“Lagos da Beira é uma verdadeira pérola para o conhecimento e compreensão da figura singular que foi António Augusto Carvalho Monteiro. Esta aldeia singela mas com tanto para contar, é o ponto de partida de toda a minha investigação sobre esta família. Aqui é a origem. Foi aqui que tudo começou com o seu pai, Francisco Augusto Mendes Monteiro (cuja árvore genealógica recuando até ao século XVI, dá todos os seus antecedentes como naturais da região de Lagos da Beira – Oliveira do Hospital), marcando decisivamente o carácter e pessoa do filho. O Brasil, a fortuna colossal, a Quinta da Regaleira de Sintra e tudo o mais, vieram depois”. Isto mesmo disse ao ilustre lagoense senhor Vitor Fernandes, responsável da Biblioteca-Museu Tarquínio Hall, quando visitei Lagos da Beira em 8 de Maio de 2012.
Nesta freguesia do concelho de Oliveira do Hospital, na Beira Alta, nasceu Francisco Augusto Mendes Monteiro em 9 de Março de 1816, vindo a falecer com 74 anos de idade em 1 de Novembro de 1890 no seu Palácio da Rua do Alecrim, Lisboa, depois de uma vida cheia e próspera. O filho herdaria do pai a natureza suave e devotada do beirão, com a têmpera rija daquele criado junto a fragas ásperas levantadas ao céu e a águas ora intrépidas, ora mansas correndo para o Mondego distante, enriquecendo a imensidade tortuosa e telúrica dos campos beirões, como atestam os seus inúmeros lençóis de água subterrânea donde por certo lhe advirá o topónimo Lagos.
O seu nome aparece no Livro IV das Inquirições de D. Afonso III em 1258, onde um dito Pedro Garcia responde à inquirição real afirmando-se natural desta terra então chamada S. João de Lagos, cuja vila e igreja eram reguengo da Coroa, estando aforado à Ordem de S. João do Hospital[1]. Em 15 de Março de 1514, D. Manuel I concedeu foral a S. João de Lagos elevando-a à categoria de vila e sede de concelho, devido à sua prosperidade económica por via da agricultura e vinicultura, ficando como padroeira da Casa do Infantado. Nessa ocasião, também por foral régio, a poderosa comenda hospitalária de Ulveira do Espital (Oliveira do Hospital) torna-se sede de concelho vizinho de Lagos. Como consequência da extinção da Casa do Infantado por decreto-lei de 18 de Março de 1834, o mapa geopolítico do país foi consideravelmente modificado. Já no ano anterior, o decreto-lei de 28 de Março de 1833 alterara o nome S. João de Lagos para o topónimo que ficou até hoje, Lagos da Beira, tendo o decreto-lei de 18 de Julho de 1835 inserido o concelho no distrito de Coimbra e, finalmente, o decreto-lei de 6 de Novembro de 1836 extinguiu o concelho de Lagos da Beira, anexando-o ao concelho de Oliveira do Hospital (vila erigida em cabeça de comarca por decreto-lei de 23 de Dezembro de 1875), perdendo com isso a povoação a categoria de vila e ficando só a de aldeia[2].
Independente do mapa geopolítico, o mapa canonical dispõe Lagos da Beira como fazendo parte da vasta e rica comenda da Ordem de S. João do Hospital, que tinha a Casa-Mãe em Leça do Bailio. Com efeito, Tarquínio Hall descobriu na Quinta do Boco desta aldeia um bloco de granito rectangular, com 148 cm de comprimento e 40 de largura, completamente preenchido com a seguinte inscrição: “Este cazal e seos terragedos S. [ão] do Espital de Jerusalém da Sagrada R. [eligião] de Malta conforme foral deste concelho… he militar… Joam Pinto de Aragam – 1787”[3].
Conclui-se pelo texto da lápide que Lagos da Beira ainda no século XVIII era um casal, granja ou fazenda da Ordem Hospitalária (depois Maltesa), fazendo parte da grande Província do Hospital, iniciada no reinado de D. Teresa (século XII), repartida em espaços maiores ou menores dentro da sua jurisprudência e geografia. As possessões maiores chamavam-se Priorados ou Preceptorias (como veio a ser Leça do Bailio, que com a elevação do seu mosteiro e importância que teve para a região passaria a este estatuto); as menores, Bailios ou Comendas (comendadorias ou comandadorias regionais, como foi a de Oliveira do Hospital); e as ínfimas, Granjas ou Fazendas (casais, como terá sido Lagos da Beira). À cabeça da Província estava o Mestre ou Provincial da Ordem, representado na Preceptoria pelo respectivo Preceptor, coadjuvado por um Prior nomeado pelo Mestre Geral, pelo que nesse espaço teria de haver obrigatoriamente uma igreja que fosse matre ou matriz do Priorado. Nos Bailios a mesma coisa, mas sendo o Preceptor representado por um Comandante ou Comendador de Província e, finalmente, nas Fazendas esse Comendador nomeando seu auxiliar ou “lugar-tenente” o Comendador de Cavaleiros, geralmente defendendo o espaço com uma esquadra de dez cavaleiros[3].
A dependência canonical de Lagos da Beira relativamente a Oliveira do Hospital é provada nas Inquirições de D. Dinis (1288), quando a sua igreja paroquial, consagrada a S. João Baptista (Orago da Ordem do Hospital), aparece com novo patrono: “Santa Cruz de Ulveira do Sprital” – hoje Exaltação da Santa Cruz, que significa o mesmo. Observa-se assim o nome da povoação ligada a Oliveira do Hospital. Por isso, o brasão da freguesia de Lagos da Beira aparece com a Cruz Hospitalária (que se repete no interior e exterior da sua igreja) que, por ser semelhante, é confundida muitas vezes com a Cruz Templária. Seja como for, o santo padroeiro de Lagos da Beira mantém-se desde os alvores da Nacionalidade como sendo S. João Baptista.
A Festa da Exaltação ou Triunfo da Santa Cruz foi a principal das celebrações litúrgicas dos hospitalários, também chamada de Festa da Cruz Gloriosa. Segundo a tradição, a Vera Cruz foi descoberta no ano 326 por Helena de Constantinopla, mãe do imperador Constantino I, durante uma peregrinação a Jerusalém. No local da descoberta mandou construir a igreja do Santo Sepulcro, que no século XII, depois da Segunda Cruzada (1147-1149) e conquista da cidade santa aos muçulmanos, passaria a ficar à guarda da Ordem de S. João do Hospital. Enquanto a Sexta-Feira Santa é dedicada à Paixão e Crucificação, a Festa da Exaltação da Santa Cruz, em 14 de Setembro, celebra o Cruzeiro como instrumento de Salvação, fonte de Santidade e símbolo revelador da vitória de Cristo sobre o pecado, a morte e o demónio. De acordo com as regras litúrgicas da Igreja Católica Romana, neste dia o presbítero deve utilizar vestimentas vermelhas. Se a celebração ocorrer num domingo, a Festa tem precedência sobre a liturgia do tempo comum. Até 1969, a quarta-feira, a sexta-feira e o sábado após 14 de Setembro eram considerados como um dos quatro conjuntos de dias de têmporas[4]. A Exaltação da Santa Cruz constitui a festa principal dos Cónegos Regulares da Ordem da Santa Cruz, como o foi em Coimbra com esses regrantes agostinhos e que por certo António Augusto Carvalho Monteiro terá conhecido de perto em sua juventude, quando estudou nesta cidade do Mondego. Em Lagos da Beira mantém-se o cruzeiro como sinal eterno do triunfo da vida sobre a morte.
Tendo os hospitalários instalado-se em Chipre (entre 1290 e 1309) após a perda da Terra Santa para o Islão, ficou o registo das suas relações próximas com a Casa Real dos Lusignan de Nicósia que cedo abraçaram e divulgaram na Ilha a particular celebração cristã que a Ordem para aí levara: a Festa da Exaltação da Santa Cruz, que ainda hoje é das mais celebradas pelos cipriotas cristãos ortodoxos sustentados na autoridade episcopal de Santo André de Creta ou de Jerusalém, que nos séculos VII-VIII ficara célebre pelos seus sermões e hinografia encomiando as virtudes salvíficas da Vera Cruz[5].
A partir de 1309-1310, a Ordem de São João do Hospital instalou-se na Ilha de Rodes, onde adquiriu uma feição “insular”, no dizer de Fr. Lucas de Santa Catarina[6], mantendo-se aí até 1522, quando a ilha foi tomada pelos turcos. Finalmente, a partir de 1530 por doação de Carlos V instalou-se na Ilha de Malta, fixando o seu Mestrado residência em La Valeta, e desde então até hoje ficou conhecida por Ordem Soberana de Malta, nunca deixando de exercer a vocação hospitalar de socorro aos carecidos e doentes como virtude cardeal de caridade ou amor que foi o motivo da sua fundação em 1099, quando alguns cristãos mercadores de Amalfi fundaram em Jerusalém, sob a Regra de S. Bento e com a indicação de Santa Maria Latina, uma casa religiosa para recolha de peregrinos. Anos depois construíram junto dela um hospital que recebeu de Godofredo de Bouillon doações que lhe asseguraram a existência, desligando-se da igreja de Santa Maria e passando a formar congregação especial sob o Orago de São João Baptista. Em 1113, o Papa Pascoal II reconheceu-a Ordem de São João do Hospital e deu-lhe Regra própria. Em 1120, o cavaleiro francês Raimundo de Puy, nomeado Mestre Geral, acrescentou ao cuidado com os doentes o serviço militar[7].
Em Portugal, a Ordem do Hospital manteve-se independente. Não recebeu os bens da Ordem dos Templários como pretendia o papa Clemente V, que habilmente o rei D. Dinis fez transferir para a Ordem de Cristo então criada (1319). Também não foi incorporada na Coroa em 1551 com as Ordens de Avis, de Cristo e de Santiago, apesar da dignidade de Prior do Crato ser atribuída aos Infantes D. Luís, filho de D. Manuel I, e mais tarde a seu filho D. António, mantendo assim o carácter singular e o epíteto de “Soberana” que lhe foi atribuído quando passou a designar-se de Malta[8].
Isso significa que a Comenda de Oliveira do Hospital e a Fazenda de Lagos da Beira mantiveram-se sempre na posse dos cavaleiros hospitalários até praticamente 1834. Por este motivo, ainda em 1910 a Cruz de Malta figurava no Brasão de Armas na fachada do Paço do Concelho de Oliveira do Hospital, como descreve o dr. António de Vasconcelos num precioso e raro estudo[9].
Um dos santos caríssimos aos hospitalários foi São Paio (Pelaio, Pelágio), e sob a sua evocação formaram o Pelágio, aparentemente destinado a socorrer os peregrinos cristãos que iam e vinham de Santiago de Compostela venerar o túmulo do Apóstolo, motivo porque São Paio é celebrado no dia imediato ao de São Tiago Maior, ou seja, 26 de Junho. A par disso, dedicavam-se à guerra ao Islão – cuja resistência e ofensiva foi iniciada por Pelaio (718-733), fundador do Reino das Astúrias – abrindo caminho à Reconquista e à cristianização das vias celto-romanas tendo início ou fim na mesma cidade capital da Galiza[10]. Por outro lado, o Pelágio apresentava igualmente um aspecto cultural e inclusive hermético onde os saberes gnóstico, cabalístico e alquímico das três grandes religiões do Livro (judaica, cristã e islâmica) comungavam juntas da mesma demanda de realização espiritual, independente das contingências temporais da geopolítica da época, motivo do Pelágio ser igualmente sinónimo de pressuposta existência de uma Ordem Iniciática fechada ou secreta porventura na primazia da assistência à génese histórica e ao percurso evolutivo da Nacionalidade, desde a primeira hora posta sob a advocação da Virgem Santíssima. Deste Pelágio terá participado o cultíssimo António Augusto Carvalho Monteiro, ao observar-se a sua inclinação para a simbologia hermética em que não foi avaro na decoração dos imóveis que foram seus. Possivelmente os seus antecedentes beirões, particularmente o seu pai, igualmente não seriam alheios ao Pelágio espiritual que, a par do temporal, deu nome a família portuguesa ligada aos Lusignan nacionais (Sampaio de Luzignano) e assim também ficou como topónimo de várias localidades vizinhas de Lagos da Beira: São Paio de Gramaços, São Paio do Mondego, São Paio de Gouveia[11].
O facto é que na herdade de Quintais, que foi do dr. Carvalho Monteiro em Lagos da Beira, aparece no seu portão de ferro forjado uma estranha sigla permeio ao signo salomónico (pentagrama) que acaba por remeter para o tema do Pelágio e da eventual presença Lusignan. A sigla tem sido interpretada como as iniciais do dono da propriedade depois de Carvalho Monteiro, e poderia muito bem ser se o portão não fosse coevo do proprietário original. Apesar da sigla apresentar claramente as letras ACL, mesmo assim há quem veja nelas invés do C um G para conferir com o nome António Gomes Lobo, que por volta de 1929/30 comprou Quintais por trinta contos de réis ao dr. Pedro Augusto de Melo de Carvalho Monteiro, filho de António Augusto Carvalho Monteiro. Natural de S. Paio, concelho de Oliveira do Hospital, António Gomes Lobo era de origem humilde, emigrou para a África onde trabalhou na construção civil e fez fortuna. Autodidacta de cultura feita às suas custas por gosto à mesma, regressou à terra natal e estabeleceu-se em Lagos da Beira, vindo a casar com Carminda Chaves Maia, licenciada em farmácia, natural de Aradas, Chaves. Por essa altura comprou a quinta para dedicar-se à agricultura e a sua progénie crescer calma e feliz. Actualmente vive aí uma filha de António Gomes Lobo, Isabel Chaves Maia Lobo, com o marido, partilhando a propriedade com o seu irmão João Chaves Maia Lobo, residente em Lisboa.
O portão em causa tem severas semelhanças com um outro existente na Quinta da Regaleira de Sintra, ao qual também não falta o signo salomónico, e que é aquele vedando o caminho subterrâneo de saída ou acesso à cripta da capela da quinta. Ao lado deste aqui também não faltam as torres ameadas ao gosto (neo)medieval, uma servindo de depósito de água e outra como chaminé com torreão central, motivo sugerindo severamente a presença da Alquimia, em cujo programa iconográfico aparece igualmente a torre simbólica do athanor ou “forno alquímico”. Duas torres, tal qual como na Regaleira, em guisa de evocação hermética do solve et coagula, sendo ainda a Torre da Fé aquela mesma que dessedenta o crente com a Água da Vida que é a Palavra Viva da Igreja de Cristo.
Na heráldica falante, é marcante a presença da torre no imobiliário da família Carvalho Monteiro posta em relação severa com a famosa torre do mito de Melusina, mãe da progénie Lusignan. Neste sentido, o ACL gravado no portão poderá muito bem ser António Carvalho Lagoense, por afeição, posto em relação com a sereia dos lagos de Lusignan.
A estrela de cinco pontas ou pentagrama (o símbolo salomónico aqui representado em duplicado para condizer esteticamente com a duplicidade do portão) terá aqui um significado muito especial atendendo ao especial “gnosticismo católico” de Carvalho Monteiro: a iconologia cristã utiliza-a como referência às cinco chagas do Cristo Crucificado, mas também como um signo que pela sua forma fechada corresponde ao círculo, indo representar a união do princípio e fim em Cristo. Curioso que entre os monges construtores medievais o pentagrama significava ainda a realização, a expressão do perfeito, tendo chegado a ser usado como sinal de reconhecimento entre os membros das confrarias de construtores, que traçavam este símbolo nas suas cartas como forma de saudação, equivalendo à palavra latina vale: passe bem. Era então conhecido como higia, nome grego de Higia ou Higeia, a deusa da saúde. É igualmente signo mágico de exorcismo e protecção contra as influências malignas, tanto visíveis quanto invisíveis, considerado na Idade Média o talismã com mais poder por representar o próprio Cristo Todo-Poderoso, senão o próprio Deus Vivo ante o qual as trevas malignas revelam a sua impotência. Com isso, dispondo os pentagramas à entrada da sua propriedade, por certo Carvalho Monteiro quis exorcizá-la das forças das trevas, protegendo-a de gente e almas malignas.
Como se viu, o pentagrama é a estrela composta por cinco linhas rectas e que possui cinco pontas. Na língua portuguesa, pentagrama significa uma palavra com cinco letras. Na música, indica as cinco linhas paralelas que compõem a partitura. Originalmente era o símbolo da deusa romana Vénus (figurada na mesma Melusina), e assim é associado a este planeta cuja órbita, vista da Terra, descreve aparentemente uma estrela de cinco pontas, como já informava a astronomia ptolemaica. Na Natureza, o pentagrama é o signo do quinto elemento, o Éter, assinalado na sua ponta superior, enquanto nas demais pontas inferiores se assinalam os restantes quatro elementos naturais: Ar, Fogo, Água, Terra. O pentagrama (ou pentalfa) também é símbolo do Infinito: dentro do pentágono no centro do pentagrama é possível fazer outro pentagrama menor, e assim sucessivamente. Possui simbologia múltipla sempre fundamentada no número 5, que representa o casamento unindo o masculino (o 3) e o feminino (o 2), desta forma simbolizando a união dos contrários necessária para a realização espiritual e também a fundação da progénie familiar. Por todos esses motivos, na matemática com origem na Escola Pitagórica, o pentagrama (emblema dessa instituição grega) anda ligado ao número de ouro (1.618): composto por um pentágono regular e cinco triângulos isósceles, a razão entre o lado do triângulo e a sua base (lado do pentágono) é o número de ouro. A Cabala judaica, através dos seus rabinos mais eruditos, considera o pentagrama símbolo da Vontade de Deus e da Sua Protecção. No Cristianismo é a Estrela do Natal, a do Nascimento de Cristo preanunciando a Ressurreição, tanto do Espírito no Corpo (Nascimento) como do Corpo no Espírito (Ressurreição).
Na Maçonaria é a Estrela Flamejante da Iniciação, plantada ao Oriente da Loja, assim também simbolizando a Ressurreição, após a Morte, do profano como novo Iniciado. Quando o pentagrama se apresenta invertido, geralmente assumido símbolo do Mal contrário ao do Bem que é o pentagrama ao alto, quer dizer que o Espírito mergulhou na cegueira da Matéria e nos padecimentos carnais da alma humana[12].
Parentes do Pelágio em tempo de paz e cortesia são as artes venatórias, particularmente as da falcoaria e montaria, exclusivas na nobreza e por isso chamadas de Arte Real. Pois bem, no seu significado transcendente a montaria é uma modalidade da iniciação obtida após demanda ou peregrinação, donde ser uma iniciação activa ou “guerreira” (kshatriya, em sânscrito) própria para reis e cavaleiros, apodando-a indistintamente de Iniciação Real, Iniciação Senhorial e ainda Iniciação Mariana, posto ser Santa Maria quem assiste ao cavaleiro de demanda cuja profissão de armas dá-lhe como vizinha constante a morte, motivo pare ele A invocar constantemente: “Santa Maria, Mãe de Cristo, rogai (intercedei) por mim na hora da minha morte”! É este o motivo que assiste à criação medieval da tradição iconográfica dos “santos caçadores”, como São Thelo, São Conrado, Santo Eustáquio, Santa Genoveva, São Frutuoso de Braga, São Mamede e Santo Huberto, o mais famoso de todos, não esquecendo a lenda templária (aliás retratada dentro da capela da Quinta da Regaleira de Sintra) do sítio da Nazaré, quando o almirante-mor da frota marítima da Ordem do Templo, D. Fuas Roupinho, ao perseguir um veado foi salvo de cair no precipício pela própria Virgem Maria, que lhe apareceu, fazendo o cavalo estacar. Lá está até hoje o sítio da “Memória” e as marcas dos “cascos” da besta freada pela Mãe de Deus.
Uma das práticas mais interessantes da Alquimia também era chamada, na Idade Média, de Arte Real. Partindo da ideia de imperfeição e decadência dos seres da Natureza, a Grande Obra Alquímica (Obra Mística, Obra da Fénix, Via do Absoluto, etc.) era procurar reintegrar o Homem na sua dignidade primordial, divina. Encontrar a Pedra Filosofal era descobrir o Absoluto, era possuir o Conhecimento Perfeito (Gnose). Esta via principal devia conduzir por uma vida mística na qual, pela extirpação das raízes do pecado, o homem se tornaria generoso, doce, piedoso, crente e temente a Deus[13].
Por essa razão, a Arte Real era “Arte de Guerra” (expressada em tempo de paz, na Idade Média e chegando à Renascença, pelas supraditas artes venatórias da montaria e falcoaria) afim a reis e príncipes, devendo em princípio guerrear a sua própria natureza inferior, com isso cultivando as maiores virtudes de justiça e perfeição que lhes cabia exercer junto dos povos sob o seu domínio. Mas também se associava constantemente à Arte Sacerdotal exercida por religiosos praticantes das artes herméticas, alguns deles tendo subido aos altares de santidade, como, por exemplo, Santo Alberto Magno, reconhecido alquimista.
De algum monteiro caçador, porventura próximo da Ordem de São João do Hospital, sairia a família Monteiro, sobre quem diz o Armorial Lusitano (Genealogia e Heráldica):
“MONTEIRO. Dizem os genealogistas que esta família provém de Rui Monteiro, fidalgo do tempo de D. Afonso Henriques, morador em Penaguião, em cujo concelho possuiu bens. Teve o padroado de Santa Ovaia de Andufe, foi muito rico e poderoso e recebeu-se com Elvira Gonçalves, filha de D. Gonçalo Moniz e de sua mulher, Maria Anes. Parece, porém, pelo exame da sua descendência e dos reinados em que esta viveu, não ser Rui Monteiro tão antigo como dizem. O apelido parece provir de alcunha, certamente tirada de ofício. Do mencionado casamento houve vários filhos que continuaram o apelido. O bispo de Malaca, D. João Ribeiro Gaio, dedicou a esta família os seguintes versos:
O que se chamou Monteiro
foi D. Payo de Peleja,
deste apelido primeiro
casou com D. Thereja
foi um grande cavaleiro.
“As armas dos Monteiros são: De prata, com três trompas de caça de negro, embocadas e viroladas de ouro, os cordões de vermelho. Timbre: duas trompas do escudo, passadas em aspa, atadas de prata.”
Monteiro foi Francisco Augusto Mendes, o ilustre lagoense que nunca esqueceu a sua origem e muito fez e deu à terra que o viu nascer cerca de 1825. Procurando a fortuna no Brasil promissor, ainda jovem fez-se emigrante instalando-se no Rio de Janeiro, e a pulso foi conquistando fortuna ganha no comércio onde começou como escriturário, a qual aumentou incomensuravelmente quando conheceu e se casou com Ana Teresa Carolina de Carvalho, nascida no mesmo ano que ele, herdando o negócio de família dela: a exclusividade do transporte marítimo Rio de Janeiro – Lisboa de cafés e pedras preciosas[14]. Desde então, graças à sua volumosa fortuna que o tornou um dos homens mais ricos do país, ficou alcunhado de “Monteiro, o Milhões”, apodo que o seu filho António Augusto também herdaria, “Monteiro, dos Milhões”, e alguns mais desabridos na verborreia enciumada até o alcunhando de “caga-milhões”.
Católico e monárquico assumido, de convicções profundas, Francisco Monteiro abraça a “religião pátria” (que o filho prosseguiria), reconhecendo em Santa Maria Coroada a suprema Rainha de Portugal, oferecendo ricos presentes à Régia Confraria de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, cujo Santuário Nacional nasceu de uma primitiva ermida gótica que nos finais do século XIV o Santo Condestável Nuno Álvares Pereira fez consagrar à Senhora da Conceição, sendo o primeiro templo desta devoção pátria (devotionis patriae) em toda a Península Ibérica, antecedendo assim em quase 500 anos a definição dogmática de 1854 sobre a Imaculada. Esta imagem de Nossa Senhora de Vila Viçosa, apresentando punções e a data de 1406, terá sido oferta da Casa Real inglesa na pessoa não do rei D. João I mas do próprio Santo Condestável. Grata pelos serviços prestados por Francisco Augusto Mendes Monteiro, a Régia Confraria deu-lhe o título de comendador em 19 de Janeiro de 1856, como consta no seu Livro 8: “Francisco Augusto Mendes Monteiro = Carta de Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa = De 19 de Janeiro de 1856. Livro 8.”[15]
Nesse mesmo ano, em guisa de agradecimento pelo sacro e régio título recebido, Francisco Augusto Mendes Monteiro iria deixar o seu nome ligado à primeira grande ampliação e renovação da igreja paroquial de Lagos da Beira. Para o efeito, ofereceu à Junta da Paróquia a quantia de um conto e duzentos mil réis em metal sonante, para o fim de ser aplicada na construção da fachada e de uma torre no edifício. Tão valiosa oferta teve lugar na sessão extraordinária de 7 de Dezembro de 1856, em cuja acta consta: “Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e cinquenta e seis. Aos sete dias do mês de Dezembro reunida a Junta de Paróquia na Sacristia da Igreja Matriz [de] S. João Baptista de Lagos da Beira […], compareceu neste acto o Exm.º Senhor Comendador Francisco Augusto Mendes Monteiro oferecendo generosamente a esta Junta a quantia de um conto e duzentos mil réis, metal sonante, para o fim de se aplicarem a fazer a frente e uma Torre no edifício da Igreja Matriz desta Paróquia que se acha em grande precisão”.
Na acta constam ainda cláusulas requeridas pelo mecenas que especifica a maneira como deseja que a torre e a fachada da igreja sejam construídas (iniciativa singular em jeito de mestre arquitecto que também Carvalho Monteiro tomaria, tanto nesta aldeia como em Sintra), escolhendo para a execução da obra o mestre pedreiro Bernardo de Sousa Gouveia, do lugar de S. Sebastião da Feira, do concelho de Oliveira do Hospital, exigindo ainda que o risco da fachada fosse o da ordem Toscana. Esta ordem, que foi desenvolvida na época romana, é a simplificação da ordem Dórica, de origem grega, geralmente empregada no exterior de templos consagrados a divindades masculinas, e aqui é masculino o Orago da paroquial: S. João Baptista, aparelhando com S. Miguel Arcanjo também cultuado nesta igreja desde que a pequenina ermida da sua evocação foi desactivada.
Com efeito, houve a Irmandade de São Miguel das Almas importante nesta aldeia, que hoje está desactivada mas a que terá pertencido Francisco Augusto Mendes Monteiro, eventualmente retratado entre os oito principais irmãos, com o Arcanjo Quis ut Deus flutuando sobre eles, num painel processional dos fins do século XIX que está na sacristia da paroquial. Possivelmente o seu filho António Augusto Carvalho Monteiro também terá pertencido a esta irmandade de sufrágio, cuja função psicopompa ou intermediária só poderia ter como Orago o primeiro dos Arcanjos, São Miguel, intercessor das almas junto do Trono de Deus. O ofício de sufrágio pelos falecidos tem o nome grego de panikhida ou parastás, significando precisamente “intercessão”, traduzidos em português como “sufrágio”, na linguagem eclesiástica significando o acto litúrgico ou a oração comunitária de intercessão pelos falecidos. Este ofício de sufrágio pelos mortos segue o roteiro do Ofício de Matinas do Rito Bizantino, celebrado principalmente ao sábado quando não é festivo, sendo dedicado à comemoração dos mortos. O Rito Romano segue o roteiro das “estações” ou momentos, parando o cortejo para reflectir e orar pelos falecidos, desde a igreja até ao cemitério, junto das chamadas “alminhas”. Também a celebração do Ofício Exequial possui vários momentos, sendo o dia consagrado aos santos e aos falecidos precisamente o de Todos-os-Santos e dos Finados no início de Novembro. Assim, a Parastás ou Sufrágio pode celebrar-se de duas formas: a completa, mais solene, e a abreviada. A forma plena é reservada às ocasiões especiais nos dias de finados designados como universais, e a forma abreviada é a que se usa nas ocasiões comuns, nas igrejas, nos cemitérios ou nos lares. Esta última forma é a mais comum por motivos práticos, podendo sempre variar conforme o costume particular de cada igreja, mantendo porém o esquema original do Ofício de Matinas[16]. A Irmandade de São Miguel das Almas servia de extensão e apoio do clero junto da comunidade, dando assistência corporal às famílias enlutadas e assistência espiritual às almas partidas.
Os irmãos de São Miguel das Almas, conforme está apresentado no painel referido, além de se mostrarem acompanhados da vara da Irmandade, espécie de báculo pastoral, tinham sobre os ombros a capa branca, muito semelhante àquelas primitivas dos cavaleiros templários e mesmo dos cistercienses, o que remete para o sentido primacial da Cristandade assumida pela Ordem do Templo e prosseguida depois pela Ordem de Cristo. Sendo o Arcanjo São Miguel o Assistente da Igreja e da Sinagoga, Henri Corbin lembra que “uma aparição de Miguel equivale a uma aparição da Shekinah”[17], valendo-se para isso de uma citação do Sepher-Ha-Zohar: Ubicumque inveneris Michaelem qui est primus illorum [angelorum], ibi subintellige Schechinam (“Sempre que encontrares mencionado Miguel, que é o primeiro dos Anjos, subentende a Shekinah”).
A Shekinah equivale à manifestação real de Deus em forma feminina na Terra, revelada por intermédio de Mikael à comunidade dos crentes. Revela-se nisso a Actividade Universal do Logos Eterno no acto de Criação, que por sua função similar à da Mulher em gestação foi pelos antigos cabalistas judaico-cristãos ligado à fácies materna de Deus, à Mãe de Deus assumida Espírito Santo movendo-se sobre as “águas etéricas” ou do Além-Akasha antes da Criação, para logo “soprar” ou “alentar” a mesma como o Espírito de Deus portador do Hálito Divino, acto primordial da génese universal que leva o nome hebreu Meracha Phath.
A doutrina oculta da Shekinah para os hebreus, ou Sakinah para os árabes, tem o seu principal ponto de referência no Antigo Testamento, nas passagens em que se trata da instituição de um centro religioso e espiritual: a construção do Tabernáculo, a edificação dos Templos de Salomão e de Zorobabel. Tal centro, constituído em condições regularmente definidas, devia ser efectivamente o lugar da Manifestação Divina, da “Presença Real de Deus”, Shekinah, sempre representada como “Luz” (Domus Lucis, Portae Lucis, Janua Lux…). É curioso observar que a expressão “mais iluminada e mais regular” que a Maçonaria tem conservado, parece ser a memória da antiga ciência sacerdotal que presidia à construção dos Templos, o que de resto não era exclusividade particular da Raça de Judah. Neste sentido, S. Miguel ou Mikael corresponde ao sacerdote do Templo Celeste e ao instaurador do Templo Terrestre, prerrogativas pressupostamente conhecidas de Francisco Monteiro e de seu filho Carvalho Monteiro ao assumirem o encargo de arquitectos súbitos, querendo que os edifícios mandados fazer por eles ficassem exclusivamente de acordo com o querer do seu entendimento particular, nisto parecendo reproduzir os moldes directores da primitiva ciência sacerdotal assistida pelo Arcanjo S. Miguel, que é o veículo de corporificação do Verbo, tal qual o Templo é a corporificação canónica do Corpo de Deus. Na Shekinah está a causa da Influência Espiritual, presidindo a todas as modalidades de Iniciação e Iluminação. Ainda que a Igreja cristã lhe chame Bênção, o sentido exacto é Influência Espiritual, como se traduz do termo hebraico original, berakoth, e do árabe barakah.
Mas é o Sepher-Ha-Zohar, obra do rabino ibérico Moisés de Leon (século XIII), quem aprofunda e explana mais a doutrina oculta da Shekinah. Toda ela se inscreve numa Fede de Amor em referência ao amor do Homem por Deus e ao sentimento recíproco da Divindade. Aí postula-se a identidade entre o temor de Deus e o amor mais puro, traduzido como fé. O Zohar, na descrição da longa viagem que a alma executa ao deixar o corpo, fala na assunção da mesma na sua peregrinação até ao “Palácio do Amor”, onde ela deixa cair o último véu ao apresentar-se diante do seu Mestre, ou seja, ao alcançar o derradeiro e supremo estado de Consciência Espiritual. Para Moisés de Leon só houve um que, enquanto vivo na Terra, se mostrou ligado à Presença Real de Deus, à Shekinah: o Patriarca Moisés. Deste, e unicamente deste, é dita a sentença: “Esteve unido intimamente com Shekinah”[18]. Pela primeira vez, a união mística entre o mortal e o imortal foi representada em termos de casamento terreno, tendo este por resultado natural a geração familiar, cuja tradição é sempre o encargo mais importante do patriarca da família que normalmente transmite o seu saber por via oral ao varão primogénito, de maneira a ficar assegurada tanto a continuação da progénie como a ininterrupção da transmissão da herança familiar que, neste particular, será a de um núcleo eleito, como parece ter sido o caso da família Carvalho Monteiro, cujas origens remotas estão envoltas na bruma da lenda teimando no mito maravilhado de Melusina, também esta prefiguração simbólica da Virgem Mãe.
A Shekinah apresenta-se sob múltiplos aspectos, dos quais dois são os principais: o interno e o externo, assinalados tão claramente quanto possível na tradição cristã pelas frases Gloria in excelsis Deo e in terra Pax hominis bonae voluntatis. A palavra Gloria refere-se ao aspecto interno relacionado com o Princípio Espiritual, com o Espírito Santo, promanando, através dos 7 Anjos Diante do Trono (Malakim), os 7 Influxos ou Raios Espirituais no aspecto externo ou Mundo manifestado pela mesma Shekinah, indo caber-lhe a palavra Pax. Pax et Gloria são os atributos da Shekinah como Terceiro Trono, manifestado e manifestando ao Eterno representado em cima por Metraton, o Arcanjo intermediário ou psicopompo no Plano do Segundo Trono, logo, só por Aquela o Pai e o Filho se tornam possíveis de idealizar e alcançar pelas criaturas humanas.
A Shekinah contém-se, pois, na tríplice fórmula de Lux – Gloria – Pax, Divina, Celeste e Humana, e para a sua preanunciação a iconologia judaico-cristã destinou-lhe o símbolo alvo da Pomba, que expressando ao Espírito Divino de Santidade traz consigo a Boa-Nova do Pai na forma avatárica do Messiah, do Filho Incarnado ou dado à Luz do Mundo pela Divina Mãe, para Glória das Almas e Paz dos Povos. Ainda no simbolismo tradicional, a Luz da Shekinah, que é Kundalini ou o Fogo Criador do Espírito Santo irrompendo do seio da Terra, representa-se pela amendoeira florida, cuja cor branca expressa a Pureza e a Virtude[19], enquanto a sua antítese é a figueira seca, expressiva da Heresia e o Pecado extirpados por Cristo (Marcos, 11:12-14), o Vinhateiro de Deus, figurando a longanimidade do Espírito Santo expressivo da Clemência e da Eleição.
Certamente S. Miguel assistirá igualmente à noção de “religião pátria” desenvolvida em volta da promessa de Advento de Cristo que terá Portugal como a sua peanha, ideia sebástica perfilhada por Carvalho Monteiro da qual deixou sinais óbvios na sua Quinta da Regaleira. Diz Manuel J. Gandra[20]:
“Compreende-se isto em vista da tradição bíblica que faz de Melki-Tsedek, rei e sacerdote, e modelo do Preste João, Rei de Justiça (LEX) e de Salém (PAX), cujos atributos são a balança e a espada, também distintivos de Mikael (Quis ut Deus?).
“A manifestação de Mikael assinala sempre a glória da Shekinah, a Grande PAZ e LUZ do Messias, sendo representado na décima Sephira: Malkuth, com o significado de o REINO e o JUSTO (Tsedek).
“Portugal assume-se, assim, desde os primórdios da sua existência, e com a cobertura de Cister e do Templo, como ungido de Deus, pois que o sacerdócio de Melki-Tsedek, compatível com o conceito de realeza divina, corresponde ao de El-Elion e este ao de Emmanuel, razão fundante para que, no século XVI, o rei D. Manuel, Emmanuel de seu nome e, não menos curiosamente, o décimo quarto Rei de Portugal (aliás como a própria profecias de Isaías exigia), se apresentasse como «Rei de Portugal e do resto», isto é, como Rei do Mundo.
“Corroborando a justeza da nossa reflexão o facto de, através do mesmo monarca, ter sido concedida a Portugal a prerrogativa de invocar S. Miguel como seu Anjo Custódio[21].”
Por tudo isso, quiçá ou decerto, ademais correspondendo ao período áureo da Gesta Dei per Portucalensis, não terá sido por acaso que Carvalho Monteiro escolheu o neomanuelino como estilo de eleição dominante na sua propriedade da Regaleira de Sintra, abundando os símbolos manuelinos sem faltar no palácio o retrato pintado de D. Manuel I, o Venturoso.
António Augusto Carvalho Monteiro prossegue a obra benemérita iniciada por seu pai em Lagos da Beira. Como os quinhentos mil réis cedidos pela Câmara Municipal de Oliveira do Hospital em 22 de Abril de 1908 para a construção da estrada Lageosa – Lagos da Beira não chegasse para pagar as obras e já estando os terrenos expropriados, na sessão de 1 de Maio de 1911 da Câmara Municipal foi apreciado um ofício da Comissão Paroquial de Lagos da Beira datado de 27 de Abril último, participando estar habilitada a custear as despesas necessárias para a conclusão da dita estrada graças à generosidade do dr. António Carvalho Monteiro a quem aquela Comissão se dirigira, expondo-lhe os graves prejuízos que resultavam da paralisação daquela obra. A Câmara Municipal agradeceu em nome de todo o concelho ao ilustre benfeitor, e na acta da sessão da Junta da Paróquia lagoense, de 15 de Outubro de 1911, consta que a conclusão da estrada de Lageosa a Lagos da Beira foi adjudicada ao empreiteiro Luciano Albino Gonçalves pela quantia de seiscentos e quarenta mil réis[22].
Carvalho Monteiro amava Lagos da Beira e o seu povo como poucos. A sua natureza boa e generosa levava-o a tomar atitudes próprias de um rei ou de um senhor feudal com terra sua, como essa de no dia da festa do santo local, S. João Baptista (24 de Junho), da varanda da casa de seus pais (na actual Rua Dr. Carvalho Monteiro) arrojar “à rebatina”, com uma medida de peso de cereal, enormes quantidades de moedas sobre o povo em baixo, logo apanhadas pelos pobres infortunados da vida. A gratidão geral para com o seu benfeitor não foi esquecida até hoje e creio que nunca será.
Quando Carvalho Monteiro quis ampliar a sua propriedade de Quintais deparou-se com o obstáculo da capela de S. Roque, antiquíssima (talvez do século XV ou anterior) mas em estado lastimoso de ruína, situada no largo ou imediações da antiga Praça de S. Roque de que sobra a Travessa do mesmo nome. Então, ele requereu da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, sendo presidente António Freire de Carvalho Albuquerque, autorização para demolir a capela e construir uma nova onde hoje está, fora dos muros de Quintais defronte a esta. A requisição consta na acta da sessão de 9 de Julho de 1897. A autorização foi concedida.
A população lagoense não se opôs, antes agradeceu a demolição da capela arruinada e abandonada pela construção de uma outra da mesma evocação. No Inventário dos prédios e outros bens pertencentes à Junta da Paróquia da Freguesia de Lagos da Beira, consta o seguinte com a data de 6 de Maio de 1870: “Capela de S. Roque – Uma capela em sofrível estado material, em Lagos da Beira, e composta de um altar e sacristia; tem um adro e um campanário com um sino pequeno. Não tem bens”. Não era bem assim, pois no Inventário dos paramentos, vasos sagrados e mais utensílios destinados ao culto, datado de 29 de Setembro de 1872, consta o seguinte: “Um cálice de estanho com copa e patena de prata usada, que pesa 687 gramas; um véu do cálice branco, usado; um dito, encarnado, usado; uma bolsa dos Corporais, branca e encarnada, usada; duas alvas com seus pertences, muito usadas; seis castiçais e Cruz de pau dourado, muito deterioradas; três toalhas do altar muito usadas, e dois manustérgios[23]; uma lâmpada velha e um Missal muito usado; uma galheta com seu prato de estanho; uma campainha de tocar a Santos”. A capela tinha o necessário à celebração da missa, mas tudo muito desgastado, envelhecido e retirando dignidade à celebração. Talvez por isso, na época já não se realizava aí.
Dando cumprimento ao prometido, em substituição da que havia mandado demolir o dr. Carvalho Monteiro mandou edificar um novo templo, também consagrado a S. Roque, encarregando do projecto o seu amigo projectista do Hotel-Palácio do Buçaco, o famoso cenógrafo-arquitecto italiano Luigi Manini, que executou uma verdadeira obra de arte a que não falta o tipo simbológico cristão-hermético peculiar ao pensamento de Carvalho Monteiro. Os trabalhos foram iniciados e concluídos entre 1900 e 1910. Todavia, inexplicavelmente o novo templo demorou a ser entregue, a tal ponto que na sessão de 23 de Março de 1919 o presidente da Junta de Freguesia de Lagos da Beira propôs que a mesma se dirigisse ao dr. Carvalho Monteiro, pedindo-lhe, com todo o respeito, que se dignasse entregar a nova capela à Igreja e ao povo. Apesar de não constar no Livro de Actas da Junta de Freguesia, Tarquínio Hall (in ob. cit.) presume que a capela foi inaugurada em 1921, portanto, já tendo falecido no ano anterior o ilustre mecenas (20.10.1920), ou talvez mesmo nesse ano da sua morte.
A demora na entrega da capela às autoridades eclesiásticas e ao poder local, poder-se-á explicar pelo facto do período conturbado que varria o país, a ponto de a Carbonária, através de um tal Buíça, consumar o regicídio em 1.2.1908 na pessoa de D. Carlos, amigo pessoal de Carvalho Monteiro, e do príncipe real D. Luís Filipe, tendo sido o primeiro passo para a queda da Monarquia e a instauração da República em 5.10.1910, com as consequentes convulsões político-sociais, cuja violência carbonária e republicana se abateu sobre os católicos e monárquicos em todo o país, não escapando Carvalho Monteiro, entretanto preso e julgado à revelia no Tribunal da Boa-Hora, Lisboa, em 1913. De certa maneira, o povo trabalhador e ordeiro de Lagos da Beira, mais católico e conservador que liberal e jacobino, passou incólume à tempestade que varreu Portugal nas duas primeiras décadas do século XX e com o quinto Presidente da República, almirante João do Canto e Castro da Silva Antunes (Lisboa, 19.5.1862 – Lisboa, 14.3.1934), que aliás era Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa desde 1891, houve um período de acalmia e pazes com a Igreja Católica, que certamente foi aproveitado para entregar a capela de S. Roque de Lagos da Beira em 1920 ou 1921 aos seus legítimos destinatários.
Este pequeno templo é uma jóia do imobiliário artístico português merecendo visita obrigatória, o qual Virgílio Correia já catalogou mas com imprecisão no verbete respectivo (talvez por não ter visitado a localidade, talvez por ter se informado mal, talvez, o que não é raro, por ter encomendado o texto a um seu aluno que para agradar ao professor apressou-se a escrevê-lo, mesmo quase de certeza desconhecendo a história local)[24]: “LAGOS DA BEIRA. CAPELA DE S. JORGE – Substitui uma outra que ficava em ponto mais baixo. É dos começos do século XIX, mandada fazer pelo colecionador Carvalho Monteiro, sob projecto de Luigi Manini. Miniatura de um templo de categoria, a capela é um interessante documento, no qual o autor procurou um marcado efeito cenográfico. Os tectos são de madeira, pintados”.
Ora a capela não é dos começos do século XIX mas do XX e tampouco é consagrada a S. Jorge, equívoco óbvio com S. Miguel, cuja capela, próxima desta, era onde se celebravam os ofícios fúnebres antes da ampliação do cemitério cuja entrada ficava defronte a ela.
A pintura do tecto de madeira pentagonal, irradiando por cima do altar, dá ao espaço um sentido de amplidão maior do que possui, em guisa de basílica renascentista, efeito feliz procurado por Carvalho Monteiro e realizado por Luigi Manini. As figuras pintadas são no estilo da Renascença e do Barroco italianos, vendo-se aos pares, em cada caixilho, duas cabeças de Anjos, uma lateral e outra frontal, desta saindo a Taça Eucarística por certo prefigurativa do Santo Graal, simbólico do repositório das mais elevadas influências espirituais. Também aos pares, noutros dois caixilhos, revela-se uma cabeça de Anjo frontal sobre a qual domina uma cornucópia com frutos e flores, símbolo da abundância e da riqueza tanto material como sobretudo espiritual. O conjunto de taça e cornucópia, mantido pelas cabeças angélicas simbólicas da consciência sobrehumana, consequentemente da noção superior que dirigiu o pensamento tanto do artista como do encomendador, significa a influência absoluta do Espírito Santo tanto no Céu (taça) como na Terra (cornucópia), posto que a Taça Sagrada é sempre indicativa da presença da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Finalmente, no caixilho central vê-se o pelicano alimentando os seus três filhotes e que é o emblema franciscano da Eucaristia preanunciado o derradeiro Sacrifício do Senhor, com isso expressando à máxima virtude cardeal da Caridade ou Amor, tema acaso transportando para o sentido da Igreja do Amor com que foi conhecida a corrente gnóstica portuguesa nos séculos XIV a XVI.
O simbolismo do Sacro Pelicano ou Pelicano Eucarístico alimentando os seus sete filhotes (os números destes variam nas várias peças expostas do mesmo teor, mas o número exacto é sete) com a sua própria carne, foi adoptado pelos franciscanos a partir do século XIII como representação da Abnegação, da Caridade e do Amor Paternal. Por esta razão, a iconografia cristã medieval fez dele um símbolo do Cristo Pascal, ainda que exista uma outra razão mais profunda. Símbolo da natureza húmida que, segundo a Física antiga, desaparecia sob o efeito do calor solar e renascia no Inverno, o pelicano foi assumido como figurativo do sacrifício e morte de Cristo e da sua ressurreição, assim como da de Lázaro. Por isto, é que a sua imagem às vezes equivale à da fénix, a ave mítica que morre no fogo e renasce das próprias cinzas. Todo este simbolismo ligado ao Cristo também se funde na chaga do coração donde manam sangue e água, seivas da vida, o que levou o poeta místico Angelus Silesius, no século XVII, a escrever: “Desperta, cristão morto, vê: o nosso Pelicano rega-te com o seu sangue e com a água do seu coração. Se a recebes bem, de imediato ficarás vivo e salvo”[25].
Esse simbolismo de morte e ressurreição do crente em sábio, do confessional em racional, porque todo o que sabe é superior ao que quer entender, transfere para o significado hermético da Páscoa disposta no plano da Alquimia. Inúmeros textos e gravuras medievais e renascentistas fazem eco desse tema, como por exemplo Arnaldo de Vilanova, médico da Rainha Santa Isabel de Aragão e Portugal[26], que na sua obra Os Segredos da Natureza ou O Segredo dos Segredos dá uma descrição dos processos de fabrico da Pedra Filosofal usando a terminologia cristã referente à Paixão de Cristo. Também Basílio Valentino fala da Pedra criada pela Santíssima Trindade. Já no século XV o dogma da Trindade e a Paixão de Cristo foram igualmente empregues no texto alquímico Livro da Trindade[27]. A Argiopeia ou fabrico da Prata, correspondente à Iluminação da Alma, representa-se no Sagrado Coração de Maria, enquanto a Crisopeia ou fabrico do Ouro, correspondente à Imortalidade do Espírito, assinala-se no Sagrado Coração de Jesus, ambas imagens pascais presentes em duas pinturas conservadas na sacristia da paroquial de Lagos da Beira, com toda a certeza coevas de Francisco Monteiro e de seu filho, Carvalho Monteiro.
Carvalho Monteiro mandou fazer as imagens seguintes para a capela de S. Roque: nos nichos laterais, Santa Teresa de Jesus, a carmelita de Ávila, com o livro aberto talvez sendo o seu Caminho da Perfeição, talvez sendo o seu Livro da Vida ou talvez as suas Moradas – Castelo Interior. Num contexto mais particular, acaso poderá ser uma homenagem de Carvalho Monteiro a sua mãe Teresa, homónima daquela, assim sacralizando a sua progenitora. Defronte apresenta-se S. Sebastião, flechado com duas setas e tendo o elmo militar aos pés, indicativo da sua condição de militar mártir que a Cristandade adoptou como sinónimo do ideal de Cavalaria e da própria casta militar cujo chefe supremo era o rei. Por isso Sebastião santo e Sebastião rei emulam-se e confundem-se, como sucede no tema sebástico, vulgo sebastianismo, dispondo Sebastião na linha hermética da Iniciação Senhorial ou Real (curiosamente a toalha do altar é decorada por flores-de-lises), representada pelos Kshatriyas ou ”Cavaleiros” guardiões da Terra Santa, imagem figurativa da Agharta ou Paraíso Terreal, este que Carvalho Monteiro por certo quis dispor idealmente na própria Lagos da Beira. Nos nichos frontais tem-se à direita St.º António com o hábito e o cordão franciscano, contemplando Cristo no Crucifixo entre as suas mãos. No contexto particular poderá muito bem ser a homenagem de António Augusto a seu pai Francisco, homónimo daquele, assim sacralizando o progenitor[28]. Isto reporta novamente ao significado da sigla ACL no portão de Quintais. Finalmente, tem-se à esquerda o Orago desta capela, S. Roque. Trajado de peregrino com bordão e sacola, ostenta a rótula chagada da lepra que o cão aos pés lambe e cura o mal. A “lepra maligna” deixa a dúvida se se trata de uma doença corporal ou de uma doença moral, acaso ambas, registando-se a segunda pela primeira, pois na Idade Média era sinónima de heresia, de crença heterodoxa em conflito com a ortodoxa vigente. Aqui, a cabaça, também aos pés de S. Roque, acaso poderá significar o repositório de algum saber ocultado, impondo uma dupla interpretação que nem por isso suscitará contradição por o racional ser explicativo do confessional, a crença elevada à fé. Se assim é, estar-se-á perante o Iniciado na Tradição Primordial, cujo Caminho é velado pelo cão, eterno companheiro e guia de todo o Adepto da Filosofia Hermética. Sobre isto a ver com S. Roque, diz Juan Garcia Atienza[29]:
“Encontramo-nos perante um dos santos mais equívocos e misteriosos do santoral cristão, perante um autêntico mito a quem parece haver-se escamoteado a realidade palpável da sua existência para configurar uma imagem que, por pouco que se analise, aparece cheia de contradições e, sobretudo, de suspeitas. Contemplando as abundantes imagens de S. Roque que há em inúmeras igrejas, colegiadas, ermidas e catedrais, observa-se em primeiro lugar que é um santo facilmente reconhecível sem que seja necessário perguntar. Aparece sempre vestido de peregrino, aparece sempre acompanhado por um cão, tem sempre uma rótula desnuda, preferencialmente a esquerda, que aponta ostensivamente com o dedo. Nessa rótula luze uma chaga sanguinolenta nas imagens pintadas ou esculpidas depois do Renascimento. Esses três detalhes – peregrino com cão e que assinala a rótula – merecem uma análise sumária.
“O peregrino – pensemos em que nenhum outro santo, com a excepção insólita de Santiago, é representado assim, ainda que muitos tenham sido peregrinos – é a imagem do buscador do Conhecimento, do que percorre um caminho iniciático em busca de um saber que irá descobrindo ao longo das distintas etapas.
“O cão é, na linguagem iniciática, o animal-guia do sábio, o companheiro que concede a Divindade ao adepto para encontrar o caminho a que se propôs. Recordemos que o cão, o lobo, acompanham S. Francisco de Assis, S. Bernardo de Claraval, Tobias, Santa Quitéria e os santos caçadores (que também são considerados buscadores ou rastreadores da Verdade).
“A rótula esquerda desnuda é sinal inequívoco de iniciação na linguagem esotérica. Uma iniciação que eventualmente – sobretudo entre as irmandades de construtores – está relacionada com a rótula do compasso que serve para traçar os planos da Casa de Deus e que, em todo o caso, desde as primitivas sociedades iniciáticas até ao ritual maçónico serve para que os adeptos reconheçam quem recebeu a iniciação. Assinalá-la é chamar a atenção do que sabe sobre a condição de quem a exibe. Neste sentido, a chaga é um aditamento totalmente espúrio, posta ali precisamente pelos que desconheciam o significado real da rótula desnuda… ou por aqueles queria dissimulá-lo a todo o custo.”
Tão grata memória deixou António Augusto Carvalho Monteiro em Lagos da Beira que tanto o povo quanto a edilidade e o eclesiástico nunca esqueceram o seu grande amigo benfeitor. Por motivo da sua morte, em 28 de Outubro de 1920 foi convocada uma sessão extraordinária da Comissão Paroquial com o fim exclusivo de prestar culto de homenagem à sua memória, falecido três dias antes. Referindo-se à sua morte, o presidente da Comissão Paroquial, professor José João da Fonseca, afirmou ter-se perdido uma das maiores glórias desta sua terra adoptiva que lhe deve tantos benefícios. Traçando o perfil do ilustre benemérito e amigo incondicional de Lagos da Beira, José João da Fonseca acrescentou: “Sua Excelência era não só um carácter filantrópico e altruísta, que albergava uma alma generosa e franca, mas também um sincero amigo da humanidade enferma e desprotegida”[30].
Sob o Sol que se despede ao cair da tarde, Lagos da Beira enche-se de beleza despendida do céu onde o poente de fogo e o verde do campo se acasalam em nuances azuis antes de se despedirem do dia. Além, no horizonte, recorta-se na paisagem a Serra do Caramulo que esconde atrás o Buçaco e seus mistérios, de onde um dia Carvalho Monteiro para aqui trouxe o arquitecto Manini que também sabia gizar na Terra as belezas do Céu.
Lagos da Beira é terra que deslumbra e entontece, desafia os sentidos engalanando a imaginação esperando da noite um novo dia com o mesmo Sol e as mesmas tintas do entardecer que finda. Com Tarquínio Hall o digo: “Um por todos e todos por um”! É a grei que faz lei em terras lagoenses, pois o espírito de entreajuda é regra de ouro, bem como o amor ao próximo, o civismo sempre presente nas relações sociais. Por isso, como o poeta e ensaísta desta terra também acredito que se Cristo descesse novamente à Terra, como nos tempos bíblicos, na sublime missão de espiritualizar e apaziguar as almas humanas, por certo visitaria esta humilde paróquia que Deus sabe ser povoada de gente profundamente crente, pacífica, trabalhadora e hospitaleira.
NOTAS
[1] Alexandre Herculano, História de Portugal, desde o começo até ao fim do reinado de D. Afonso III, revista e anotada por José Mattoso, 4 volumes. Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1981.
[2] Tarquínio Hall, Lagos da Beira – Subsídios para a sua História. Edição da autarquia, Oliveira do Hospital, 1997.
[3] Tarquínio Hall, Concelho de Oliveira do Hospital – Subsídios para a sua História. Edição da autarquia, Oliveira do Hospital, 1998. O autor noticiou a descoberta da lápide pela primeira vez no Jornal A Comarca de Arganil, 9.6.1992.
[3] Vitor Manuel Adrião, Portugal Templário (Vida e Obra da Ordem do Templo). Madras Editora Ltda, São Paulo, 2011. Com o mesmo título esta obra foi editada anteriormente pela Via Occidentalis Editora Lda. em Setembro de 2007, Lisboa.
[4] As têmporas eram dias de jejum religioso nos quais os católicos portugueses não comiam carne, substituindo-a por panados fritos de legumes e peixes.
[5] Saint Andrew of Crete, texto inserto na edição de 1913 da Catholic Encyclopedia. The Encyclopedia Press, Washington.
[6] Fr. Lucas de Santa Catarina, Malta Portugueza: Memorias da nobilíssima e sagrada Ordem dos Hospitalarios de S. João de Jerusalem, especialmente do que pertence à Monarchia Portugueza. Lisboa, Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1734.
[7] Rui Pinto de Azevedo, Algumas achegas para o estudo das origens da Ordem de S. João do Hospital em Jerusalém, depois chamada de Malta, em Portugal. Revista Portuguesa de História, tomo IV, pp. 317-327.
[8] Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal. Edição dirigida por Damião Peres, volume I, Portucalense Editora, Porto, 1967.
[9] António de Vasconcelos, Oliveira do Hospital e o seu Escudo de Armas. Coimbra Editora, 1931.
[10] Vários, Breviário Bracarense de 1494. Edição fac-similada do exemplar da Biblioteca Nacional de Lisboa com introdução de Pedro Romano Rocha. Edição Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1989.
[11] Armando de Sacadura Falcão, Subsídios genealógicos para o estudo de algumas famílias da Beira Baixa. Carvalho Daun e Lorena, volume I. Separata de Estudos, Castelo Branco, 1964.
[12] Vitor Manuel Adrião, Guia de Lisboa Insólita e Secreta. Editorial Jonglez, Versailles, Abril 2010.
[13] Pelo testemunho dado pelos familiares e amigos de António Augusto Carvalho Monteiro, essas eram precisamente as suas principais qualidades que causavam admiração a todos.
[14] Leonor Figueiredo, Palácio de Fadas espera em Sintra um multimilionário. Jornal “Correio da Manhã”, 29.1.1985.
[15] Registo Geral de Mercês, D. Pedro V, Liv. 8, fl. 83. Carta de Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa passada a Francisco Augusto Mendes Monteiro, 19.1.1856. Documento simples, código de referência PT/TT/RGM/1/244443.
[16] Catecismo da Igreja Católica. Gráfica de Coimbra, Lda. – Libreria Editrice Vaticanna, para a edição portuguesa. Coimbra, 1993.
[17] Henri Corbin, Necessité de l´angeologie in L´Anje et l´Homme. “Cahiers de l´Hermetisme”, Albin Michel, Paris, 1978.
[18] António Castaño Ferreira, Egipto – Grécia – Bíblia. Aulas reservadas do autor cerca de 1950. Edição privada da Sociedade Teosófica Brasileira.
[19] René Guénon, O Rei do Mundo. Editorial Minerva, Lisboa, 1978.
[20] Manuel J. Gandra, Portugal: Terra Lúcida, Porto do Graal in Cavalaria Espiritual e Conquista do Mundo. Gabinete de Estudos de Simbologia, Instituto Nacional de Investigação Científica, Lisboa, 1986.
[21] Só S. Miguel Arcanjo poderia ter sido investido na função de Anjo Custódio de Portugal, pois a ele compete por missão velar pela Terra dos Vivos e pelo Oceano dos Mortos, visto ser o Guardião do Umbral entre a Vida e a Eternidade. Ao solicitar ao Papa o Breve vinculando esse Arcanjo a Portugal, D. Manuel deu consistência legal e oficial a um costume certamente bastante antigo, de que a misteriosa Ordem da Ala de S. Miguel (presumivelmente criada por Afonso Henriques para comemorar a intervenção daquela entidade na expugnação de Santarém) constituía uma reminiscência. Embora de âmbito nacional, o Breve papal não se aplicou em todo o país. Boa parte dos missais e breviários impressos em Portugal nos séculos XVI, XVII e XVIII não traz nem a missa nem o ofício do Anjo Custódio. Apenas em Coimbra, Évora e Braga são postas em prática as determinações daquele documento pontifício (breviários de 1531, 1548 e 1549, respectivamente; o primeiro missal que traz a missa do Anjo Custódio do Reino é o de Braga, impresso em Lião de França em 1558 por ordem de D. Fr. Baltasar Limpo). O culto expandiu-se como resultado do envio de ordens do monarca a todos os municípios. Conhecem-se dois alvarás dirigidos às Câmaras de Évora e Coimbra. No de Évora (7 de Junho de 1504), autógrafo, é manifesto o cabal conhecimento da «Doutrina dos Génios»: «(…) Fazemos-vos saber que havendo respeito a como Nosso Senhor Deus, por salvação de nossas almas, conservação e alongamento de nossas vidas, quis ordenar em cada reino, cidade e lugar, e assim a cada um de nós outro(s), anjos que nos guardassem de todo o mal, e nos provocassem a bem fazer; e sentindo-o assim por serviço de Deus, Nós, com os Prelados de nossos reinos, ordenamos ora novamente, que em todos nossos reinos e senhorios (…) em cada um ano, em o terceiro domingo do mês de Julho, se faça solene memória deste Anjo, nosso guardador (…)» (Arq. Mun. de Évora, Livro III dos Originais, doc. n.º 17 a fl. 22, «ap.» Biblioteca Pública de Évora/Casa Forte: Est. I, n.º 73).
[22] Tarquínio Hall, Lagos da Beira – Subsídios para a sua História. Edição da autarquia, Oliveira do Hospital, 1997.
[23] Manustérgio (do latim, manutergiu) ou tersol: pequena toalha de linho, geralmente bordada, com que o celebrante enxuga os dedos após o momento do lavabo.
[24] Virgílio Correia, Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Coimbra, pp. 168-169. Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1953.
[25] Vitor Manuel Adrião, Paris Méconnu. Éditions Jonglez, Versailles, 2012.
[26] Significativamente a imagem da Rainha Santa Isabel está presente na igreja matriz de Lagos da Beira, para onde se dirige a procissão anual saindo da capela de S. Roque no dia festivo do santo da terra, S. João Baptista.
[27] J. Van Lennep, Arte e Alquimia. Editora Nacional, Madrid, 1978.
[28] É muito sintomático que o Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o ano de 1853, organizado e redigido por Eduardo Laemmert, ordenado com o retrato da Sereníssima Princesa D. Maria Amélia, refira na página 269 Francisco Augusto Mendes Monteiro como irmão leigo da Irmandade e Hospital da Santa Casa da Misericórdia da Ordem Terceira de S. Francisco na capital carioca, onde é apresentado como tesoureiro e com domicílio na Rua Direita, n.º 23. Essa Irmandade fora fundada em 14 de Janeiro de 1738 por Fr. Romão de Matos Duarte e tinha a sua sede na Rua de Santa Teresa, n.º 7, estando sob a protecção perpétua do imperador.
[29] Juan G. Atienza, Santoral Diabólico. Ediciones Martínez Roca, S. A. Barcelona, 1988.
[30] Tarquínio Hall, ob. cit., página 117.
Comentários Desativados em Lagos da Beira e a Família Carvalho Monteiro – Por Vitor Manuel Adrião
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