-Velay, conseguiu cercar o bando e dizimá-lo após luta sem quartel, durante a qual foi morto o falso Cristo.

O terror do fim do mundo no ano 1000 trouxe novos milenaristas, anunciando a da boa-nova de estar próximo o tempo da Jerusalém Celeste reaparecer sobre a Terra e o reinado dos heréticos estar prestes a findar. Para tanto, devia-se acelerar o processo e encetar santa cruzada à terra que Nosso Senhor pisara e expulsar dela, a golpes de espada, todos os infiéis, fossem judeus, fossem muçulmanos.

Às gentes dos séculos X-XI não faltavam messias e profetas que por sinais, prodígios e milagres lhes anunciavam o mundo estar chegando ao fim, infundindo-lhes o maior terror. De maneira que era comum ver estrelas cadentes ou nuvens vermelhas como sangue rumando em direcção a Jerusalém. Fala-se que até mesmo animais, como galos, gansos, outros pássaros e até peixes, dirigiam-se para o Oriente, e logo eram seguidos por bandos de cristãos fanáticos iletrados crentes da Jerusalém Celeste estar prestes a aparecer na Terra.

Foi nesse controverso ambiente milenarista que teve início o fenómeno de Pedro de Amiens, o Eremita. Afirmava ter recebido uma mensagem do Céu em que Deus lhe ordenava que libertasse a Terra Santa. O religioso francês iniciou a sua pregação inflamada e comovente juntando em Colónia um enorme séquito de mendigos, camponeses, mulheres, crianças, velhos e alguns cavaleiros sem honra nem fortuna. Havia terminado há pouco o Concílio de Clermont (1095). Os discursos de Pedro, o Eremita, iam na direcção de se organizar cruzada à Terra Santa. Conseguiu organizá-la com a desorganização que havia. Assim, em Abril de 1096, formou-se a Cruzada Popular ou dos Mendigos com cerca de 17.000 pessoas, movimento que caracterizou o misticismo milenarista da época formado à margem da autoridade pontifícia, portanto, antecedendo a primeira cruzada oficial (1096-1099), chamada de Cruzada dos Nobres, dos Cavaleiros ou dos Barões, por nenhum rei ter participado nela.

Essa cruzada extraoficial partiu de Colónia em direcção à Terra Santa, tendo como líder Pedro, o Eremita, e como seu capitão d´armas um cavaleiro franco aventureiro sem fortuna nem honra, Gautier Sans-Avoir (Galtério Sem Vintém). Não fazendo distinção entre judeus e muçulmanos, esses cruzados por conta-própria ao chegarem à Renânia massacraram os judeus que aí haviam, e o que sobrou foi repasto para saque geral. Prosseguiram a marcha caótica para Jerusalém, mas na Anatólia defrontaram-se com o exército turco que dizimou a quase todos. Os que sobreviveram, dentre eles Pedro, o Eremita, procuraram refúgio em Constantinopla, corria o 1.º de Agosto de 1096, sendo acolhidos pelo imperador bizantino Alexius Commeno I. Mas logo o bando de maltrapilhos, esquecendo a sua crença obscura pela ganância a que a miséria levava, começou a saquear a cidade, pelo que o imperador obrigou-os a alojar fora dela, perto da fronteira muçulmana, instigando-os a atacarem antes os infiéis. Assim fizeram. Os que não desmobilizaram antes, ou morreram pelas armas em mãos destras ou acharam a escravatura certa. Por aí terminaram os dias da saga aventureira de Pedro, o Eremita, possivelmente encontrando a morte no anonimato de algum convento bizantino que dele se apiedou e o acolheu.

Pedro, o Eremita, aponta o caminho de Jerusalém aos cruzados (iluminura francesa, cerca de 1270)

Pedro, o Eremita, aponta o caminho de Jerusalém aos cruzados (iluminura francesa, cerca de 1270)

Obviamente não terminou aí a série caótica de messias e profetas populares. Como mais um exemplo, nos meados do século XII apareceu na Bretanha, Norte de França, um tal Eudo de Stella, misto de pregador de verbo fácil inflamado e salteador. Pregava uma doutrina libertária e libertinista. Vivia como rei entre os seus e incitava-os a atacar as aldeias e os mosteiros, não poupando as mulheres ao estupro, cultuando-se também a sodomia entre homens agradados do sexo igual. Eudo de Stella acabou preso em 1148 pela tropa comandada pelo arcebispo de Reims, numa altura em que se realizava concílio nessa cidade com a presença do Papa Eugénio III. Levado diante deste e lhe perguntado quem era, o messias respondeu arrogante: “Eu sou Eudo, que veio julgar os vivos e os mortos e o mundo pelo fogo!” O falso profeta e os seus adeptos foram julgados e condenados à fogueira.

Esse tipo de messias e profetas visionários, é bom que se diga, constituiu-se como elemento marginal à autoridade eclesiástica, à ortodoxia tanto religiosa como política estabelecidas, pelo que qualquer hodierna tentativa espúria de associar as suas palavras e actos às dos cavaleiros templários estabelecidos com Ordem e Regra, não passam de mera coincidência e puro descontexto, talvez por ignorância da lei de direito canónico a que se conformava a política social medieval, e com isto partindo da mais elementar premissa dos cavaleiros do Templo serem parte reconhecida da legalidade política sujeita à ortodoxia eclesial da época. Por conseguinte, não eram marginais aventureiros, arruaceiros e salteadores desafiando qualquer autoridade, tampouco santões, profetas e adivinhos por conta-própria: eram reconhecida Milícia Regular da Igreja composta por cavaleiros de nobreza universalmente reconhecida, logo, de acesso livre a qualquer trono, a qualquer corte, assim como a quaisquer paços episcopais, para não dizer, ao próprio Papa.

Da mesma maneira os santos do seu culto, todos eles beatificados e santificados pela autoridade apostólica, desde logo reconhecidos e aceites pela Igreja Universal. Não importa a interpretação esotérica ou gnóstica que possa ser dada dada a alguns desses santos, o que importa é que estão dentro da mais rigorosa legalidade apostólica, com isso e tanta devoção a eles só poderia reflectir “os templários como bons e os melhores dos cristãos”, como reconhecia o rei de Aragão, Jaime I, o Justo.

Padre templário (gravura do século XIX)

Padre templário (gravura do século XIX)

Nesse sentido, os cavaleiros templários tiveram uma especial devoção por oito santos reconhecido no Canónico, obviamente além de a Cristo Glorificado: São Miguel Arcanjo, São João Baptista, São João Evangelista, São Tiago, São Lourenço, São Gregório, São Bartolomeu e São Julião Hospitalário. No seu Santoral também distinguiram outros: São Gil e São Ginário, São Brás, São Sebastião e São Pantaleão. Quanto a santas, além de Nossa Senhora, sobretudo a do atributo soberano Santa Maria Maior, e de Santa Maria Madalena, veneraram especialmente a: Santa Iria, Santa Luzia, Santa Catarina e Santa Águeda, dentre outros que o hagiológio do devocional templário (séculos XII-XIV) regista, pelo que pude compor (parcilmente) o seguinte roteiro hagiológico (santoral) anual do Templo:

Há ainda o possível culto templário a Santa Cita, virgem mártir do século II, que deu nome à localidade próxima de Tomar já habitada no século XIII aquando o Mestre da Ordem do Templo doou à Ordem Franciscana esse lugar que então se chamaria Vale Bom, onde terminavam as várzeas do fértil e deslumbrante Vale do Nabão. Sendo praticamente certo o conhecimento hagiológico de Santa Cita pelos templários – tal qual o de Santa Íria, a santa moçárabe, também virgem mártir, padroeira de Tomar e que aí seria da devoção das templárias, “tempreiras”, ao par de a Santa Catarina de Alexandria, a “Pura”, a agraciada pela Pomba do Espírito Santo – seriam os franciscanos a propagar com intensidade o seu culto, sobretudo até 1628, data em que transitaram para o Convento Novo de São Francisco, na Várzea Grande de Tomar.

No seguimento do devocional a santos e relíquias presentes no culto templário, que lhes prestou especial atenção, igualmente a sua herdeira universal, a portuguesíssima Ordem de Cristo, elaborou um roteiro de celebrações e festas litúrgicas anual levado a efeito pelos seus freires-cavaleiros com a obrigação de então cobrirem-se com o manto branco ou mantéu de Cristo, conforme consta nos seus Estatutos de 1746:
Das relíquias sacras recolhidas pelos templários tanto na Europa como no Ultramar, destacam-se duas que tiveram culto afamado na primitiva Província de Portugal da Ordem do Templo: a relíquia de São Gregório Nazianzo e a miraculosa cruz de São Zacarias.

Relíquia de São Gregório, trazida de Jerusalém para Potugal por D. Gualdim Pais (século XII)

A Relíquia de São Gregório Nazianzo ou Nazianzeno (século IV), um dos quatro Doutores da Igreja Grega (Santo Atanásio, São Basílio, São Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo, e ainda um quinto, São Cirilo de Alexandria. Estão para a igreja Oriental como os quatro Doutores da Igreja Latina: Santo Ambrósio, São Jerónimo, Santo Agostinho, São Gregório Magno, e ainda um quinto, Santo António de Lisboa e Pádua), consta de dois dedos da mão direita do santo e foi trazida de Jerusalém por D. Gualdim Pais (século XII) para Tomar, ainda antes de ser eleito Mestre Provincial do Templo. Hoje está num relicário de prata e pertence ao acervo do Tesouro da Sé Patriarcal de Lisboa.

Quanto a São Zacarias, marido de Santa Isabel e pais de João Baptista, por ser ele sacerdote do Templo de Jerusalém e quem consagrou Jesus no Templo, ficou considerado o protótipo do sacerdócio cristão na exegética da antiga Ordem dos Templários. A invenção da sua cruz será oriental por nela figurar a cruz grega sobre o tau, com letras gravadas em forma gemátrica nos seus palos, com alguma finalidade de exorcismo, nisto transparecendo a herança mágica judaica jerusalemita exportada para o Sefardismo ibérico, pois é considerada miraculosa contra a peste (primitiva alusão à heresia, só depois associada à doença desse nome pela crença popular), aparecendo como cruz desde o século IX em toda a Península Ibérica, talvez através da Igreja Moçárabe, mormente na Galiza, nas Astúrias, em Aragão, na Catalunha e em todo o território português. Neste, o religiosismo popular nacional, sobretudo dos fins do século XV em diante, igualmente deu foros de panaceia miraculosa a essa cruz de Zacarias, desde curar as lombrigas, as bexigas, os piolhos, a sarna e, obviamente, a peste. Esta última informação tem o valor só de curiosidade, absolutamente distada e estranha ao sentido último da Cruz e da reverencia que os Templários lhe prestavam.

Cruz de São Zacarias

Essa cruz de São Zacarias é a reconhecida Patriarcal de Jerusalém que no país vizinho, em Múrcia, ficaria como a miraculosa cruz de Caravaca, que deu fama ao município de Caravaca de la Cruz, relíquia maior da sua Sé Catedral, e ainda a Vera Cruz de Marmelar, freguesia do concelho de Portel, no Alentejo. Esta última relíquia foi trazida da Terra Santa durante o período da Sétima Cruzada (1248-1254), onde templários e hospitalários combateram juntos, e foi trazida para aqui, para o primitivo Mosteiro dos Hospitaleiros de São Pedro do Marmelal (Marmelar), como consta do Livro de D. João de Portel (século XIII). Familiar dos Hospitaleiros de São João de Jerusalém, a sua herdade onde se situava esse mosteiro, doou-a D. João Peres de Aboim, senhor do Termo de Portel, a essa Ordem, em cuja Casa do Marmelar a Vera Cruz terá entrada após 1278, sendo Mestre o prior Afonso Pires Farinha, constituindo-se então a Comenda de Vera Cruz. Ignora-se se foram os templários que repassaram a relíquia aos hospitalários, ou se os hospitalários a resgataram dos templários, o certo é que ela apareceu em Marmelar pela mão da Cavalaria de São João, não da Cavalaria de Cristo.

Igualmente a princesa bizantina, D. Vataça Lascaris, aia da Rainha Santa Isabel, em 1314 traria de Niceia cinco lascas da Vera Cruz, que após o seu desembarque em Sines levaria para a igreja-matriz de Santiago do Cacém, o que está na origem da fundação posterior da Confraria do Santo Lenho, com compromisso confirmado em previsão de 27 de Abril de 1765, mas de origem anterior a essa data.

Entre os santos protectores dos templários encontra-se San Durán (ou São Durando), não sendo senão o cavaleiro frei Guillem Duran, o único santo que foi templário, cuja vida piedosa levou-o a ser venerado como beato nos altares até meados do século XVII, como reflectiu o padre Domenech no seu escrito sobre os santos catalães. A sua ascensão à santidade foi a justa recompensa à sua vida abnegada, dedicada por inteiro a velar pelos cátaros, pelos peregrinos e por outros grupos humanos que fugindo às fogueiras, às cruzadas contra as heresias e aos horrores da Inquisição no Languedoc, cruzavam em condições penosas a barreira dos Pirenéus na direcção Sul, procurando sobreviver àquele barbárie buscando refúgio seguro em solo ibérico, fixando-se em Aragão e na Catalunha sem mais expansão para o extremo ocidental da Península, como tive oportunidade de confirmar tanto no lado francês como no espanhol da citada cordilheira.

Em desacordo tanto com os amadores da História afirmando a presença cátara em Portugal nos séculos XIII-XIV, sem nenhum indício documental e/ou monumental concretos e só analógicos facilmente desmentíveis, a qual como Igreja regular findou definitivamente em Trezentos vítima da Cruzada contra os Cátaros e Albigenses promovida pelo Papado em Avinhão e em Roma, de que restam só algumas memórias e costumes etnográficos na região de Albi, Sul de França, como igualmente com Antonio Galera Gracia que afirma nunca ter existido qualquer San Durán por o santoral católico não o registar (mas isso possivelmente por ser um santo “marginal”, que o dédalo censório do Eclesiástico hostil ao evoco da Ordem do Templo encarregou-se de apagar a memória)[1]. Contudo, San Durán (século XIII) é descrito como nascido e vivido na comarca catalã da Cerdanya (actuais províncias de Girona e Lleida). Frei Guillem Durán desafiou a Inquisição, cujos frades dominicanos levantavam fogueiras para queimar vivas, ou em efígie, a centenas de pessoas condenadas como hereges. O templário ajudava esses desgraçados a transpor os precipícios da cordilheira pirenaica através dos estreitos e perigosos carreiros do Caminho dos Bons Homens, que liga o castelo de Montségur (Aiège), ao Norte, com o santuário catalão de Queralt (Berga), ao Sul, onde se presta culto a uma Virgem Negra. San Durán também escreveu uma obra que não tardou a ser condenada pela Igreja: Rationale Enchyridion Divinorum[2]. Após a queda em desgraça do Templo, a memória dos restos mortais do piedoso frei cavaleiro não tardou a ser apagada de Puigcerdà e do resto da comarca de Cerdanya, juntamente com todos os outros testemunhos templários, de que ainda resta o campanário de Santa Maria em Puigcerdá. Aqui, San Durán recebeu sepultura na igreja de São Bartolomeu, e depois de morto continuou a fazer milagres em favor das gentes daquelas terras. Assim, converteu-se no protector dos perseguidos. Lamentavelmente, não se conseguiu conservar os seus restos, porque a igreja de São Bartolomeu foi destruída no ano de 1936 até às suas bases, durante a Guerra Civil de Espanha[3].

Campanário de Santa Maria em Puigcerdá, Catalunha

Campanário de Santa Maria em Puigcerdá, Catalunha

No contexto dos santos e profetas coevos dos Templo ou mesmo pertencentes a este, vem a aparecer o nome de Jean de Vézelay, dito Jean de Mareuil ou João de Jerusalém, pressuposto profeta templários que teria escrito em francês medieval, a langue d´oil, 40 premonições, entre 1117 e 1119, quando se encontrava como peregrino junto aos cruzados em Jerusalém.

Esse profeta João teria nascido em 1042 e acompanhado os cruzados à Terra Santa, onde chegou em 1099. Já no final da sua vida teria escrito aí, em Jerusalém, os seus vaticínios, num estilo escorreito e simples, preanunciando de forma apocalíptica eventos que se perspectivavam num horizonte temporal vindo do milénio em que viveu até ao milénio que se iniciou no ano 2000. Beneditino, abraçara a Regra no mosteiro de Vézelay, França, ficando notícia dele como um dos seus priores. Muito viajado, há também notícia de ter feito várias peregrinações a Santiago de Compostela e se deslocado a Bizâncio, onde integrou a Cruzada a Jerusalém, segundo M. Galvieski[4].

Esse professor Galvieski diz ter descoberto por acaso o manuscrito original das Profecias de João de Jerusalém nos inícios de 1942, na biblioteca pública da comunidade judaica de Varsóvia, pouco antes de ser saqueada pelos nazis. O autor não informa se chegou a copiar o documento. A verdade é que o gueto de Varsóvia foi completamente saqueado e arrasados pelos nazis, indo o saque parar à Alemanha de Hitler. Após a conquista deste país pelas forças aliadas também estas se entregaram ao saque, tendo assim procedido com especial dedicação o exército soviético em Berlim. De maneira que, ainda segundo Galvieski, entre os finais de 1992 e os inícios de 1993 ele tornaria a descobrir o documento das Profecias, dessa feita na Rússia, nos arquivos do mosteiro da Saint Trinité de Saint-Serge em Zargorsk, perto de Moscovo.

Em 1994, o professor Galvieski publicaria esse insólito documento, tendo-o traduzido para o francês moderno[5]. De então para cá, o texto foi sucessivamente editado por outros nas suas respectivas línguas (francês, inglês, alemão e espanhol). Pessoalmente tenho dúvidas – iguais no respeitante à veracidade das pressupostas cartas trecentistas de Larmenius, parecendo-me simples invenção para «provar» que a Franco-Maçonaria e todas as correntezas templistas aparecidas nos séculos XVIII-XIX são herdeiras directas da original Ordem do Templo – quanto à veracidade do mesmo, tanto mais que há severas semelhanças entre o que está escrito nele e as profecias do Vishnu-Purana e mesmo o que Ferdinand Ossendowsky descreveu no clássico Animais, Homens e Deuses, o que se agrava com a ausência em muitos pontos do estilo literário medieval. Por outro lado, para contrapor à minha dúvida, a dado passo das suas Profecias João de Jerusalém refere Heródoto e continentes imensos para além das Colunas de Hércules, apontando claramente a África e a América. Pois bem, na catedral do mosteiro de Vézelay, terminada em 1140, encontram-se pinturas murais com representações fantásticas dos diferentes povos do mundo (gigantes, pigmeus, etíopes, etc.), as quais estão inteiramente conformadas às descrições fornecidas pelo mesmo Heródoto. Isto não deixa de ser significativo.

Pórtico de entrada na catedral do mosteiro beneditino de Vézelay, França

Pórtico de entrada na catedral do mosteiro beneditino de Vézelay, França

Por outra parte, temo a invenção de um novo “protocolo secreto” tal qual foram inventados, também na Rússia, os “Protocolos dos Sábios de Sião”, e agora este sendo aproveitado de todas as maneiras para justificar as mais extravagantes “teorias da conspiração”, como aqueles o foram para justificar as mais bizarras e sanguinárias “teorias xenófobas”, repetidas hoje na chamada “forças branca” de certo neotemplarismo radical, inclusive armado, mimetista e recreacionista que não tendo nada que combater em guerra justa inventou a islamofobia, por exemplo.

Apesar de tudo, como o texto integral nunca foi dado em língua portuguesa, considerei ter chegado o momento de traduzi-lo da versão francesa apresentando-o, sem mais nenhum comentário, ao critério de sua mais ou menos valia à consideração exclusiva do leitor de obra antiga minha[6], editada e reeditada desde os anos 90, com o que aqui termino.

NOTAS

[1] Antonio Galera Gracia, La verdadeira historia de la Orden del Temple de Jerusalén a la luz da documentación histórica. Editorial Edaf, S. L., Madrid, 2008.

[2] Cf. Anacleta Sacra Tarraconensia, Vol. XXXIX, MCMLXVI, Fasc. 2.º: Julio-Diciembre.

[3] Jesús Ávila Granados, El santoral templario. In Codex Templi, Santillana Ediciones Generales, S.L., Madrid, Abril 2006.

[4] Juan de Jerusalén, Las profecias de los templarios. Introdução, notas, textos e epílogo de M. Galvieski. Ed. Tikal, Girona, 1996.

[5] Le Livre des Prophéties – Le troisiéme millénaire révélé – de Jean de Jerusalem, traduit par M. Galvieski, qui a découvert le manuscrit du Livre des Prophéties. Ed. J. C. Lattés, 1994.

[6] Vitor Manuel Adrião, Portugal Templário (Vida e Obra da Ordem do Templo). Madras Editora, São Paulo, 2011.