Barcelona mágica, encantada e misteriosa – Por Vitor Manuel Adrião Terça-feira, Abr 19 2011 

O menir de Pedralbes

 

Há mais de 7000 anos, no Neolítico, os povos antigos construíam “caixas” (arcas) para realizar os enterros e erigiam, com grandes pedras, dólmens que serviam depositar dentro deles, individual ou colectivamente, os seus mortos. Estes primitivos monumentos líticos serviam dessa maneira para cultos mágicos de natureza necrolática, e quando próximos de menires ou enormes pedras erectas reflectindo falo masculino, destinavam-se a captar as energias telúricas e utilizá-las em seu próprio benefício, geralmente com finalidades agrárias ou a ver com as semeaduras e colheitas em solo fecundo. Com a passagem do tempo e a evolução da sociedade humana, muitas das primitivas “arcas” sepulcrais acabaram dando nome às zonas onde estavam instaladas, como se repara no caso do bairro barcelonês do Camp de l´Arpa, “Campo da Arca”, referido no documento de 1037 do Cartório de Sant Cugat del Vallés, com a forma ad ipsa archa, onde se utilizava este monumento funerário para definir os limites territoriais.

Com efeito, de todas as cidades catalãs a de Barcelona seria a mais rica em dólmens, menires e outras estruturas megalíticas, apesar da maioria delas se ter perdido com o tempo, excepto o menir de Pedralbes que foi enterrado e só se vê a ponta extrema, sendo motivo de espanto e interrogação sobre o que será essa estranha pedra.

Na Idade Média, o mosteiro de Pedralbes estava cercado por uma forte e espessa muralha da qual, actualmente, só se conservam duas torres de vigia e duas das portas de acesso, uma a este e outra a oeste. Precisamente no meio da porta oeste da desaparecida muralha há uma pedra que será um dos vestígios mais antigos de Barcelona: trata-se do Menir do Anjo. Possivelmente os mestres-de-obras que levantaram o mosteiro respeitaram e integraram este antigo lugar sagrado poupando o menir, assim servindo de referência para a energia concentrada dentro do edifício religioso. A lenda diz que quem der uma forte cabeçada nessa pedra ouvirá dentro dela os anjos a cantar. Se é verdade ou não, fica a certeza ao cuidado de quem experimentar…

Dentre outros significados, o menir parece ter desempenhado um papel de guardião de sepultura, e geralmente era colocado ao lado ou abaixo “arca” mortuária. A pedra tem o atributo de proteger contra os animais, os ladrões e, sobretudo, a morte, pois nos mesmos moldes de incorruptibilidade da pedra, a alma do defunto devia subsistir indefinidamente sem se dispersar. O eventual simbolismo fálico das pedras pré-históricas confirma esse sentido, por o falo ser símbolo masculino da existência, da força e da duração, e desta maneira, postado junto da “arca”, igualmente de protecção e vigilância.

Para Júlio César, os menires eram simulacros do deus Mercúrio, tal como as colunas quadradas eram do deus Hermes, ambos os deuses intermediários ou psicopompos entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Nas tradições celtas, esses cenotáfios ou estelas funerárias eram adornadas em honra dos grandes druidas no limite da terra dos vivos, diante da planície feliz onde sobrevivem os mortos. Essa aparição da pedra, litofania, evocava a permanência incorruptível de um poder superior e de uma vida intemporal. Nisto, a pedra aparenta-se ao simbolismo da árvore da vida e ao eixo do mundo por sua condição de inalteráveis.

Regista-se também estátuas-menires masculinas e femininas, ornamentadas, cujo sentido tradicional é o de fogo e fecundidade, encontrando-se também nisso o binómio morte-vida, ou seja, o fogo que consome e a fecundidade que gera. Portanto, o significado geral do menir será o de guardião da sepultura e da vida.

Além do Menir do Anjo, sobrevivem referências históricas a outros monumentos megalíticos em Barcelona, apesar de desaparecidos com o tempo. Junto ao Rio Besós, diz-se que existiu um dólmen que estava junto da igreja paroquial de Sant Martí Provençals, sobre o qual se erigiu esse precioso templo românico. Também muito próximo do actual jardim botânico de Montjuic encontrava-se um outro dólmen. Este megalito ainda estava poderosamente levantado na segunda metade do século XIX, junto ao caminho que subia para a enorme fortaleza que coroa a montanha, perto das ruínas da ermida de Sant Antoni, e foi destruído nas últimas décadas desse século. Diz-se que no centro da pedra estava gravada uma cruz, provavelmente obra feita a posteriori por algum religioso da época.

Onde hoje está a estátua de Santa Eulália, na Plaza del Pradó (“Padrão”), existiu um menir de proporções consideráveis, que os romanos conservaram com o propósito de utilizá-lo para delimitar a Via Augusta que unia a capital imperial com Tarraco, e que passaria pelas actuais ruas de Pere IV, Hospital, Mistral e Creucoberta.

Um outro menir estaria situado nas imediações das Ramblas, no pátio interior dum edifício próximo à fonte de Canaletas. O lugar era conhecido como o “Pati del Carall” (pela forma fálica do menir) e foi famoso até aos inícios do século XX. Actualmente desconhece-se o seu paradeiro, apesar do famoso folclorista catalão Joan Amades, no seu livro Histories i Llegendes de Barcelona, situá-lo no número 11 da famosa rua Tallers, com o nome de “Pati de Sant Sever”, descrevendo-o como “um lugar de vício e de bebida, centro de reunião de estudantes e de soldados”. Afirma que no centro do pátio, ao lado da taberna, alçava-se uma pedra a modo de fonte. Não é de descartar que essa pedra fosse resquício do tão procurado monumento megalítico. Actualmente, no número 11 da rua Tallers está instalado um famoso cabeleireiro.

Diz a lenda que António Gaudí começou a sua obra magna da catedral da Sagrada Família num enclave marcado pelas forças telúricas da Mãe Natureza, em sua época não cristã. Uma marca situava o lugar exacto, e esta marca era um dos poucos dólmens que restavam na Barcelona do século XIX. Actualmente é a cripta onde está sepultado Gaudí, o místico que foi o grande génio da arquitectura catalã.

 

O túmulo iniciático de Batló

 

O jazigo da família Batló está no cemitério de Montjuic e atrai as atenções pela imponência das suas formas e decoração. Certamente causará estranheza a muita gente as figuras insólitas deste jazigo inspiradas nos símbolos da Tradição Antiga e que parecem transmitir um mundo revelações ocultas.

No topo do jazigo tem-se sobre um pedestal o Anjo da Morte, tendo na sinistra a foice na sinistra e com a destra levanta a taça. Representa o Guardião das Almas que é igualmente o Guia das mesmas na derradeira viagem da Terra ao Céu, da morte corporal à imortalidade espiritual, sendo a foice, semelhante ao signo astrológico de Saturno, indicativa da dor prostrada (por isso está declinada, assinalando o corpo prostrado, colhido ou de vida falecida, finada), enquanto o cálice, fazendo as vezes de ampulheta, indica a saudade, sentimento de amor perdurando no tempo nas gerações descendentes dos finados.

A iconologia do Anjo soberano sobre o jazigo remete para o simbolismo grego do deus Cronos ou o Saturno dos romanos, que na tradição religiosa órfica aparece livre das suas cadeias reconciliado com Zeus ou Deus, o Supremo Eterno, representado por Júpiter, no topo do panteão dos deuses paradisíacos de quem os mesmos descendem. Cronos, o Tempo, habita com Zeus, o Intemporal, na Ilha dos Bem-Aventurados, o Olimpo ou Campos Elísios que no Cristianismo é identificado ao Paraíso Divino, e no Judaísmo à Jerusalém Celeste. Por isto Cronos, depois de todos os seus suplícios mortais reflectidos pelas atribulações da vida de todo o ser humano, passou a ser considerado um deus bom e o primeiro a reinar sobre a Terra e o Céu, fundando a Arcádia ou Idade de Ouro, como sendo a primeira manifestação divina do Criador, enquanto a última do Final dos Tempos será a do regresso da mesma Idade de Ouro mas presidida por Júpiter, tendo imediatamente abaixo Saturno que, astrologicamente, é considerado o aspecto inferior daquele planeta, chamando-se à conjunção dos dois esplendor celeste.

Com isso se relacionará a atribuição tradicional do etimólogo catalão Montjuic, ou seja, “Monte dos Judeus”, motivada pela existência, confirmada pelos documentos e a arqueologia, de um cemitério judeu nesta montanha que, na Idade Média, fez parte dos domínios da Ordem do Templo. Igualmente contempla-se a possibilidade deste topónimo recuar ao período romano e advir da forma latina Mons Iovis, ou seja, Monte de Júpiter, nome mencionado por Pomponio Mela na sua Corografia.

Ladeando a entrada no jazigo, têm-se sobre colunas dois Anjos, o da esquerda, de quem olha de frente, com o círio representativo da ressurreição espiritual. É assim que as velas que ardem nos quatro cantos angulares junto a um defunto (devendo haver mais três sobre o altar, representando a Santíssima Trindade) simbolizam a luz da alma em sua força ascensional, a pureza da chama espiritual que sobe para o Céu, a perenidade da vida pessoal que chega ao seu zénite. A aura circundando a cabeça deste Anjo masculino forma a letra grega ómega, que quer dizer “fim”, e dentro dela desenham-se sete estrelas, representando os Sete Espíritos diante do Trono de Deus (Mikael, Gabriel, Samael, Rafael, Sakiel, Anael, Kassiel perante o Eterno), ou sejam os Sete Arcanjos emissários de Deus junto da Humanidade que os evoca para que Deus interceda através deles beneficiando-a de quanto necessita mental, emocional e fisicamente, pois que Deus e a Sua corte de deuses tudo podem tanto na vida, como na morte e na imortalidade do Homem, conforme descrevem as escrituras sagradas judaicas e cristãs, e também islâmicas, para não falar nas milenares tradições religiosas do Extremo Oriente.

À direita, de quem olha de frente, tem-se o Anjo feminino com uma palma florida circular, repetindo-se o tema da ressurreição da alma. As palmas de Ramos, equivalendo ao buxo europeu, prefiguram a Ressurreição de Cristo após a tragédia do Gólgota; a palma dos mártires tem o mesmo significado e assim ficando a tradição de depor palmas de flores junto aos corpos falecidos. Tem-se assim que o pé de buxo significa a certeza da imortalidade da alma e da ressurreição espiritual dos mortos.

Aos pés dos Anjos, estão mochos, estas as aves da noite áugures do mistério do advir, sendo igualmente simbólicas da prudência e da sabedoria. A prudência representada pelo Anjo feminino, que equivale ao silêncio dos fiéis; a sabedoria assinalada no Anjo masculino, prerrogativa da luz dos sábios.

Sobre a porta do jazigo, a guisa de listel, vêem-se duas asas abertas de águia tendo ao centro, inscrito num círculo, o Crisma ou iniciais gregas do nome de Cristo. Assinala a presença do Espírito de Cristo como Segunda Pessoa ou Hipóstase do Logos Eterno acolhendo em Si quantos transpõem este portal da morte para aí terem a última morada e repouso eterno na paz dos justos.

Sobre a família Batló, sem dúvida que o membro mais destacado foi o seu patriarca José Batló Casanovas, importante industrial têxtil barcelonês no final do século XIX e inícios do seguinte. Relacionou-se com o arquitecto Antoni Gaudí (1852-1926) que foi o representante máximo do modernismo catalão, próximo da arte neogótica em que também foi mestre e a qual se distingue pela forte carga simbólica religiosa, como se vê neste jazigo fúnebre que não sendo neogótico todavia impressiona pelo modernismo dos seus símbolos eternos, cuja arquitectura revela uma simbiose perfeita entre Tradição e Inovação na mais singular ou original solução e cuja mensagem final subentendida revela-se eterna aos vivos defrontando-se com este jazigo enigmático.

 

A igreja “mitraica” de Saint Just i Pastor

 

A igreja dos santos Justo e Pastor é das mais antigas de Barcelona e possivelmente a melhor conservada. Foi o primeiro templo barcelonês consagrado ao Deus Verdadeiro do Cristianismo, como reza a tradição local fazendo recuar a sua origem ao século IV, apesar de só estar documentado desde o ano 801, quando o rei franco Luís o Piedoso impulsionou a sua reconstrução, e a advocação actual está testemunhada desde o século X.

Este templo foi cedido pelos esmoleiros de Mir, no ano 985, na catedral da cidade com todos os bens, dízimos, primícias e direitos paroquiais. A sua construção, como se pode ver actualmente, começou a 1 de Fevereiro de 1342 e prolongou-se até 1574. Foi o último dos grandes templos góticos de Barcelona, e em 1948 o Papa Pio XII outorgou-lhe o título de basílica menor.

O que distingue esta igreja das outras é o facto de estar assente sobre um primitivo mitreo ou templo mitraico romano, onde se cultuava o deus solar Mitra que depois os cristãos identificaram a Cristo, resgatando para este todos os atributos e símbolos daquele, inclusiva a mitra que os bispos levam na cabeça. O antigo mitreo subterrâneo passou a ser, desde cerca do ano 65 d. C., um hipogeo onde os cristãos perseguidos pelas autoridades romanas se escondiam para celebrar os Mistérios Sagrados e receber os Santos Sacramentos. É assim que a crença popular indica que sob o recinto da actual igreja existe um labirinto subterrâneo onde os primeiros cristãos se reuniam em segredo. Eles iam ali recolher o sangue e as cabeças dos mártires imolados, num anfiteatro romano que ficava próximo desta igreja, com o fim de rezar pelas almas dos mortos. Essa cripta foi fechada em 1723, quando se construiu a sepultura comum para depositar os cadáveres dos beneficiados de São Justo, segundo a descrição do reitor D. Francisco Gloria y Bosch. O pavimento da cripta era em mosaico de pedras brancas e azuis.

Cabe explicar que a perseguição e a morte dos cristãos terminou no ano 324 com a conversão do Imperador Constantino, baptizado pelo Papa São Silvestre, e desde então pôde começar-se a construir às claras igrejas nos lugares onde antes os fregueses ou “filhos da Igreja” se reuniam em segredo.

Esta igreja dos santos Justo e Pastor erigiu-se sobre o antigo templo românico onde havia a capela de São Celónio. Este Celónio quer dizer Sol, Ser Solar, e nisto identifica-se plenamente ao significado de Mitra, o Deus Solar, cuja celebração foi a mais importante da Antiguidade mediterrânica e os seus Mistérios eram em tudo idênticos aos de Cristo, desde ter nascido de uma Virgem, predicado o culto da Pureza e Sabedoria até ser morto e ressuscitar três dias após a sua Paixão.

Advirá desses tempos antigos o culto prestado à Virgem Negra que hoje aqui se celebra, como Nossa Senhora de Montserrat, desde quer no século XII os beneditinos e templários o promoveram em Barcelona. Essa imagem milagrosa pode muito bem ser a versão cristã da Virgem Imaculada Mãe de Mitra, ou seja, Anihata ou Anahita, e igualmente da Deusa-Mãe Ísis, a Virgem Negra simbólica da Sabedoria Divina cujo culto os romanos herdaram do Egipto e trouxeram para a Europa, mormente para a Península Ibérica. Montserrat será assim o “Monte Cerrado”, espécie de cripta ou hipogeo onde se celebram os mistérios iniciáticos da Mãe Divina. Por isso Ela é negra, cor do ausente ou escondido.

Os santos Justo e Pastor, também conhecidos como os Santos Meninos, segundo o hagiológio nasceram em Tielmes (Madrid) e foram os mártires hispano-romanos executados no ano 304 em Alcalá de Henares por ordem do governador Daciano, durante a perseguição do imperador Diocleciano. Justo e Pastor, que contavam com 7 e 9 anos de idade, respectivamente, haviam se negado a abjurar ao Cristianismo. Também este santos poderão ser a adaptação greco-romana dos dióscuros ou “gémeos divinos” Pólux e Castor, isto é, Justus e Pastor. Esses dióscuros eram filhos de Zeus ou Deus, que agraciou Pólux com o dom da imortalidade. Por serem inseparáveis, quando Castor morreu Pólux recusou a imortalidade enquanto permanecesse separado do seu irmão. Então ficou decidido que os dois irmãos passariam metade do ano juntos no Mundo Subterrâneo da Terra e a outra metade no Céu, onde Zeus transformou e dispôs Castor e Pólux na constelação de Gémeos.

Esse posicionamento alternado no Mundo Subterrâneo e no Céu, igualmente enquadra os santos na dupla categoria simbólica de irmãos e meninos. Como meninos irmãos, além de abundarem na iconografia helénica da dupla figura dos supracitados meninos Castor e Pólux, são também representados entre os latinos como Rómulo e Rémulo amamentados pela Loba Itálica, lenda esta reportando à transmissão da sabedoria ancestral representada pela amamentação de crianças gémeos pela Loba ou Lupe, ou seja, a “Noite”, indicativa do que está oculto, cerrado como Ísis por detrás dos seus véus. No Cristianismo, Jesus chama de irmão a João, já no Calvário, e repete-se a tradição dos “gémeos divinos”, que depois se repetirá mais uma vez em Justo e Pastor. Os gémeos são sempre representados como realizadores de gestas sobre-humanas, heróis mareantes aparecendo não se sabe donde e agindo como uma espécie de guias ou manus, iniciadores de civilizações e fundadores de cidades: Rómulo e Rémulo fundam Roma; Castor e Pólux iniciam a civilização helénica; os dióscuros galos, Momoros e Atepomaros, fundam Lugdunum (Lyon); Justo e Pastor morrem antes de terem crescido, porém são a origem da grandeza de Complutum (Alcalá de Henares), e sob a sua advocação é fundado o outro Compludo do Bierzo.

Resta ainda outra circunstância a considerar. Na mitologia celta irlandesa existem irmãos “de leite”, gémeos não genéticos e sim de educação comum, numa espécie de irmandade eleita ou de iniciação compartilhada, com um fim determinado. São aqueles que, iguais a dois cabalistas, haverão de alcançar o grau mais elevado do conhecimento trabalhando unidos na interpretação do mistério da semântica sagrada, tornando-se capacitados para aceder aos mistérios mais elevados da Tradição Sagrada graças à união dos seus esforços conjuntos. O diálogo entre os dois meninos mártires, Justo e Pastor, narrado nas actas e que Santo Ildefonso reproduz, não é mais do que uma versão – ao cristão e ortodoxo – dessa força redobrada: “Com gosto te farei companhia no martírio, para alcançar contigo a glória desse combate”, responde pressurosamente Pastor aos ânimos que lhe dá Justo. A consequência só poderá ser, necessariamente, o prodígio, traduzido aqui no reconhecido poder sobre a Natureza, reconhecendo-se nesta igreja da Virgem Negra e dos Santos Meninos o testemunho incontestável da energia de ordem sobrenatural capaz de actual directamente sobre a matéria e originar os maiores prodígios que o povo chama de miraculosas intervenções divinas.

Conclui-se que a hagiografia de Pólux e Castor é essencialmente a mesma da dos santos Justo e Pastor, nas suas linhas gerais. Diversos autores afirmam que o mito dos santos Justo e Pastor não é outra coisa que a cristianização do culto a Pólux e Castor, irmãos que se queriam mutuamente por um grande amor fraternal, tal como os meninos santos Justo e Pastor. E tal como Castor morreu primeiro, assim também aconteceu com Pastor. Posto no céu por Zeus, segundo a mitologia, Castor é realmente um conjunto de 13 astros. Pois bem, nesta igreja de Santo Justo e Pastor vê-se no seu tecto 13 escudos com águas simbólicas, e curiosamente, ao unir-se esses 13 escudos entre si, de forma imaginária, aparece a constelação de Gémeos – Pólux e Castor.

 

Santa Maria do Mar, a catedral dos grémios

 

A basílica de Santa Maria do Mar é o mais notável exemplar espanhol da arquitectura sagrada deixada pelos monges-construtores medievais que constituíram, por assim dizer, a primitiva Maçonaria Operativa.

Edificada sobre um antigo anfiteatro ou arena romana entre 1329 e 1383, esta igreja gótica catalã, situada no bairro da Ribeira, foi obra dos mestres construtores Berenguer de Montagut (o desenhista principal do edifício) e Ramón Despuig, tendo em 1929 recebido o título de basílica menor outorgado pelo Papa Pio XI.

Parece que na construção desta basílica menor de Santa Maria do Mar participou activamente toda a população da Ribeira, especialmente os descarregadores do cais, chamados calafates da Ribeira ou bastaixos, os quais carregavam as enormes pedras destinadas à construção da igreja desde a pedreira real de Montjuic e desde as praias onde estavam os barcos que as traziam para Barcelona, até à mesmíssima Praça do Borne, carregando-as às costas uma a uma. A porta principal da igreja homenageia os bastaixos que ajudaram na sua construção, a partir da primitiva capela de Santa Maria das Areias que se desenvolveu até tornar-se nesta majestosa e impressionante catedral catalã.

De acordo com a geografia sagrada barcelonesa, esta basílica de Santa Maria do Mar é um dos vértices do triângulo equilátero formado pela disposição estratégica de três templos emblemáticos de Barcelona: este mesmo templo mariano, a catedral da cidade e a desaparecida igreja gótica do convento de Santa Catarina, e foi por isto que até recentemente Barcelona era conhecida como “a cidade das três catedrais”, estas apontando uma espécie de geografia sagrada no mapa da cidade sob a égide da Deusa Mãe, por os três templos terem por oragos santas representativas, no hagiológio ou santoral, do próprio Eterno Feminino assinalado no topónimo aramaico Bargala, latinizado Barcala, donde se originaria Barcelona, ou seja, a “Filha (bar) do Monte Sagrado (callus)”, muito possivelmente apontado por Montjuic, onde se reuniram as primeiras populações barcelonesas.

A catedral de Santa Maria do Mar não tem par em toda a Europa, pela igualdade das suas naves e a separação de 15 metros entre os pilares, inclinando-se para a ideia de espaço único apesar de constituir-se de três naves. Segundo o historiador de Arte, José Bracons, a unidade de medida básica utilizada em Santa Maria del Mar era o pé medieval de 33 centímetros. Medidas dessa maneira, as capelas laterais da catedral têm 10 pés de comprimento, enquanto a largura dos corredores laterais são o seu dobro, apesar do corredor central ser quatro vezes mais comprido que as capelas, ou seja, ter 40 pés. A largura total da igreja é assim 100 pés medievais, que também é igual à altura máxima do edifício.

Este templo revela-se uma maravilha gótica e um prodígio da matemática e geometria sagradas herdadas pelos grémios medievais da ciência pitagórica em voga na ocasião; toda a igreja constitui-se num jogo numérico perfeito em que toda a sua simbologia está calculada até ao mínimo detalhe. Cada peça encaixa com perfeição formando um puzzle perfeito em que se desenha um quadrado onde se pode inscrever uma circunferência, vindo a constituir a quadratura do círculo, teoria geométrica cuja ideia é a de envolver o quadrado da terra pelo círculo do céu, ou seja, o espaço humano dos fiéis pelo intemporal da presença Divina.

É por isso que o estilo arquitectónico desta basílica plasma perfeitamente a ideia de que “Deus é Infinito e Eterno” (Omnipotente, Omnisciente e Omnipresente), e daí encontrar-se nas suas portas o Cronocrator ou Cosmocrator, termo grego utilizado na liturgia bizantina para definir o “Criador e Governador do Universo”, Aquele que está acima de todo o Tempo e de todo o Espaço. Esse sentido cósmico dado pela planta do templo, é reforçado pela presença dos símbolos zodiacais gravados nas vigas das portas, transmitindo a ideia de passagem do mundo humano limitado ao espaço ilimitado repleto de estrelas e constelações criadas pelo Cosmocrator.

Também chamada “catedral dos grémios”, Santa Maria do Mar conta com quatro portas que simbolizam os quatro tempos do ano litúrgico: ciclo do Natal (celebração do Nascimento de Cristo), ciclo da Páscoa (celebração da Morte e Ressurreição de Cristo), ciclo comum (celebração dos Mistérios de Cristo) e ciclo santoral (celebração dos santos da Igreja).

Falando de portas, as duas laterais são chamadas Puerta de los Sombreros e Puerta de los Morereros, sendo aquela a mais antiga, e a mais nova é a Puerta de Born. Esta última conta com várias esculturas de carregadores (bastaixos), e que é uma clara homenagem dos canteiros àqueles que transportaram as pedras da pedreira de Montjuic. Uma tradição gremial, conta que a construção da igreja de Santa Maria do Mar durou tantos dias quantas pedras tem. A cada manhã, os canteiros lavravam uma pedra nas faldas de Montjuic e os bastaixos carregavam-na até ao lugar da obra, e aí os mestres pedreiros colocavam-na no lugar correspondente.

Santa Maria herda o título de Senhora do Mar porque desde o primeiro momento os marinheiros e pescadores de Barcelona se encomendam a Ela e Nela buscam refúgio seguro nas horas de aflição no mar revolto. Prerrogativa carmelita herdada do episódio bíblico ocorrido com o profeta Elias que invocou as “águas celestes” para caírem sobre Jerusalém num tempo de grande seca, no que foi atendido pela Misericórdia Divina a quem apodou de Stella Maris, “Estrela-do-Mar”, esta apontada como sendo Vénus, planeta “feminino” por excelência, como o reconhece a Tradição Espiritual; Santa Maria (Mariae, Maris, Mareum) acaba equivalendo ao Oceano da Vida sobre o qual sopra o Espírito Santo ou da Santidade trescalando da própria pessoa da Mãe Divina, assumida como as Águas Primordiais, o Mar da Criação.

Por essa razão, os antigos escritores judeus afirmam claramente que o Mar é uma criação de Deus (Génesis, 1, 10), que Ele pode ser submetê-lo (Jeremias, 31, 35), que Ele pode secá-lo para que a humanidade dos fiéis passa atravessá-lo com segurança (Êxodo, 14, 15 s.), e suscitar ou acalmar as suas tempestades (Jonas, 1, 4; Mateus, 8, 23-27). O Mar foi assim feito símbolo da Criação, onde se acreditava o Criador nele ou sendo o homem dominado por ele.

Entre os místicos cristãos, o Mar simboliza o mundo e o coração humano, enquanto lugar de paixões revoltas contra a serenidade do sentimento de Amor. “Eu escapei do naufrágio da vida”, escreveu São Gregório Magno no ano 575, a propósito da sua entrada para vida monástica (Morais sobre Job, Carta dedicatória). Segundo Aelred de Riévaulx (século XII), o Mar situa-se entre Deus e o Homem, e designa o tempo presente. Uns se afogam, outros o transpõem. Para atravessar o mar, é necessário um navio, e nisto o casamento corporal é como um navio frágil, enquanto a vivência espiritual é comparável a um navio sólido. Para que haja só navio forte em ambos os casos, tem-se como Barca de Salvação a própria Virgem Maria, que também foi esposa e religiosa, Mãe do Salvador sendo Mãe da Humanidade, e aqui está nesta catedral, muito significativamente, com a barca ou galeão aos pés.

 

A Ordem dos Templários em Barcelona

 

A Comenda de Barcelona da antiga Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, vulgo Templários, foi das mais importantes e ricas de Espanha, posto que sobretudo dominava o importante porto marítimo barcelonês que era o mais utilizado pelos templários catalães nas suas relações com a Terra Santa e outras províncias mediterrâneas.

Ainda hoje sobrevivem vestígios arquitectónicos da presença da Ordem dos Templários (1118 – 1312) em Barcelona, nomeadamente ao fundo da calle Timó, número 3, onde se vê a porta entaipada que ligava a Casa dos Templários à muralha permitindo o acesso à Porta de Regomir. Essa passagem, mandada abrir por Jaime I, é o único vestígio sobrevivente do desaparecido convento templário demolido em 1859. Ele ocupava um perímetro aproximado de 450 metros, dos quais uns 200 pertenciam ao tramo de muralha a que se uniram as primeiras casas. Constava de um pátio central com acesso directo à capela, edifícios anexos à mesma e outros que foram se construindo aproveitando o contexto da muralha romana.

Também ficou de pé a capela templária, edificada entre 1246 e 1248 pelo comendador Pere Gil, após o bispo e o capítulo de Barcelona terem permitido à Ordem que edificasse a sua capela e cemitério nesta cidade, como consta na carta de doação de 1246 à Ordem do Templo:Quod Magister et Domus milicie templi ad honorem Dei et gloriose virginis matris sue Ecclessiam in ciutate predicta in domo sua construant et altaria erigent. Actualmente está integrada na igreja de Nossa Senhora da Vitória que é assistida pelos jesuítas, e tem a sua entrada pela calle Ataulf, número 4, a escassos metros da calle Templers, por sua vez colidindo com a calle Palau, nomes que dão o valor referencial da existência e delimitação do que foi a Comenda.

Esta capela templária consagrada à Virgem Mãe é um edifício de uma só nave orientada a sudoeste, facto que contradiz a norma medieval de situá-la para levante, mas por certo assinalando secreta e canonicamente terem o centro do seu culto não no Oriente mas no Ocidente, na Península Ibérica, atravessando esta numa linha sudoeste que desemboca em Tomar, Portugal, no outro extremo peninsular. Os muros desta capela têm uma grossura de 1,5 metros e a planta mede 25 metros de largura por 10,65 de comprimento. Interiormente, a nave está dividida em seis tramos por cinco arcos ligeiramente pontiagudos, de altura igual à do comprimento, ficando ao nível da luz. A abside é semi-hexagonal, ainda que o mais importante a destacar é a utilização da estrutura em arcos de diafragma para cobrir a igreja. Também é importante a decisão de preferir-se uma planta tradicional em frente da radial, reproduzindo a planta octogonal da rotunda do primitivo Templo de Salomão, em Jerusalém, como os templários usaram em outras comendas suas (Paris, Londres ou Tomar).

Segundo a lenda, quando o Papa Clemente V decretou a abolição da Ordem do Templo em 1312, fenderam-se os campanários de todas as igrejas dos templários, excepto esta da capela do Palau. Quiçá tenha algo a ver com a inscrição que está na porta da capela: Domus Dei et Porta Coelis, ou seja, Casa de Deus e Porta do Céu, esta com o significado de lugar de reclusão do mundo profano e inclusão no mundo divino, onde os monges templários procuravam obter a iluminação de Deus.

Lenda aparte, o facto é que perto da antiga torre romana conhecida como Torre Galiffa, cresceu uma pequena cidade dentro da Barcelona medieval, onde vivia gente de todo o tipo, sobretudo, numa magnífica residência, os cavaleiros templários. Posteriormente, após a abolição da Milícia desses cavaleiros-monges, o edifício para a posse da realeza, indo converter-se no Palau Reial Menor (Palácio Real Menor, demolido em 1847 para se construir casas para a burguesia), anexo ao palácio onde se encontra a capela real que primitivamente fora a capela do convento dos templários.

A Ordem do Templo na Catalunha começou a receber doações de terras do Vallés desde o primeiro momento que estabeleceu contactos com os condes catalães. A primeira doação, datada de 1131, foi uma propriedade em Sant Pere de Vilamajor. No ano de 1134, os nobres catalães reuniram-se para constituir numa assembleia a base sobre a qual se firmaram os direitos e deveres do estabelecimento da Ordem do Templo no então país. Uma semana depois foi documentada a doação à Ordem de umas casas e torres em Barcelona. Foi assim que ela adquiriu propriedades perto do castelo de Regomir. Com o passar do tempo, o lugar converteu-se no convento de Barcelona.

Ao mesmo tempo que a Ordem recebia essas doações em Barcelona, começaram de forma paralela as doações no Vallés, tendo sido a primeira uma casa em Santa Perpetua de la Mogoda, no ano 1150. Parece que, no princípio, a casa templária de Barcelona não era um convento, porém com o passar do tempo, e sobretudo por causa dos negócios que o comendador do Vallés tinha com os oficiais reais, acabou por sê-lo. Diversos autores situam esta passagem no ano 1282.

No ano 1253, os templários conseguiram licença para fechar em Barcelona a calle dels Banys Nous, que logo passaria a fazer parte do Call Judío. Ao fechar essa rua, ficaram com espaço para poder alojar ao lado do palácio uma pequena horta, mas também, sobretudo, para terem um maior «policiamento» sobre o bairro judeu não permitindo que os conhecimentos esotéricos da Torah extravasassem para fora da sua jurisdição espiritual.

Na cidade de Barcelona, as principais doações depois daquelas primeiras, concentraram-se na montanha de Montjuïc. Com a chegada do século XIII, nos arredores da muralha romana da cidade foram aparecendo satélites populacionais tendo como eixos os caminhos que saíram do burgo em todas as direcções. A acção da Ordem desenrolava-se, pois, sob os muros da sua fortaleza, promovendo o desenvolvimento espiritual e socioeconómico de Barcelona, internacionalizando a sua importância capital através do Mediterrâneo.

 

Templários e maçons na catedral de St.ª Eulália

 

A Catedral da Santa Cruz e de Santa Eulália (também chamada, invés de catedral, Seo ou Seu em catalão) é a sede do Arcebispado de Barcelona, esta como cidade tendo por patrona a mesma Santa Eulália, enquanto a diocese barcelonesa está sob o padroado da Virgen de la Merced).

Este templo gótico começou ser construído no século XIII (1 de Maio de 1298, reinando D. Jaime II e pontificando o bispo Bernardo Pelegrí) e só no século XV se deu por concluído. Foi edificado sobre a primitiva catedral românica que, por sua vez, se erguera a partir dum templo paleocristão da época visigótica. Com efeito, já no ano 599, durante o concílio de Barcelona, se denominava este templo de Sanctae Crucis. Só mais tarde (século IX) foi acrescentado o padroado de Santa Eulália, que se venera desde o achado prodigioso das suas relíquias em Santa Maria das Areias ou do Mar, no ano 877.

Esta catedral majestosa é testemunha medieval da presença directa dos templários e dos monges-construtores, os maçons primitivos, nela. Aos templários se deve a promulgação do culto da Santa Cruz, a qual ficou até hoje como signo heráldico desta Sede Apostólica: em campo de goles vermelho, está imposta a cruz pátea prateada, que é a mesma da antiga Ordem do Templo. Também se deve a esta a divulgação do culto a Santa Eulália e a sua hagiografia mais que lendária, perfeitamente simbólica ou esotérica.

Santa Eulália, exaltada no Hino III do Peristephanon de Aurélio Prudêncio (348 d. C. – c. 410), constitui um dos primeiros motivos da devoção cristã na Península Ibérica. Informa o poeta hispano-latino que Eulália viveu perto de Barcino (actual Barcelona) nos tempos do imperador Diocleciano (248-305), durante o século III ou IV, sendo papa Marcelino. Recusando renegar à fé cristã, Eulália sofreu o martírio das torturas até que a cravaram desnuda numa cruz aspada ou em X, mas para preservar a sua intimidade os cabelos cresceram-lhe subitamente cobrindo-a, e começou a nevar. No final da sua oração pedindo ao Senhor que a resgatasse para o seu Reino, os carrascos viram voar para o céu da sua boca uma pomba branca. Sadismos aparte, esses ritos supliciais faziam parte das iniciações psicofísicas dos povos primitivos peninsulares enquadrados em culturas mágicas, e desta maneira o que começou sendo um arremedo das arcanas iniciações tradicionais, terminou convertendo-se em manifestação graálica, que também é iniciação cuja realização final opera-se sempre por um prodígio, aqui, o de Santa Eulália prestes a expirar.

Os restos mortais da santa foram localizados no ano 878 pelo bispo Frodoino, que os trasladou solenemente para esta catedral e os depôs na cripta, e onde num dos claustros góticos vivem treze gansas brancas, por se dizer que Eulália foi martirizada com treze anos de idade e era pastora de gansos em Sarrià, onde vivia, perto da cidade. A gansa ou oca pôs um ovo, segundo a tradição, e sendo essa a ave simbólica dos monges-construtores seguindo um caminho de segredos relativos à arte arquitectónica toda ela baseada nos princípios da geometría sagrada, o resultado final só pode ser – após realizado o tortuoso caminho iniciático marcado pelo simbólico caminho do “jogo da oca”, que aqui é o percurso da demanda de sabedoria, de entendimento da fé para, finalmente, haver a conquista da iluminação espiritual, nisto se resumindo o percurso devocional e a mensagem velada da catedral inteira –  o prodígio do “ovo” que, representando o princípio ou semente original da Criação, ainda hoje é motivo de típica e secular tradição: na fonte do claustro desta catedral, durante a festividade do Corpus Christi, pode-se ver L´ou com balla (o ovo como baila), que consiste em pôr um ovo sobre o repuxo de água da fonte que fica bailando sobre ele, desta maneira simbolizando as Águas da Vida saídas do Ovo ou Substância Original da Criação, facto que os teósofos orientais chamam de Hiranyagharba, isto é, o “radiante, o áureo `Ovo´ ou Matriz da Criação Universal”. Substância Absoluta gerada de si mesma, implica afirmar que “do ovo nasceu a galinha e não o contrário”, por essa ser produto e aquele substância. Essa metáfora ovina representa o Demiurgo ou Grande Arquitecto do Universo que sai do estado informal para o formal para originar a Criação de tudo e todos.

Certamente sabiam disso, à sua maneira conformada à mentalidade da época, os monges-construtores que corporificavam a primitiva Maçonaria Operativa e deixaram os sinais da sua presença aqui, como se observa na parede externa da catedral numa marca de canteiro exibindo os três pontos tradicionais do sistema maçónico que foram feitos por um grémio operativo medieval, o da Hermandad de los Esteves.

Tendo a ver com as origens iniciáticas desta catedral repleta de mistérios, Xavier Barral i Altet narra algumas das numerosas lendas e costumes insólitos correndo nela. Segundo a crença popular, dava má sorte chocalhar duas ou mais chaves às sextas-feiras; quando se tinha que fechar a catedral, anunciava-se precisamente com o chocalhar das chaves menos às sextas-feiras, quando se fazia soar uma campainha e os meninos do coro levavam as chaves, uma em cada mão.

Diz-se que a morte dos cónegos era anunciada três dias antes por São Bento com três golpes de maça na abóbada, para que ressoasse por todo o templo, e se se tratasse do bispo fazia soar no campanário o sino Tomasa, também três vezes.

Quando saía a procissão do Corpus Christi, os canhões do castelo de Montjuic anunciavam-na com tiros e cerravam-se todas as portas da muralha da cidade, até que a Custódia voltasse a entrar na catedral.

Debaixo do órgão estava pendurada a carassa (caraça), uma cabeça de turco (aí colocada depois da Batalha de Lepanto, em 7 de Outubro de 1571) de cartão, que no dia dos Santos Inocentes, quando o organista tocava uma nota mais grave, abria a boca e lançava guloseimas por ela. Desde 1970 que se encontra no trifório da catedral, ou seja, por cima da arcada da nave lateral.

Era crença popular que as esculturas da fachada gótica antes de ser feita, já haviam sido esculpidas e escondidas debaixo de terra, sob a escadaria de entrada na catedral, ficando à espera da construção da mesma. Quando no século XIX levaram-se a efeito as obras da fachada principal, muita gente acorreu para ver a extracção das esculturas, e ao não ser assim, inventaram-se novos falatórios sobre o seu destino.

 

Maçons em Portaferrissa

 

Indo em direcção ao mar e parando em Portaferrissa, pode-se ver na fachada, sobre a porta n.º 11, um conjunto escultórico de dois meninos tendo no meio deles um triângulo em cima de uns tijolos. O menino da direita segura com a destra o triângulo e tem na sinistra duas réguas ou tábuas; o menino da esquerda está apoiado nos bloco de tijolos a que encosta uma colher de pedreiro, enquanto com a mão direita exibe um compasso. Está-se diante de um escultórico de inspiração claramente maçónica.

No Arquivo Histórico de Barcelona, há um expediente datado de 1867 com uma licença para obras projectadas neste edifício pelo arquitecto Domingo Stijas. Mas nesses planos originais não aparece o grupo escultórico dos dois meninos, certamente para não despertar as suspeitas das autoridades e do clero, pois a Maçonaria nunca foi benquista pela ortodoxia dogmática da Igreja por causa das suas ideias heterodoxas simpáticas à liberdade de pensamento e à democratização social.

Fundada em 1717, a Maçonaria assumiu-se sempre como uma Ordem Iniciática Secreta de carácter filantrópico e filosófico. Os seus membros, tanto os homens como as mulheres (maçons e maçonas), afirmam que a Maçonaria tem como objectivo a busca da Verdade e fomentar o desenvolvimento intelectual e moral do ser humano, procurando criar uma Sociedade Humana mais justa e perfeita.

É essa a mensagem encriptada deste grupo escultórico de Portaferrissa, cujo prédio n.º 11 possivelmente teria albergado no século XIX, e talvez até aos inícios do século XX, uma Loja maçónica, ou lugar destinado aos maçons reunirem-se secretamente por medo das represálias, atendendo que em 1829 os membros de uma Loja de Barcelona foram presos e condenados, um a pena de morte e os outros a cadeia perpétua. O seu Venerável Mestre, o Tenente-Coronel Gálvez, foi enforcado. Realmente, a Espanha catolicíssima nunca tolerou a Maçonaria e sempre reprimiu-a dura e violentamente, contudo, ainda hoje Barcelona é a cidade espanhola onde existe maior número de maçons, mais de 1500.

Os dois meninos do escultórico representam o duplo atributo de inocência e pureza. O bloco de tijolos encimado pelo triângulo alude à edificação do Homem Novo e da Nova Sociedade iluminados pela presença divina da Santíssima Trindade, que na hierarquia maçónica é representada pelos três graus fundamentais de Mestre, Companheiro e Aprendiz, em correlação com os princípios teológicos de Pai, Filho e Espírito Santo. Deus Pai transmite a Sabedoria ao Mestre Maçom; Deus Filho outorga a Força ao Companheiro Maçom; Deus Espírito Santo inspira a Beleza ao Aprendiz Maçom.

O menino à direita representa o Mestre de Carpintaria, e o menino à esquerda indica o Mestre de Pedraria. Tem-se o carpinteiro e o pedreiro que, tábua a tábua e pedra a pedra, edificam o Templo Ideal do Homem Novo que a Maçonaria ou Arte dos “Pedreiros Livres” cria mental e moralmente sobre a Terra.

No simbolismo maçónico, a régua é o antigo símbolo de rectidão, método e lei, os três princípios corroborados simbolicamente pelos vértices do triângulo. No Antigo Egipto, representava-se o deus Ptah tendo na mão a régua com que ele media as enchentes do rio Nilo. A régua de 24 polegadas figura nas Lojas simbólicas da Maçonaria como instrumento de trabalho e medida do tempo, no sentido de que não se deve malgastar as 24 horas diárias na ociosidade e no egoísmo, mas oito delas na meditação e estudo, outras oito no trabalho, e as oito horas restantes no recreio e repouso, porém, todas aplicadas no serviço da Humanidade.

A trolha ou colher de pedreiro, espécie de pá achatada de forma triangular que o pedreiro utiliza para aplicar a argamassa, na Maçonaria é o símbolo da benevolência, da conciliação e do silêncio. A sua presença ensina que se deve propagar os sentimentos de facto e bondade que unem a todos os maçons, sendo o amor fraternal o único cimento que os obreiros podem empregar para a edificação na Terra do Templo da Nova Jerusalém Celeste ou Oriente Eterno, o mesmo Templo da Solidariedade Humana cimentado no carácter altruísta, benevolente e esclarecido de um e de todos.

O compasso, como um dos principais símbolos maçónicos, é emblema de medida e justiça. A primeira figura geométrica que se pode traçar com a ajuda do compasso, é o círculo centrado pelo ponto. Tomado por excelência como símbolo solar, ali se combina o círculo (o infinito) com o ponto (início de toda a manifestação ou evolução). O relativo e o absoluto se acham, pois, representados pela acção do compasso, o qual, por sua vez, figura a dualidade (hastes) e a união (a sua junção). Por esta razão, a Maçonaria adopta o compasso como um dos seus grandes símbolos, e coloca-o sobre o Altar da Loja, enlaçado com o esquadro para simbolizar o Macrocosmo e o Microcosmo e ficando por cima do Livro Sagrado (Bíblia, Alcorão, Vedas, etc., que varia por depender da religião do país onde a Maçonaria esteja instalada), este que significa a Sabedoria que ilumina e dirige tanto o Macrocosmo quanto o Microcosmo, neste particular, a Ordem Maçónica.

 

O mago da Calle Estruc

 

Quase em frente do “Corte Inglês” na Praça Catalunha, esta pequena calle (“rua”) chama-se Astruc, nome medieval de judeu famoso em Barcelona, correlacionada à palavra catalã astrugança, que quer dizer “sorte”. Astruc (com as suas variantes struch, estruch e estruc) é também uma erva curativa e um termo que na Idade Média se aplicava aos bruxos e curandeiros. Talvez por tudo isto tenha sido colocada no fim da calle, no prédio número 14, uma placa comemorativa evocando a Magia, posta aí em honra e memória do mago Astruc Sacanera, que viveu no século XV, famoso por vender um pó especial e uma pedra que permitiam curar picadas de insectos e répteis, incluindo os mais venenosos.

A placa foi posta aí nos últimos anos do século XX pelo ocultista catalão Ricardo Bru, muito conhecido nos meios esotéricos de Barcelona, o qual colocou na lápide, em cima e em baixo, dois medalhões que são talismãs mágicos com sinais cabalísticos e palavras mágicas hebraicas, possivelmente destinados a invocar a protecção dos poderes invisíveis para esta calle e a própria lápide, que contém a inscrição seguinte:

A primeros del s. XV la gente llamaba a este calle Astruc Sacanera, o sea del astrólogo o bujo de Sacanera. Astruces es una hierba curativa y un palabra antigua aplicada a astrólogos o brujos. Aquí se vendia la “pedra escurçonera”, poseedora de virtudes contra la rabia y las picaduras.

Precisamente no número 22 da mesma calle há outra placa indicando que era ali que se vendia a dita pedra. Aí aparece um outro talismã mágico tendo ao centro uma serpente, relacionada ao sentido do remédio milagroso, e alguns nomes hebraicos invocativos do próprio Poder de Deus Altíssimo (Tetragramaton Jehovah) e do Anjo do Messias Salvador (Jelah Emmanuel). Pois bem, tal remédio aparece ao longo da História com nomes diversos mas sendo sempre o mesmo. Plínio, o Velho, faz referência na sua História Natural ao Ovum anguinum, espécie de segregação das serpentes que se solidificava como uma pedra e era utilizada pelos druidas da Gália como remédio curativo contra as picadas venenosas. Parece que neste caso a pedra escurçonera correspondia a um osso da cabeça da serpente. Seja qual for a sua origem ou composição, esta tinha que aplicar-se sobre a ferida de tal maneira que aderia ou se fixava imediatamente na mesma até absorver todo o veneno, momento em que se soltava de forma misteriosa. Ainda hoje continua a ser utilizada em vários lugares do mundo, onde é conhecida como pedra negra ou pedra belga.

Também se repara na lápide que os números das portas dos prédios são colocados dentro dela, permeio a símbolos cabalísticos, possivelmente com a intenção de proteger os vizinhos. Esses símbolos cabalísticos são na realidade selos mágicos comuns na prática da Magia pelos rabinos esotéricos medievais, e para os compor inspiravam-se na obra, igualmente medieval, Clavículas de Salomão, composta de 36 talismãs formados por nomes sagrados do Judaísmo, nomes de Anjos Arcanjos e signos astrológicos.

A Kaballah é, pois, a Tradição Esotérica de Israel, que além de ser teórica ou exclusivamente dedicada ao aprofundamento do estudo das escrituras sagradas, também é prática, como se vê aqui, implicando as práticas dos conhecimentos de medicina e alquimia, além do exercício da magia operativa que consiste na invocação e comunicação directa com os seres dos mundos invisíveis. Estas práticas, aos olhos do povo ignorante e supersticioso, davam aos magos cabalistas um halo sobrenatural e demoníaco de bruxos e feiticeiros, ou seja, o de criaturas amancebadas aos poderes do inferno, verdadeiros demónios vivos ao serviço de Belzebu que lhes dava esses poderes sobre-humanos… de curar os seus próximos de moléstias incuráveis.

Curar o veneno da serpente com a sua própria saliva, tem a equivalência moral de destruir o mal com o que este considera mau, ou por outra, nahash, em hebraico a “concupiscência”, representada pela serpente, é vencida por uma vida virtuosa, benigna ao serviço do seu próximo em Humanidade. Assim, além de ser símbolo de perecimento a serpente também é de regeneramento, como se lê na Bíblia, em Números, em que embora as serpentes terrestres enviadas por Deus tenham feito perecer muita gente em Israel, contudo o povo eleito reencontra a vida através da própria serpente, de acordo com as instruções que o Eterno dá a Moisés: Então Deus enviou contra o povo serpentes abrasadoras, cuja mordida fez perecer muita gente em Israel. Veio o povo dizer a Moisés: “Pecámos ao falar contra Jehovah e contra ti. Intercede junto a Jehovah para que afaste de nós estas serpentes”. Moisés intercedeu pelo povo e Jehovah respondeu-lhe: “Faz uma serpente abrasadora e coloca-a numa haste. Todo aquele que for mordido e a contemplar viverá”. Moisés, portanto, fez uma serpente de bronze e colocou-a numa haste; se alguém fosse mordido por uma serpente, contemplava a serpente de bronze e vivia (Números, 21, 6-9).

Foi assim que a serpente cravada numa cruz tau tornou-se o símbolo da própria Kaballah, e a cura da sua mordedura equivalia ao domínio da “serpente abrasadora”, à própria iluminação espiritual pelo despertar da Luz Interior, como aconteceu com Moisés envolto em luz quando desceu do Monte Sinai após o seu encontro com o Eterno, Jehovah. Aos Iluminados Espirituais os hebreus chamavam Nahas, equivalentes aos Nagas hindus, ambos os termos com o significado de “serpente”, neste caso, a Serpente da Sabedoria que cura, ilumina e dá a imortalidade a quem a contempla e se absorve nela como Theo-Ophis, isto é, “Serpentário” Divino cuja venena bibas acaba sendo a própria Theo-Sophia, a Sabedoria Divina.

Até aos finais do século XX, a Calle Estruc contava com uma livraria e loja de artefactos antropológicos que pertenceu sempre à família Estruch, na qual se vendia todo o tipo de objectos estranhíssimos, que o seu dono recolhia nas suas inúmeras viagens pelo mundo. Por fim, essa livraria singular cerrou portas e com ela desapareceu o último vestígio mágico dessa família judia. Mas ficou a lápide a lembrar in aeternum que aqui viveu o cabalista de Barcelona.

 

Fogueiras da morte na Plaza del Rey

 

Na Plaza del Rey, entre a capela de Santa Ágata e o Museu de História de Barcelona, há uma porta de vidro que dá para um pequeno compartimento que antigamente era a casa do verdugo da Santa Inquisição o qual, como não podia viver dentro nem fora da cidade, vivia num habitáculo na muralha.

Esta Plaza del Rey, apesar de ser o ponto central mais concorrido de Barcelona antiga, contudo é também o lugar de memória maldita da cidade. Era aqui que na Idade Média e até quase aos fins do século XIX eram supliciados os réus condenados à morte. A última execução pública em Barcelona ocorreu em 15 de Junho de 1897, na Plaza Folchi i Torres, onde um ladrão de carteiras sofreu a pena pública do garrote.

Na Idade Média, nesta Plaza del Rey eram acesas as fogueiras da Santa Inquisição para que os réus acusados de heresia e bruxaria sofressem o suplício corporal do fogo eterno. Esses acontecimentos ocorriam constantemente num contraste entre o dramático clamoroso dos condenados e a crueldade do ar festivo dado pelo povo ao espectáculo dantesco, dessa maneira talvez escondendo os seus temores, pois ninguém sabia quem era o próximo a subir ao patíbulo. Podia acontecer a qualquer um, bastava uma simples denúncia dum vizinho com quem tivesse más relações.

Era muito dura e ninguém queria exercer a profissão de carrasco, pessoa que não podia ser tocada por ninguém porque dizia-se que as suas mãos tinham poderes mágicos que podiam destruir qualquer um. Durante algum tempo, houve o costume de deixar numa esquina na praça um saquinho com dinheiro e as ferramentas da execução, costumando aparecer algum voluntário anónimo que levantava a encomenda às escondidas e comparecia no dia seguinte para executar a sua tarefa maldita. Houveram ocasiões em que não aparecia ninguém, pois ser carrasco era objecto de desprezo. Foi quando se nomearam os carniceiros de carrascos oficiais, por serem experientes no manejo das ferramentas necessárias para a execução. Mas muitos deles suicidaram-se por não quererem exercer essa função malquista, e desistiu-se de obrigá-los a ser carrascos. Finalmente, criou-se um posto oficial para esta personagem sombria, que trabalharia como funcionário real e com alguns benefícios adicionais, dentre eles, uma casinha adjunta à capela de Santa Ágata e despojos das pessoas executadas, que posteriormente podiam vender. Neste sentido, eram muito apreciados os sapatos dos executados, pois dizia-se que pondo-os na entrada protegiam a casa dos maus espíritos.

A Plaza del Rey tornou-se famosa em 1492, quando um camponês ou payés (em catalão) feriu com um punhal o rei D. Fernando, o Católico. O suplício desse homem, Joan de Canyamars, teve requintes de malvadez e sadismo. Passearam-no semi-desnudo num carro, junto ao carrasco: na Plaza del Blat, cortaram-lhe uma mão, e na de Born a outra; na Plaza Sant Jaume cortaram-lhe o nariz, arrancaram-lhe um olho e deceparam-lhe uma perna, morrendo sagrando à vista de todos. Na Plaza Santa Ana arrancaram-lhe o outro olho e deceparam-lhe a outra perna, e finalmente esquartejaram o que sobrou do desgraçado, levando os restos para fora da cidade onde foram queimados no Canyet.

Como a antiga prisão se encontrava na Plaza del Rey, quando um réu ia ser justiçado colocava-se-lhe no colo um cartão escrito denunciando os seus crimes. Noutras ocasiões também lhe prendiam uma cinta vermelha à cintura presa aos objectos ou utensílios que tivesse utilizado para cometer o seu crime. Depois de passearem o condenado pelas ruas da cidade para que todos o vissem e apupassem, o cortejo voltava a esta Plaza onde já esperava preparada a fogueira ou o patíbulo, cuidando os juízes que ele chegasse vivo para sofrer as dores do suplício e por isso o condenado era sempre acompanhado dum cirurgião.

Os cúmplices de qualquer tipo de delito eram açoitados e obrigados a presenciar o enforcamento ou o suplício do fogo. Os nobres e clérigos eram garrotados, por vezes degolados ou decapitados, e o mesmo para os militares (só depois passaram a ser fuzilados). Os homossexuais e os hereges eram queimados vivos. E a plebe acusada de crimes, era enforcada. As mulheres que houvessem cometido alguma malfeitoria (salvo nos casos de heresia, em que eram queimadas), eram postas nuas em cima dum burro e passeadas pela cidade, para que a população as visse e apupasse cobrindo-as de vergonha. Ainda para os hereges, a Inquisição utilizava o chamado “juízo de Deus mediante a aguadilha” (aguadija), esta palavra com o sentido de humor, por certo sádico: na Plaza del Rey colocava-se uma balança enorme e num dos seus pratos punha-se uma Bíblia e no outro ou suposto herege. Se pessoa pesasse menos que a Bíblia, ficava demonstrada a sua inocência.

Não é de estranhar que os barceloneses tivessem pânico de tudo que se relacionasse com bruxarias e outras heresias afins, perante esses rituais macabros tão ao gosto sádico dos dominicanos, sobretudo. É assim que nas portas da igreja de Sant Martí de Provençals, na Plaza Ignasi Puyol, ainda hoje podem ver-se ferraduras de boa sorte ou símbolos que serviam para afugentar os encantadores e os encantamentos.

Como dados curiosos, no número 1 da Plaza del Pi pode apreciar-se o Escudo da Arquiconfraria do Puríssimo Sangue de Cristo, existente no século XIV e que dava auxílio espiritual aos condenados da Plaza del Rey. Também no Passeio do Born a Inquisição torturou e queimou hereges. Acreditava-se que o espírito do condenado, uma vez abandonado o corpo, ia possuir alguma das gárgulas da Catedral de Barcelona. Falando desta, a Avenida da Catedral foi conhecida como o Passeio do Inferno, já que se acreditava que aí havia uma entrada para as famosas Caldeiras de Pedro Botelho.

 

História trágica da Plaza de San Felipe Neri

 

A Praça de São Felipe Neri é um lugar impossível de Barcelona. Escondido em pleno Bairro Gótico na Cidade Velha, logo após passar o Palácio Episcopal, poucos o conhecem como oásis de tranquilidade e silêncio só interrompido durante o dia pelo canto dos pássaros, e à noite pelo murmúrio das águas da fonte que a embeleza. Nesta cidade com mais de um milhão e meio de habitantes agitando-se no bulício do dia-a-dia por entre passos e falas agitadas e ruídos frenéticos vindos de toda a parte, tudo isso desvanece-se ao entrar nesta praça, deixando-se de ouvir os barulhos dos carros e as vozes das gentes que o vento não traz para não perturbar a tranquilidade deste espaço de conto de fadas. Realmente, a Praça de São Felipe Neri é um lugar impossível de Barcelona que transcende o espaço terreno e se detém no tempo, encerrando séculos de histórias inexoráveis.

Mas esta Praça de São Felipe Neri também é um lugar trágico, em contraste aflitivo com a sua condição de oásis escondido da cidade. Na Idade Média esta praça foi o cemitério de Montjuic del Bisbe, anexo da catedral de Barcelona, o qual ficou sepultado sob as construções novas feitas nela no século XVI, várias delas destinadas a grémios de ofícios cujos edifícios sobreviveram aos acidentes do tempo e hoje são espaços museológicos muito bem organizados de interesse inquestionável para quem queira conhecer os antigos ofícios dos barceloneses, alguns deles herdeiros das primitivas corporações medievais de mesteres operati, ou sejam, de mestres de ofícios constituídos em formas de iniciação profissional reunidas em confrarias ou grémios operários, como os dos carpinteiros, pedreiros, caldeiros, sapateiros, etc.

Nesta Praça de São Felipe Neri encontram-se as casas gremiais dos antigos caldeireiros e sapateiros, que estavam dispersos pela cidade e que foram reunidos aqui já no século XX, quando se deram reformas no tecido urbano barcelonês, fazendo desaparecer umas ruas e abrindo outras. Essa sede dos caldeireiros recua ao século XVI, quando eles adquiriram de uma família rica da cidade essa casa que adaptaram à sua nova função. O grémio dos sapateiros data de 1565, apreciando-se na sua fachada o sapato que era o símbolo dessa confraria, e actualmente alberga o Museu del Calçat Antic, onde o visitante poderá ver sapatos desde o século XVI ao XX.

A praça recebe o nome de São Felipe Neri (predicador jesuíta, Florença, 1515 – Roma, 1595) a quem é dedicada a igreja situada neste lugar, construída em estilo barroco entre 1748 e 1752. Esta igreja tem uma história muito triste: durante a Guerra Civil Espanhola (18 de Julho de 1936 – 1 de Abril de 1939) a aviação franquista bombardeou Barcelona com mais de 1900 bombas em 385 ataques aéreos, tendo em 30 de Janeiro de 1938 caído uma bomba dentro desta igreja matando 42 pessoas, 20 delas crianças, que haviam procurado refúgio no seu interior. Ainda hoje é preservada a memória desse acontecimento trágico na fachada do templo apresentando os sinais da metralha assassina dum momento histórico que fazem deste imóvel um monumento escondido que as pessoas ignoram e a História parece querer esconder. Ainda assim, o Ajuntamento de Barcelona depôs aí uma placa, em 31 de Janeiro de 2007, em homenagem às vítimas civis inocentes de São Felipe Neri.

Também existe o colégio de São Felipe Neri nesta encantadora praça, estando no seu centro uma fonte. Esta tinha na sua parte alta uma escultura chamada o estudante, porém foi roubada deixando a fonte incompleta, e desde então corre a lenda do “menino que fugiu da escola e não regressou”.

Apesar de estar incompleta, a fonte continua a dar encanto e poesia a esta praça ignorada que a torna, por si mesma, merecedora de uma visita. Todo este espaço ficou célebre por aparecer no videoclip da canção My Inmortal do grupo Evanescence. Uma canção que parece recolher e transmitir toda a magia e as sensações que estão nesta peculiar praça escondida em pleno Bairro Gótico de Barcelona.

 

 

O Mistério dos Ciganos – Por Marcelo José Wolf Domingo, Abr 10 2011 

Kara-Mara gigo Asgardi

“O Povo Eleito expulso da Terra Santa”

 

QUEM FORAM OS CIGANOS?

 

Os ciganos são originários da Quarta Cidade Aghartina. São um povo que se revoltou e acabou por matar o seu Rei. Devido a esse acontecimento, como punição, foram expulsos da Agharta, e como castigo kármico passaram a expiar os seus erros através da peregrinação pela face da Terra. Segundo o nosso Augusto Mestre JHS, “os ciganos mataram o Quarto Rei de Edom, ou Aghartino. Por isso, foram expulsos da Agharta”.

Não se encontrou registos sobre a data da ocorrência de tal facto (assassinato do Rei da Quarta Cidade Aghartina), nem dos motivos que levaram tal povo a isso. A única referência que temos é que o seu aparecimento, na face da Terra, deu-se na Europa nos meados da Idade Média.

Foram denominados por JHS de “Adeptos da Letra C” no Livro Viagem ao Templo do Caijah, no Mundo de Duat, que diz: “Pela mesma razão abençôo os `Adeptos da Letra C´, mais conhecidos como ciganos (gitanos, tziganos, zíngaros, tzíngaros), embora que tenham, ainda, de continuar o seu exigido CASTIGO na face da Terra pela ignóbil traição que fizeram ao Senhor dos Reinos Aghartinos, o Cavaleiro Akdorge, por outro nome: Rigden-Djyepo”.

Sebastião Vieira Vidal escreveu acerca dos ciganos: “… são, na realidade, oriundos da Quarta Cidade Aghartina. Dado que se revoltaram e acabaram por matar o seu Rei, foram por tal motivo expulsos para a face da Terra, representando esta um verdadeiro campo de expiação”.

 

O SEU APARECIMENTO NA FACE DA TERRA

 

Apareceram pela primeira vez, na Face da Terra, “nos meados da Idade Média”, segundo Vidal, e JHS diz-nos que “a primeira leva apresentou-se em Paris, em número de 13; a segunda, em número de 98; vinham, pois, andrajosos, sofridos, esmagados pelo peso kármico de tão longa viagem e tamanhos sacrifícios”.

Alguns historiadores acreditam que os ciganos são originários da Boémia e Morávia; outros acreditam ser eles vindo do Egipto. Diz-nos JHS: “Chamados por uns de boémios, por dizerem que eles vinham da Boémia; conhecidos por outros como eginos, porque o seu chefe tomava o nome de `Duque do Egito´, quando não, `Rei Egino´ (Eugénio?…)”.

Os ciganos constituiam-se em sete tribos, chamadas de tribos espúrias aghartinas, ou sete linhas com 111 cada, que espalharam-se por sete regiões do globo terrestre. Representavam as sete civilizações, como diz o nosso Mestre: “O facto de entre os primeiros ciganos que chegaram à Europa serem de várias cores de pele, inclusive negros, denota que eram `sementes aghartinas de sete civilizações distintas´, na razão dos sete ramos judaicos, etc., etc.”.

Os ciganos têm uma predilecção por lugares que se iniciam com a sonância de CA ou K. Nas línguas fenícias, assírias e babilónicas, as sílabas KRA, KRI, KA, etc., indicam “caminhar, marchar”, etc, o que se relaciona com o karma deste povo. Sabemos, também, que a Quarta Cidade Aghartina chama-se KARANA-LOKA, o que também comprova a predilecção pelo radical CA ou K.

 

OS CIGANOS SEGUNDO A HISTÓRIA OFICIAL

 

Nada melhor para ilustrar a visão histórica sobre os ciganos do que a transcrição de um trecho de um site cigano da Internet, elaborado por Sergio Franzese, membro do Comité Promocional do “Centro de Estudos Ciganos”:

“Os ciganos contam, em uma de suas lendas, que no passado tinham um rei que guiava sabiamente o povo numa cidade maravilhosa da Índia, chamada Sind. Ali o povo era muito feliz, até que hordas de muçulmanos expulsaram os ciganos, destruindo a sua cidade. Desde então foram obrigados a vagar de uma nação a outra… Mas, como dissemos, trata-se de uma lenda.

As informações mais seguras sobre suas orígens foram obtidas através de estudos linguísticos feitos a partir do século passado.

A comparação entre os vários dialectos que constituem a língua cigana, chamada romani ou romanês, e algumas línguas indianas, como o sânscrito, o prácrito, o maharate e o punjabi, só para citar algumas, permitiu que se estabelecesse com certeza a orígem indiana dos ciganos.

Todavia, a razão pela qual abandonaram as terras nativas da Índia permanece ainda envolvida em mistério.

Parece que originalmente eram sedentários e que, devido ao surgimento de situações adversas, tiveram que viver como nómadas.

Segundo outra lenda, narrada pelo poeta persa Firdausi no século V d. C., um rei persa mandou vir da Índia dez mil luros, nome atribuido aos ciganos, para entreter o seu povo com música.

É provável que a corrente migratória tenha passado na Pérsia, mas em data mais recente, entre os séculos IX e X. Vários grupos penetraram no Ocidente, seja pelo Egipto, seja pela via dos peregrinos, isto é, Creta e Peloponeso.

Àquele período remonta a denominação zíngaros ou ciganos. De facto, a etmologia do nome zíngaro ou cigano é provavelmente constituída pelo termo grego medieval atinganoi, isto é, “intocáveis”, atribuido a uma seita proveniente da Frígia; era também o nome atribuido a magos, adivinhos, encantadores de serpentes, ou seja, a um modo de vida próximo ao dos ciganos.

A recente descoberta de um documento permitiu saber que, em 1378, um rei búlgaro teria cedido a um mosteiro algumas vilas povoadas por ciganos. A sua chegada à Europa situa-se aproximadamente em 1417, e, dez anos mais tarde, em 1427, foram constatados em Paris ciganos guiados por chefes que se faziam chamar duques e voivodos. De facto, para serem bem acolhidos, diziam ser peregrinos provenientes do Pequeno Egipto (região do Peloponeso), donde a origem do nome gitanos (transformação de egipcianos) atribuido a eles, após o equívoco surgido com relação à sua proveniência.

Eles diziam-se obrigados a vagar pelo mundo por sete anos, como penitência; afirmavam que haviam sido perseguidos pelos sarracenos e obrigados a renegar à sua fé cristã. Os reis daquele tempo – sempre segundo eles – fizeram com que se dirigissem ao Papa, que lhes impôs uma penitência e lhes deu credenciais para que fossem bem acolhidos onde quer que fossem.

Além dessa, os ciganos contavam outras coisas para que fossem bem tratados, e sabe-se que no princípio o acolhimento foi bom, porque o carácter misterioso de sua origem havia deixado uma profunda impressão na sociedade medieval. Porém, no espaço de alguns decénios, a curiosidade transformou-se em hostilidade, devido aos hábitos de vida muito diversos daqueles que tinham as populações sedentárias. A presença de bandos de ex-militares e de mendigos entre os ciganos, contribuiu para piorar sua imagem. Além disso, as possibilidades de assentamento eram escassas, pelo que a única possibilidade de sobrevivência consistia em viver à margem das sociedades.

Os preconceitos já existentes eram reforçados pelo convencimento difundido na Europa de que a pele escura seria sinal de inferioridade e de malvadeza… o diabo, com efeito, era pintado de negro.

Os ciganos eram facilmente identificados com os turcos, porque em parte, indiretamente, eram provenientes das terras dos infiéis; eram, portanto, considerados inimigos da Igreja, a qual, além disso, condenava as práticas ligadas ao sobrenatural, como a cartomancia e a leitura das mãos, que os ciganos costumavam exercer.

A falta de uma ligação histórica precisa a uma pátria definida ou a uma origem segura, não permitia que se os reconhecesse como grupo étnico bem individualizado, ainda que por longo tempo houvessem sido qualificados como egípcios.

A oposição aos ciganos delineou-se também nas corporações de ofícios, que tendiam a excluir concorrentes no artesanato, sobretudo no âmbito do trabalho com metais. O clima de suspeitas e preconceitos percebe-se no florescimento de lendas e provérbios tendendo a pôr os ciganos sob mau prisma, a ponto de recorrer-se à Bíblia para considerá-los descendentes de Cam, e, portanto, malditos (Génesis 9:25). Difundiu-se também a lenda de que eles teriam fabricado os pregos que serviram para crucificar Cristo, ou, segundo outra versão, que eles teriam roubado o quarto prego, tornando assim mais dolorosa a crucificação do Senhor.

Dos preconceitos passou-se, aos poucos, a formas sempre mais acentuadas de discriminação, até chegar a verdadeiras e próprias perseguições.

Sabemos que na Sérvia e na Roménia foram mantidos em estado de escravidão durante um certo tempo; a caça ao cigano aconteceu com refinada crueldade e com bárbaros tratamentos. Deportações, torturas e matanças foram praticadas em vários Estados, especialmente com a consolidação dos Estados nacionais.

Sob o nazismo, os ciganos tiveram um tratamento igual ao dos judeus: muitos deles foram enviados para os campos de concentração, onde foram submetidos a experiências de esterilização, usados como cobaias humanas, com todo tipo de inacreditáveis sevícias. Calcula-se que meio milhão de ciganos tenha sido eliminado durante o regime nazi.

Actualmente, os ciganos estão presentes em todos os países europeus, nas regiões asiáticas por eles atravessadas, nos países do Médio Oriente e do Norte de África. Na Índia existem grupos que conservam os traços exteriores das populações ciganas: trata-se dos lambadi ou banjara, populações semi-nómadas que os `ciganólogos´ definem como `ciganos que permaneceram na pátria´.

Nas Américas e na Austrália, eles chegaram acompanhando os deportados e os colonos; sucessivamente estabeleceram fluxos migratórios para aquelas regiões.

Recentes estimativas sobre a consistência da população cigana, indicam uma cifra ao redor de 12 milhões de indivíduos. Todavia, deve-se salientar que esses dados são aproximados, pois que, na ausência de censos, eles baseiam-se em fontes de informação nem sempre correctas e confirmadas.

Na Itália, inicialmente o grupo dos Sintos representava uma grande maioria, sobretudo no Norte; mas nos últimos trinta anos esse grupo foi progressivamente alcançado e às vezes suplantado pelo grupo dos Rom, provenientes da vizinha ex-Jugoslávia e, em quantidades menores, de outros países do Leste europeu.

Na Itália meridional já estava presente há muito tempo o grupo dos Rom Abruzzesi, talvez vindo por mar desde os Balcãs, cuja permanência no território é notável pela sedentarização análoga à dos gitanos na Península Ibérica.”

 

USOS, COSTUMES, TRADIÇÕES

 

Os ciganos são conhecidos como Roms ou Rooms, e o seu idioma é o romanês ou romani. JHS faz uma relação com o nome Rooms, apontando uma mesma origem para a palavra Romanos. Romani também pode ser desdobrado em Rom-Munis, Ram-Munis ou Munis do Rei, indicando sua elevada categoria hierárquica.

Os ciganos tiveram e têm um modo próprio de se vestir, de se portar, que os torna um povo sui generis em relação aos outros seres humanos. A começar pelas mulheres, que costumam usar os cabelos longos e prendê-los com tranças: “O K caminha. O R resvala. Confere… Essa linguagem ideoplástica foi adoptada por assírios e babilónios, do mesmo modo que por japoneses, chegando mesmo aos ciganos.  O H sem a linha central é porta aberta. O H com a referida linha é porta fechada. Por isso, as ciganas virgens trazem duas tranças dos cabelos para a frente, presas por uma fita ou cordel central. Nas casadas, as duas tranças ficam para trás sem a fita ou cordel. Sim, porta fechada na primeiras, e porta aberta nas segunda. Nas livres, os cabelos são enrolados sobre a cabeça, como rodilha ou coque”.

O seu modo de vida, como todos já sabem, é o nómada, perambulando de lugar em lugar, não tendo paragem fixa. Este estilo de vida nómada tem muito a ver com o seu karma pelo qual, após expulsos da Agharta, foram obrigados a perambular pela Face da Terra até a expiação final desse mesmo karma. Os ciganos costumavam ter as suas carroças enfeitadas, pois muitas vezes delas faziam o seu lar. Na verdade, as suas carroças, segundo o nosso Venerável Mestre JHS, possuem uma simbologia transcendental: “… os Maharajas, Kumaras e Senhores da Vida, sem falar no valor do Carro ou Mercabah, perfazendo o número DEZASSEIS da Casa de Deus ou Mansão Celeste. Estes 4 estão, se o quiserem, figurados nos 4 Animais da Esfinge, embora que esta, por si só, fosse uma quinta coisa, como em cima… era a `Mansão de Deus´, uma espécie de casa rodante ou volante, que perambulava pelas regiões demarcadas como o seu próprio roteiro. Os ciganos têm, até hoje (alegoria grosseira do mistério), os seus carros ambulantes, como verdadeiros nómadas. Na mesma razão, a antiga raça judaica, da qual se destacaram, ferozes e inimigos da Lei, os das tribos de GOG e MAGOG”.

As suas moradias apresentavam as cores das três gunas: “Em 1945 havia em São Lourenço, no bairro de Vila Carneiro, um chalezinho interessante, de estilo todo especial. O seu frontispício dava a impressão da letra MEM hebraica. E a sua pintura constava de três cores: o fundo amarelo com frisos azuis, e as venezianas de um vermelho escarlate muito vivo, que emprestava ao referido frontispício um estilo marajoara”.

JHS costumava chamar os Ciganos de Caramaras; às vezes este termo grifado com C e às vezes com K. Os significados deste termo variam, o que, segundo o autor, encerra um mistério a ser decifrado. JHS diz que o termo CARAMARA significa CARA AMARELA. “A mesma Tzingaria – que de nenhum modo é o País dos Ciganos, e sim a Agharta… – tem por verdadeiro ou real significado o de `janelas amarelas´…  Quantos não ciganos conhecemos deste modo nas redondezas da Obra, que continuam a ofendê-la, por serem CARAMARAS e nunca MAKARAS… No passado eles deixaram Paris mas em seu lugar chegaram outros, e agora a França não é menos explorada por esses `caras amarelas´ (como eu sempre chamei a tzíngaros, dzíngaros ou filhos da Dzingaria, `Cidade das Janelas Amarelas´…)”.

Também fazia a relação de KARAMARA com MAKARA e até KUMARA: “… Sim, os ciganos, para todos os efeitos, KARAMARAS, que tanto se confunde com o nome de MAKARAS, mas também com o de KUMARAS e até com diversos termos tupis, dentre eles, o de KARAMURU”. Esta passagem é interessante por associar o termo Karamara com o tupi. O nosso Mestre faz várias dissertações sobre os povos atlantes que originaram os cários, os tupis e os incas, indicando uma possível relação dos ciganos com os povos atlantes que povoaram as Américas na iminência da tragédia atlante. “CARLOS é o terceiro. A História está cheia deste nome, inclusive, de Reis. Eu o dei também a um filho. CAR foi o chefe dos cários que deram nome ao Mar das Caraíbas, e a muitos outros nomes que figuram entre os gentios e vem ter ao próprio CARIOCA. Os Cários vinham da Atlântida. E por isso, representavam um clã que, a bem dizer, era todo ele uma ORDEM SECRETA. CAR é uma simples chave cabalística ocultando um nome sagrado. Os ciganos, aos quais dei o título, no Kâmapa, de `Adeptos da Letra C´, reverenciam este nome de tal modo que buscam as suas moradas em bairros e cidades que tenham a letra C, principalmente com a raiz CAR… O que interessa saber, entretanto, é o mesmo que temos falado várias vezes, inclusive em O Mistérios dos Ciganos, em Dhâranâ, ou seja, a relação existente entre tupis, cários e incas, vindos de três partes diferentes, mas todos conscientes do papel que lhes incumbia (no começo). O mesmo Mar das Caraíbas, de onde se diz que os cários e os tupis por aí vieram quase que imediatamente… recebeu o nome dos primeiros. Foi seu chefe um certo CAR, nome simplesmente secreto ou de chave cabalística… Finalmente, as sementes, que se guardam na Serra do Roncador, daquela tríade racial CAR-INCA-TUPI, já por si com o significado de `Marcha para o Sol´, defendidas até há bem pouco por XAVANTES (ou CHAVE DE ANTAS, ANTES, etc.), que também se relacionam com a nossa Obra”.

Um facto interessante é a origem do nome YUKATAN, localizado na América Central, mais precisamente no México. Desdobrando-se esse termo, temos YU e KATAN. YU deriva de IO (caminho), e KATAN de KAT, KUT (pedaço). Assim, Yukatan significa “lugar dos pedaços” ou, segundo JHS, “lugar onde se acham os eus ou pedaços de algo que se separou do restante, seja no sentido geográfico, seja no cósmico, ou da Mónada, da Consciência Universal, etc.” Consequentemente, Yucatan abriga os pedaços dos povos que se separaram do restante com a tragédia atlante, sejam eles cários, incas, tupis, quíchuas, etc. Sabemos que a cidade Sul-Mineira de Itanhandu (IT, IU…) tem como Posto Representativo a cidade de Chitzen-Itza, em Yucatan, no México. A América Central é um ponto do Globo Terrestre estreitamente ligado à Atlântida, como provam os seus nomes: Yucatan, Caribe (Caraíbas), Antilhas (Atlantilhas), Oceano Atlântico, etc.

Dos comentários acima, depreende-se que os ciganos, bem como os judeus, são procedentes de um ramo racial proveniente da Atlântida, da mesma forma que os cários, os incas e os tupis.

Diz-nos Sebastião Vieira Vidal: “As cartas (Tarot), têm estas origem de natureza muito estranha, eis porque a sua tradição, ou mesmo procedência, está em ligação estreita com um povo desaparecido, o povo atlante”.

São conhecidos pelo roubo de cavalos e de crianças. Tal facto possui a sua causalidade: “Caminha, caminha, Judeu Errante! De déo em déo ou sem destino certo! Ladrões de crianças e de cavalos, todos vós, corpo único do Judeu Errante! Alguns, entretanto, por esforço próprio por tanto caminhar  e sofrer – inclusive o repúdio do mundo – vão voltando à sua Pátria, à sua Terra de Origem! Estes, sim, glorificadores da minha própria SEMENTE, que a língua-mater também escreve com C. Crianças. Glorificadores do CAVALO (do KALKI-AVATARA), também escrito com C. COBARDES, entretanto, os que continuam trazendo na fronte o estigma da Lei!”

Os ciganos tem uma atracção especial pela letra C, mais precisamente por palavras que comecem com o som de Q ou K. Procuram montar a sua estadia em lugares que possuem tal som, como a Vila Carneiro, em São Lourenço, onde, em 1945, havia um grupo acampado. Também foram vistos ciganos em Carmo de Minas (CAR…), cuja população considerava-os parecidos com japoneses (segundo o nosso Mestre, era um clã mongol de ciganos). O termo CARAMARA também inicia-se com C, bem como cavalo e criança. Também cartomancia e quiromancia, a sua actividade principal.

Na opinião do autor, tal atracção por lugares com sonância de K ou CA está relacionada com o nome da Quarta Cidade Aghartina, KARANA-LOKA, da qual os mesmos foram expulsos.

Os ciganos vão redimindo o seu karma à medida que oferecem seres de hierarquia à Lei, como compensação pela morte do seu Rei, Ser de alta Hierarquia. Essa oferta está intimamente ligada com a troca de crianças, pela qual os ciganos são tão famosos no mundo profano, como sequestradores de crianças: “À medida que vão se purificando, voltam ao seu Lugar de Origem… Eles têm que oferecer 49 reis, para formar o número daquela perda tão grande (num Ser de Hierarquia tão superior). Por cada rei que eles oferecem à Lei, um grupo de 49 deles, por sua vez, acompanha o rei, este valendo por três. Vários reis da Boémia (Morávia, etc.) foram trocados, em crianças, pelos ciganos mais conhecedores do `caso´, a fim de que a raça não se degradasse. O sangue nobre dos Reis Aghartinos… ali devia permanecer intacto ou puro”.

 

OS CIGANOS E O TAROT

As lâminas do Tarot, bem como a quiromancia, foram popularizadas pelos ciganos que, aproveitando-se da superstição dos povos da face da Terra, utilizaram-nas para o seu sustento. Dessas lâminas derivaram-se as cartas do baralho: “A origem do Tarot dos Boémios pode ser relatada a partir da Idade Média, ou melhor, dos meados da Idade Média, ocasião em que apareceu, na Europa, trazido que foi pelos boémios um certo número de lâminas estranhas, das quais surgiram, mais tarde, as famosas cartas que usamos para jogar, com os seus 4 naipes. Cada naipe possui 14 valores, e assim sendo nos endereça aos 56 Arcanos Menores, inclusive os 4 coringas…”

Segundo o Mestre JHS, o verdadeiro baralho consta de 4 naipes, com 14 cartas cada naipe: um rei, uma rainha ou dama, um conde ou valete, um coringa e mais 10 cartas representando o povo ou o exército. Assim, o baralho completo constitui-se de 56 cartas, equivalendo aos 56 Arcanos Menores, e mais as 22 cartas principais, correspondentes aos Arcanos Maiores, dando o número de 78 cartas.

Transcrevemos, a seguir, um trecho da Série Juventude, do nosso Irmão Sebastião Vieira Vidal, acerca do Tarot:

“Colhe-se dos ensinamentos de JHS que o Tarot completo, do qual se servem charlatanescamente as cartomantes, é de 78 Arcanos, e não 74, como afirmam as enciclopédias e dicionários ocultistas e teosóficos. Compõe-se de 22 Arcanos Maiores e 56 Menores. O facto do baralho vulgar ter 52 cartas, ou 13 em cada naipe, nada significa. Verdadeiramente, cada naipe deveria ser constituído de 14 cartas: rei, dama, valete (conde ou príncipe), coringa e mais dez cartas brancas, representando o povo ou mesmo o exército. Quatro coringas ou `bobos da corte´ deveriam, pois, existir no baralho, um para cada naipe… Quando a primeira leva de ciganos chegou a Paris, em 1427, o seu chefe, interpelado sobre quem eles eram e qual a sua procedência, respondeu: `Eu sou o rei, ela é a dama, este é o conde e aquele o que nos faz rir. Quanto aos outros dez são os nossos servidores´… Existem duas espécies de Tarots: o Sacerdotal ou Aghartino (hoje só do domínio dos Iniciados nos Grandes Mistérios) e o dos Boémios. Ambos compõem-se de 22 lâminas. O jogo deve ser feito com três cartas de cada vez, até chegar ao fim do baralho, como se fosse a Mónada ou Tríade Superior passando pelas 7 Raças ou estados de Consciência. Três vezes sete dá um total de 21 e acrescido de mais um, síntese, perfaz o número 22. Esta lâmina síntese a que nos referimos, representa o Mundo e foi por nós denominada de Laurenta. Mostra uma mulher completamente despida e cercada de lauréis (laurus, louros, laurentus, laurenta, etc.), tendo em cada canto um dos Animais da Esfinge. Esses Animais representam, também, os 4 Maharajas nas 4 direcções cósmicas, que têm como representação humana os 4 Kumaras.”

Confusão que se tem feito entre o Tarot Sacerdotal e o Tarot dos Boémios: “Mr. Naillant, autor de uma história especial dos Rom-Munis (Romanos? Ram-Munis? Munis do Rei? Etc., etc…), inclui-os na casta sacerdotal. Donde se estabelecer confusão entre o Tarot dos Boémios e o Tarot Sacerdotal”…

 

OS CIGANOS E A QUEDA DO TIBETE

 

Segundo o nosso Mestre, os ciganos têm uma estreita relação com a Queda Tibetana, ocorrida no ano 985 da Era cristã. A Carta-Revelação de 11 de Maio de 1953 trata deste tema. O título de tal Carta é: As 7 tribos de Israel, as 7 tribos de ciganos e a tragédia tibetana. Algumas passagens dessa carta ilustram o mistério que a mesma encerra: “Que terá, entretanto, essa linha ou hierarquia, melhor dito, de sete clãs expulsos da Agharta, com aqueles 222, etc., que da face da Terra também foram expulsos pela Vontade do Eterno? … Inúmeros desses seres [os que caíram na tragédia tibetana – o comentário é do autor] tiveram que se encarnar, em forma veicular, em ciganos, e amaram, sofreram, choraram imiscuindo-se nas 7 tribos espúrias aghartinas… que `mataram o seu Rei’, como loucos de espírito como os deixou o Eterno, a Lei, quando eles atraiçoaram a sua virginal Essência (Divina…) presente no Homem, em JHS, além de o martirizar, mutilar, sacrificar, atirando-o depois ao abismo. Uma espécie de ORCO, onde foi atirado Luzbel ao cair do Trono. Vingança sua, portanto… contra Mikael ou Akbel”.

Esses trechos mostram claramente a participação do povo cigano na tragédia tibetana. Mas como teria sido essa participação? Qual a relação entre o assassinato do Quarto Rei Aghartino com o ocorrido em 985? Esses dois eventos marcantes na História de nossa Obra teriam sido o mesmo?

O trecho seguinte, extraído da Série Cadete, da autoria do nosso querido e saudoso Irmão Sebastião Vieira Vidal, traz luz a essas questões:

“Foram também exaltados de maneira esplendorosa os Adeptos da Letra C. Adeptos da Letra C referem-se aos ciganos que foram redimidos da Queda Tibetana, em 985 da nossa Era. Desde então, passaram a peregrinar pelo mundo… No Templo tibetano eram os servidores ou, aliás, constituíam o povo daquela região que fazia parte do primeiro Sistema Geográfico, ou do Sistema de Templos cujo Central era o de Mercúrio, onde se acha, actualmente, o Excelso Senhor Akdorge.”

O autor, na sua opinião pessoal sobre os factos apresentados, conclui que o povo cigano fazia parte do contexto da tragédia tibetana; e tal povo cometeu o assassinato do seu Rei Aghartino (o Quarto), cronologicamente após a referida tragédia, por razões desconhecidas. Após tal facto, este povo foi expulso da Agharta para a face da terra, e entre o povo cigano encarnaram-se vários daqueles que estavam directamente ligados a essa tragédia, havendo uma espécie de laço kármico entre todos eles.

 

OS CIGANOS E OS JUDEUS

 

O nosso Mestre diz claramente, em várias passagens, que  os ciganos e os judeus são o mesmo povo. No Livro dos Makaras, há várias passagens ilustrando tal afirmação: “Quando eu citei no Kâmapa, prestando homengens a uma raça castigada… que é a dos ciganos, e que tomaram desde aquela época o nome de caramaras, repito, o termo `Adeptos da Letra C (ou K)´, foi por saber dos valores da mesma, porém, também do mal que sobre ela caía… Judeus ou ciganos são semitas ou `caras amarelas´…”; “Caminho oposto ao de IO, como castigo às duas raças que são a mesma, isto é, a dos judeus e ciganos, esta muito menor e menos `estabelecida´ na Terra”.  JHS diz-nos que os ciganos e os judeus são semitas; estes formaram a quinta Sub-Raça atlante e foram as sementes escolhidas para formar a actual Quinta Raça-Mãe. Assim, o autor conclui que esses dois povos possuem a mesma origem atlante e provavelmente deram origem a dois Ramos distintos dentro desta Raça Ariana.

JHS fala, na Carta-Revelação de 26.12.1951, acerca de duas tribos de Israel que foram infiéis à Lei: GOG e MAGOG. Estas duas tribos também estavam presentes na tragédia tibetana, fazendo parte dos sete Ramos raciais que para o Tibete se dirigiram: “De `sete partes distintas do mundo´ vieram as 7 Linhas ou Ramos raciais, para o Templo tibetano. Enquanto em tal meio vinham também trazidos – digamos – pelo Manu de todos os Tempos (Aquele que é, ao mesmo tempo, 5.º e 6.º, com a sua Contraparte) aqueles que na data de ontem (mesmo que ainda não completos) possuem o referido NÚMERO `222´. E que, em verdade, foram os que mais uma vez caíram em grave erro, porém enganados pelo próprio Luzbel, em figura de santo”. “Ciganos e judeus se confundiam… e que eles tinham o castigo do assassinato dos seus reis”. “As tribos de Israel eram 12, mas nesse ponto é onde está o verdadeiro mistério. As duas, entretanto, de GOG e MAGOG faziam parte das sete que para o Tibete se dirigiram”.

 

OS CIGANOS NO CICLO ACTUAL DA NOSSA OBRA

 

Os ciganos tiveram participação no ciclo actual da nossa Obra. Uma leva de ciganos acompanhou os Gémeos Espirituais na sua viagem a Lisboa, em 1899. No navio, Helena tentava distrair o seu amado dos seus pesares pela fuga, chamando a sua atenção para os ciganos que dançavam e cantavam sem cessar: “Quando JHS, aos 16 anos de idade, fugiu da casa de seus pais, em Salvador, Bahia, indo até Srinagar, Norte da Índia, a 24.06.1899, foi acompanhado e teve a cobertura de 7 tribos de ciganos, cada uma delas acompanhando-o em determinado trecho”.

Antes da Fundação Espiritual da nossa Obra, havia um grupo de ciganos em São Lourenço, que estavam acampados onde hoje acha-se a Fazenda Santa Helena, local onde está a Montanha Sagrada Moreb. Este grupo possuia uma tabuleta escrita Santa Helena, da qual aproveitaram-se os donos da referida fazenda para dar-lhe o nome: “Não se deve esquecer que uma leva de ciganos acampada em frente da hoje chamada Fazenda Santa Helena, como me fez ver um dos mais antigos filhos de São Lourenço, e que naquele mesmo lugar nasceu, assim também o seu pai, Justino Ferreira… todos já devem ter compreendido que é o tabelião e escrivão de São Lourenço, Aparício Ferreira. Sim, tal leva de ciganos, dirigida por alguém de valor imenso… ali acampara e dera ao mesmo o nome de Santa Helena, de cuja tabuleta se serviram os donos da fazenda (também por Lei de Causalidade) para a sua porteira. Por baixo da mesma passaram várias vezes os Gémeos – na primeira vez vez, foi por cima da Montanha até chegar ao lugar, acompanhados pelos Devas do Além-Akasha. Os próprios animais estancaram, a Natureza inteira emudeceu, para depois de os mesmos serem glorificados no Cume (ou Kumara) da Serra, em frente ao Cavaleiro das Idades, essa mesma Natureza entrar em festa… Era a Primavera, qual Idade de Ouro em plena Idade Negra ou do Ferro. Sim, os ciganos faziam jus ao próprio nome Assura… Entre eles encarnaram vários da Obra, como castigo kármico… mas hoje vitoriosos se acham, querendo salvar os seus outros irmãos que nada sabendo disso, de si mesmos duvidam, inclusive os que já tendo estado connosco… jamais poderiam dizer como Júlio César e outros: Vim, vi e venci”. “Na Fazenda Santa Helena, muitos anos antes da Fundação Espiritual da nossa Obra, em 28 de Setembro de 1921, deu-se o acampamento de várias tribos de ciganos e, mesmo na Vila Carneiro, houve um acampamento de um grupo de ciganos relacionados com a Obra; de modo mais preciso, diremos que na Vila Carneiro residiu uma princesa cigana cujo nome começava por `M´, a qual veio para conseguir a redenção de um grupo já descido para Agharta”.

Tal princesa era Marly, um ser de hierarquia, que certa vez JHS foi visitá-la, quando da sua estada em São Lourenço. Tempos depois, após tal facto, deu-se o levantamento de tal acampamento, para o desaparecimento completo do grupo. Concluímos por tal facto que, após o encontro com o nosso Augusto Mestre, deu-se a redenção desse grupo de ciganos, que rumaram de volta para a Agharta. Estes seres redimidos por JHS eram um clã grego, como disse o mesmo: “… repito, quanto aos que foram ter em São Lourenço, eram gregos…”.

Ao que tudo indica, os ciganos auxiliaram Josué Mateus a preparar psiquicamente a Montanha Moreb para o acontecimento de Setembro de 1921, como nos indica o seguinte trecho: “… Outrossim, àqueles que formaram, ao lado de Josué Mateus, a Montanha Sagrada de São Lourenço, com A sua tabuleta de Santa Helena, a verdadeira padroeira do referido lugar…”.

Muitos dos ciganos já alcançaram a sua redenção e retornaram à Agharta, como nos diz JHS: “Em três classes está agora repartida a raça de Israel: a primeira, a dos salvos ou redimidos; a segunda, que deveria vir ao meu encontro, ou que até hoje acredita `na volta de seu Rei, o Rei Melki-Tsedek´; finalmente a terceira – terceira classe é sempre apontada como coisa inferior… Passagem de terceira classe ou de proa é dada a essa categoria de passageiros que se locomovem no mundo de um lugar para outro. Sim, essa terceira classe de Judeus é a de GOG e MAGOG. Membros da Midigal, caftens, ladrões e agiotas, o que muito se assemelha com os ciganos decadentes, porquanto muitos já voltaram à sua origem, nos Reinos de Agharta”. “… nem todos alcançaram esta vitória. Alcançaram-na, por exemplo, aqueles que nos acompanharam nas viagens para Lisboa, Índia, etc.”.

 

NOTA DO AUTOR

 

O presente estudo baseou-se por completo nas Cartas-Revelações deixadas pelo nosso Excelso Mestre JHS. Estudá-las e tecer comentários e conclusões acerca delas, além de ser uma tarefa árdua, necessariamente está ligada à experiência pessoal de cada pessoa, sendo parte dessa experiência pessoal a visão particular de cada um acerca dos Ensinamentos de JHS, a capacidade de compreensão e assimilação dos seus Ensinamentos, o conhecimento anterior acerca do assunto abordado e a tónica pessoal. Assim, tudo o que consta neste trabalho passou pelo filtro pessoal do autor, desde os temas selecionados, as passagens transcritas, até às conclusões tiradas. O objectivo do presente trabalho é colocar o assunto em pauta, para que todos aqueles que entrarem em contato com o mesmo, possam reflectir e tirar as suas próprias conclusões.

Não foi objecto de estudo, por parte do autor, os usos, costumes, história e peculiaridades dos ciganos de um modo geral, visto ser tal assunto extenso e fugir do propósito inicial, que é o de apresentar os dados deixados pelo Mestre acerca dos ciganos. Mas nem por isso deixou-se de citar factos, usos e costumes dos ciganos tirados da História oficial e de textos de fontes diversas. Tais factos foram incluídos para corroborar e/ou complementar as palavras do Mestre. A secção Os Ciganos e a História Oficial foi incluída no presente trabalho para situar os leitores quanto à opinião dos historiadores acerca deste povo misterioso.

Te del tuménge o Del but baxt aj sastimós!

Que Deus vos conceda saúde e sorte!

 

FONTES DE PESQUISA

 

Carta-Revelação de 14.01.1951

Carta-Revelação de 26.12.1951

Carta-Revelação de 01.01.1952

Carta-Revelação de 06.01.1952

Carta-Revelação de 11.05.1953

Carta-Revelação de 01.09.1953

Carta-Revelação de 27.10.1953

Carta-Revelação de 29.03.1958

Carta-Revelação de 02.01.1963

Carta-Revelação de 08.02.1963

Carta-Revelação de 15.02.1963

Livro do Graal – Carta-Revelação de 19.05.1950

Livro da Pedra – Carta-Revelação de 05.07.1950

Livro da Pedra – Carta-Revelação de 26.07.1950

Livro dos Makaras – Carta-Revelação de 01.01.1952

Livro dos Makaras – Carta-Revelação de 06.01.1952

Viagem ao Templo do Caijah, no Mundo de Duat – pág. 22

A Lenda Aghartina dos Cara Maras – JHS – Artigos

O Mistério dos Ciganos – Henrique José de Souza – Dhâranâ, n.º 12, 1982

Série Juventude – Aula n.º 28 – Sebastião Vieira Vidal

Série Cadete – Aula n.º 33 – Sebastião Vieira Vidal

Sergio Franzese – O Vurdón – http://www.dag.it/.

 Carmo de Minas (MG) – Agosto de 1999

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Paris misteriosa e secreta – Por Vitor Manuel Adrião Segunda-feira, Abr 4 2011 

De Lutécia a Paris

Um rio cujos braços acolhiam uma série de ilhas, um paul protector e várias florestas em redor: eis o lugar primitivo de Paris habitada pelo Homem desde o IV milénio a. C., sendo que alguns milhares de séculos depois, no século III a. C., uma tribo gaulesa de nome Parisii instalou-se aqui, sobre a futura Ilha da Cidade (Île de la Cité) fundando uma povoação: Lutécia. Esta não era ainda uma cidade como hoje se concebe, mas um oppidum, lugar de defesa, de culto, de comércio, em suma, de poder. Júlia César, imperador dos romanos, foi o primeiro a designá-la por escrito no seu texto sobre a Guerra das Gálias.

Quando Paris foi conquistada pelos romanos em 55 a. C. já se chamava Lutécia e era uma pequena aldeia dos Parisii que viviam sobretudo da pesca fluvial. Os ocupantes chamaram-lhe Lutétia, locativo latino posteriormente alterado para Civitas Parisiorum, expressão genitiva latina significando Cidade dos Parisii, este último termo que na Idade Média passou a soar Paris como até hoje. Depois, com a queda e desaparecimento do Império Romano na Gália, os Francos comandados por Clóvis (465-511) fizeram desta cidade a capital do seu reino, hoje a França.

Para se perceber o fundo sagrado que assiste à génese e desenvolvimento de Lutécia versus Parisii, é indispensável determinar as suas origens lexicais e correspondentes significados os quais dão foros e realçam a condição de lugar sagrado desta cidade-luz.

O topónimo galo-romano Lutétia aglutina os temas aloródicos – grupo de idiomas falados por certos povos anatólicos – Lut (ou luth) e Ata, respectivamente significativos de “pedra” (lithos, em grego) e “mãe”, portanto, “Pedra-Mãe” ou seja a megalítica “Deusa Primordial”, mas que se interpreta literalmente como “lugar muralhado” ou “cintura de muralhas”, e de facto a poderosa cintura muralhada de Paris fez com que ela não caísse em poder dos hunos aquando do ataque chefiado por Átila no ano 451 d. C., levando a que uma valorosa mulher parisiense corresse às muralhas, incitasse os seus concidadãos sitiados a defender a cidade dando ela mesma o exemplo de combatente feroz. Chamava-se Genoveva, desde então aclamada a santa matrona de Paris.

Os latinos dispunham de um termo de origem iraniana para denominarem tal cintura de muralhas: pari, que aparece em iraniano no composto pari-daiza, à letra, “cintura” (pari) e “modelo” (daiza). Paridaiza originou Paradhesa que é a expressão arquetípica das palavras indo-europeias que designam o Paraíso. Pari, latinizado paries, ao ser acrescido da terminação etis engendrou a dicção latina parietis, ou simplesmente paretis que deu origem ao plural gaulês parisii, “parede”.

Os Parisii eram os habitantes do Paraíso que encontraram neste lugar privilegiado do Sena (Senne), termo oriundo do gaulês Ionne com que se designava a Matriz, esta assinalada no rio por ser como ela a fonte de fertilidade e nutrição indispensável à sobrevivência humana, motivo mais que suficiente para o divinizarem sob a forma de Mãe nutridora, tal qual o Paraíso Terrestre da primeira Humanidade se revelava como Natureza Virgem e Imaculada sob o aspecto de Jardim do Éden, fortemente defendido por uma muralha de fogo levantada por São Miguel, o Anjo de Deus, a qual se tornou de pedra quando a mesma Humanidade caiu no pecado original da concupiscência e luxúria e foi expulsa do Éden, como narram as escrituras sagradas dos judeus, cristãos e islâmicos.

Essa expulsão equivalerá aos gauleses do lugar serem dominados pelos romanos, contudo, esses últimos assimilando ao seu panteão de deuses a figura da divina Ionne identificando-a a Ísis, a Deusa-Mãe Primordial incarnação das Águas da Vida animadas pela Lua que era Ela mesma, pelos mesmos romanos já assimilada da cultura e religião egípcia. Assim, nas proximidades da actual igreja de Saint-Germain-des-Prés, a mais antiga de Paris, eles terão edificado um templo consagrado a Ísis, e aos moradores do lugar chamado de Para-Ísis, “cultores de Ísis”, que seriam os progenitores longínquos dos actuais parisienses, estes que hoje mantêm o culto à Deusa-Mãe sob a forma piedosa de Notre-Dame, como se fosse a adaptação cultual da antiga Ísis. O Abade du Breul, em 1612, retoma esta ideia ísiaca: “No lugar onde o rei Childebert fez construir a igreja de Saint-Vicent, ao presente dita de Saint-Germain, e à qual ele deu o seu feudo de Issy, a opinião comum é que aí havia o templo de Ísis, e desta tomou o seu nome a aldeia de Issy”.

O carácter de condição primordial do Lugar e da Deusa, Paraíso e Ísis, levou a que esta fosse associada a Lutécia dando origem à lenda de fundação que, segundo Gilles Corrozet (1510-1568), dever-se-ia a um certo Lucus (ou Luce) descendente de Noé, que foi rei dos celtas e fundou uma cidade fluvial: Lutèce ou Lucotece. Isto não é mais que indicativo de condição primordial, tal qual Lucus é o deus primordial do panteão celta, ou seja, Lug, e Noé é o reforço da mesma condição como “segundo Adão”, pois que entretanto a Humanidade desaparecera no Dilúvio Universal só restando ele e a sua prole.

Para distinguir ainda mais a importância cultural e espiritual de Paris, importaram-se para ela duas significativas lendas gregas – a Grécia é a pátria histórica da cultura europeia – ocorridas com dois semi-deuses que por momentos deixaram de ser troianos e gregos para ser parisienses. A primeira, em voga no século XV, conta que Francis, filho de Heitor e neto de Priamo, abandonou Tróia depois da guerra lendária e veio para este lugar fértil onde fundou a cidade que chamou Lutécia, mas depressa mudou o nome para Paris e os habitantes passaram a chamar-se parisienses em honra de Paris, filho do rei Priamo e um dos argonautas da nau Argos que navegou para terras do Ocidente em demanda do Tosão de Ouro, que era um carneiro branco com cornos dourados que dotava a imortalidade a quem o tocasse.

O outro mito de fundação de Paris liga-se à passagem do semi-deus Hércules por estas terras. A fim de realizar o 11.º dos 12 trabalhos que lhe encomendou o rei Euristeu, Hércules encaminhou-se para a Península Ibérica para recolher os pomos de ouro do Jardim das Hespérides, mas antes fez uma paragem numa ilha para descansar dos esforços sobrenaturais já realizados, e essa era a Île de la Cité. Gostou tanto da pausa nesse lugar tão aprazível que decidiu prolongá-la, e para passar o tempo distraía-se a construir casas. Em breve nascia uma cidade. Deixou a habitá-la os seus vassalos chamados Parásios, donde Parisienses, chamados assim por causa do nome do seu país de origem chamado Parásia Asiática que estava de costas para a Grécia.

Todos esses encómios míticos reforçaram ao longo dos últimos dos séculos a condição de Paris como cidade-luz para onde concorrem todas as sinergias europeias, psicossociais, culturais, artísticas e espirituais, dando a forte impressão de que afinal, tal como no organismo humano, Paris poderá muito bem ser o órgão principal, o coração da Europa.

Paris subterrânea

Há duas cidades em Paris: a da superfície, viva, agitada, móvel cheia de contrastes e cores, e a outra, a subterrânea, desconhecida, impassível, imóvel na sua quietude e silêncio, cheia de mistérios que desafiam o tempo e interroga os homens. A voz comum diz que aí é a “cidade dos mortos”, mas não está de todo correcto por não haver não uma mas várias finalidades sobre o porque da existência desses caminhos envoltos na obscuridade do subsolo parisiense.

É possível visitar o mundo subterrâneo parisiense, pelo menos parte das chamadas catacumbas de Paris, termo utilizado impropriamente, inspirado nas necrópoles subterrâneas da Roma antiga, para designar o ossário municipal. Com efeito, descendo 20 metros ao subsolo e numa extensão com cerca de 1,7 quilómetro, são visitadas anualmente por perto de 240.000 visitantes a partir da Praça Denfert-Rochereau, constituindo um museu da cidade de Paris dependente do Museu Carnavalet. Essa parte aberta ao público é uma fracção ínfima dos vastos caminhos subterrâneos parisienses que se estendem sobre muitos bairros da capital, alguns indo para além dela.

A Grande Rede Sul é uma ramificação de galerias subterrâneas situadas sob os 14.º, 15.º, 5.º e 6.º bairros de Paris, constituindo uma quantidade intrincada de caminhos ligados entre si pelos operários da Inspecção dos Caminhos no século XIX e que tem mais de 100 quilómetros de extensão. Mesmo assim é só uma parcela da vastíssima rede de caminhos subterrâneos com mais de 300 quilómetros de galerias sob Paris intra-muros, por vezes com três níveis de caminhos, com tudo isto sabendo-se que só uma parte de Paris subterrânea é conhecida dos técnicos camarários, pois que ela além de se estender horizontalmente igualmente, em certas partes, mergulha ainda mais fundo no subsolo, o que até hoje continua um mistério inexplorado, tanto por razões técnicas como humanas.

No entanto, o que se conhece do mundo subterrâneo parisiense tem sido motivo de publicação de atlas cartográficos sobre os mesmos, desde o final do século XVII até à actualidade numa actualização periódica dum espaço ainda tão mal conhecido, por isto mesmo, extremamente perigoso para os aventureiros que nele se atrevem a entrar por conta e risco próprios e podem perder-se para sempre no seu intrincado labirinto de galerias, como aconteceu, por exemplo, em 3 de Novembro de 1793 com Philibert Aspairt, que foi sozinho explorar as catacumbas e perdeu-se nelas, sendo o seu corpo encontrado só onze anos depois, sendo inumado numa das galerias em 30 de Abril de 1804, conforme está escrito na sua pedra tumular aí, atestando o facto verídico que os aventureiros inadvertidos de hoje deviam ter presente na memória.

Com efeito, os subterrâneos apresentam, como se vê nas proximidades da Avenida de Itália, um grande número de pilares e de muros que formam verdadeiros labirintos, lembrando que a sua exploração por aventureiros amadores é uma prática muito perigosa, razão porque a exploração das catacumbas é rigorosamente proibida pela lei.

A maioria destes subterrâneos é muito anterior ao final do século XVIII, quando foram transformados em ossário municipal com a transferência para aí dos restos mortais de seis milhões de parisienses, evacuados dos cemitérios sobrelotados por razões de saúde pública. As vítimas do Terror que acompanhou a Revolução nessa época em que o sangue escorria a jorros pelas ruas de Paris, estão praticamente todas atiradas e esquecidas nessas catacumbas necrotéricas, inclusive os famosos Danton, Robespierre e Marat. Atente-se, ainda, que também durante o Terror as galerias serviram de esconderijo e até de escape da cidade para muitos nobres e outros opositores do regime jacobino. Isso deu origem acontecimentos insólitos em breve transformados em lendas extravagantes, como essa do próprio Philippe Égalité (1773-1850), Duque de Orléans e destacado membro da Franco-Maçonaria, passar dias e noites inteiras nas galerias subterrâneas a invocar o Diabo… Resta saber que tipo de “Diabo” era esse mesmo que, com toda a certeza, foi ele um dos primeiros exploradores de Paris subterrânea e um dos promotores da sua cartografia.

Mas também há vestígios que situam várias destas galerias como espaços privilegiados de cultos ctónicos por os antigos celtas, tanto antes como durante o domínio latino em que eram galo-romanos. Sob a Rue de la Santé, encontra-se um baixo-relevo representando uma figura típica do culto ctónico celta: o dragão, a quem eles chamavam wuifre representando a força telúrica ou subterrânea da Terra. Além disso, as catacumbas regurgitam de traços da passagem humana desde há mais de dois mil anos: esculturas, gravuras e outros sinais de carácter notoriamente ritualístico ou sagrado, o que pode ser visto pelos visitantes da parcelas das catacumbas e galerias subterrâneas acessíveis ao público geral.

O facto é que muitos dos espaços subterrâneos de Paris oferecem condições mais que suficientes para se instalarem aí santuários, como se observa numa das salas mais belas das galerias e que está entre o 13.º e o 14.º arrondissements. A sua entrada é aberta por uma impressionante cúpula de pedras, apresentando um dos muros duas cavidades que recordam pequenas capelas.

Nesse sentido, a alguns passos da Praça Denfert-Rochereau, uma sala apelidada a cripta apresenta duas magníficas rosáceas esculpidas na pedra, possivelmente dos fins do século XIII ou inícios do seguinte, e apesar de infelizmente estarem parcialmente degradadas não deixam de sugerir que este espaço subterrâneo destinar-se-ia a algum tipo de culto iniciático secreto que tenha havido nos finais da Idade Média ou durante a Renascença nesta cidade. Cripta e rosáceas lembram a presença dos misteriosos Rosacruzes, que em 1622 apareceram em Paris informando através de uns cartazes, colados na Place de Grève não se sabe por quem por terem aparecido aí da noite para o dia, que doravante teriam o seu Templo nesta cidade, convidando os mais espiritualizados dos parisienses a visitá-lo, assinando no final com a Rosa+Cruz da Congregação Invisível sem dar o endereço. O burburinho foi enorme e a cidade foi vasculhada de uma ponta a outra sem que, debalde, se encontrasse o misterioso Templo dos Frates Roseacrucis. Talvez que a solução estivesse na Paris subterrânea.

A Ordem Rosa+Cruz

O nome Rosa+Cruz provém de um Sábio e Místico alemão que viveu por volta de 1460 e se chamava Christian Rosenkreutz, se bem que este nome pareça mais simbólico que outra coisa, pois significa tão-só Cristão Rosacruz. Fundou a sua Ordem com 12 discípulos que se caracterizavam pelo seu elevado misticismo cristão e devotado interesse pelos estudos religiosos e científicos da época, e após migrarem para o Sul da Europa, estabeleceram contactos culturais e espirituais com os centros islâmicos daí, especialmente com a corrente dos místicos corânicos chamados Sufis, com a qual andaram de relações durante largo tempo dessa maneira estabelecendo o vínculo espiritual entre o Ocidente e o Oriente.

A Tradição afirma os Rosa+Cruzes detinham poderes sobre-humanos graças aos seus conhecimentos profundos de Hermetismo e Alquimia, sabiam prolongar até séculos a longevidade corporal e sabiam fabricar a Pedra Filosofal, além de que falavam directamente com Deus, Cristo, os Santos e os Anjos que lhes revelavam directamente a Sabedoria Divina e os segredos da Imortalidade.

A sua fama sobrenatural de Taumaturgicos ficou até hoje, não se sabendo onde pára a realidade e começa a fantasia, muito mais porque os Rosa+Cruzes em breve, ainda no século XV, ocultaram-se no anonimato tornando-se secretos, só aceitando um novo membro por morte de um dos seus, para que perdurasse o número 1+12, imitando o valor igual de Cristo e os 12 Apóstolos.

Em 1614 apareceu em língua alemã um opúsculo com o título Fama Fraternitatis, atribuído a Christian Rosenkreutz mas que na verdade o autor era o teólogo germânico Johannes Valentinus Andreae (1586-1654), que alguns dizem ter sido o porta-voz da Ordem Rosa+Cruz assinando em nome do Mestre Geral, onde conta a história da aparição e missão dos Rosa+Cruzes que, sobretudo, pretendiam restaurar o Cristianismo Primitivo e reformar a Igreja dos seus vícios seculares.

No século XVIII, com a fundação da Maçonaria em 1717 a Rosa+Cruz dissolve-se nesta, tendo-se criado em 1761 o Grau 18 de Príncipe Rosacruz ou Cavaleiro do Pelicano, símbolo da Caridade e da Abnegação ou Sacrifício, o qual é um Grau estritamente cristão.

Vários Iniciados na Tradição Iniciática das Idades, dentre eles Robert Fludd no seu livro Summum Bonum (1629), fazem a distinção entre Rosacruz e Rosacruzista ou Rosacruciano, e posteriormente entre Maçom Rosacruz e aqueles. Ou seja:

1) Rosacruz. É o Iluminado Espiritual, o Mestre que sabe e aplica os Mistérios Divinos tendo-se feito interior ou espiritualmente à imagem do Cristo, o Supremo Mestre. Aqui o emblema da Rosa+Cruz representa a Iluminação Integral, o Espírito (Rosa) iluminando e dirigindo conscientemente a Matéria (Cruz).

2) Rosacruzista. É o discípulo que escolheu adoptar a disciplina que leva ao mais elevado estado de Rosacruz. Aqui o emblema da Rosa+Cruz significa o Amor (Rosa) e a Perfeição (Cruz) a alcançar.

3) Maçom Rosacruz. É o Iniciado simbólico pertencente ao Grau 18 da Maçonaria. Aqui a Rosa+Cruz posta no centro do esquadro e do compasso representa a Perfeição e Justeza da Mensagem de Cristo.

O portal Rosacruz da Assistência Pública de Paris

É deveras significativa a decoração exterior da entrada no edifício da Assistência Pública de Paris, repartição de beneficência do XVIIe arrondissement (bairro). Apresenta sobre a porta com uma cruz radiada o escultórico de um pelicano alimentando os seus quatro filhotes, e dos lados duas rosáceas. Por cima do conjunto lê-se uma lápide identificativa do edifício público, e a rematar no topo está a frase tradicional da Revolução Jacobina: Liberdade – Igualdade – Fraternidade.

Esse é claramente o símbolo Rosacruz adoptado pela Maçonaria no seu Grau 18 de Soberano Príncipe Rosacruz ou Cavaleiro do Pelicano, onde originalmente o maçom apresentava-se com a paramenta tradicional do avental amarelo debruado de escarlate, tendo ao meio três círculos e três quadrados concêntricos, com três triângulos também concêntricos inscritos no círculo mais pequeno; na abeta, borda-se um J a ouro (de Jakin ou Jnana, Sabedoria). Ao pescoço, fita metade verde (a da direita) e metade ouro, com liga escarlate com a legenda “Virtude e Silêncio”. Era assim em 1761 quando se criou este Grau maçónico, e apesar de actualmente as insígnias diferirem das originais mantém-se essencialmente a sua simbologia no Pelicano alimentando os sete filhos com a carne do seu próprio peito e na Cruz sagrada com a Rosa mística.

O 18.º Grau Rosacruz caracteriza-se pelas suas particularidades cristãs e a vocação dos seus membros para o exercício da virtude capital da Caridade, ou seja, da beneficência pública, o que está inteiramente de acordo com a finalidade deste edifício da Assistência Pública. Desconhece-se qual o Maçom Rosacruz que terá mandado lavrar este portal, mas conhece-se com toda a certeza que o fundador da Assistência Pública que originou o actual sistema hospitalar foi Gustave Mesureur (2.4.1847 – 19.8.1925), Grão-Mestre da Grande Loja de França por três vezes: de 1903 a 1910, de 1911 a 1913 e de 1924 a 1925, ano da sua morte em Paris.

O simbolismo do sacro pelicano alimentando os seus sete filhotes (os números destes variam nas várias peças expostas do mesmo teor, mas o número exacto é sete) com a sua própria carne, foi adoptado pelos Franciscanos a partir do século XIII como representação da Abnegação, da Caridade e do Amor Paternal. Por esta razão, a iconografia cristã medieval fez dele um símbolo de Cristo, ainda que exista uma outra razão mais profunda. Símbolo da natureza húmida que, segundo a Física antiga, desaparecia sob o efeito do calor solar e renascia no Inverno, o pelicano foi tido com figura do sacrifício de Cristo e da sua ressurreição, assim como da de Lázaro. É por isto que a sua imagem às vezes equivale à da fénix, a ave mítica que morre no fogo e renasce das próprias cinzas. Todo este simbolismo ligado ao Cristo também se funda na chaga do coração de onde manam sangue e água, seivas da vida, o que levou o poeta místico Angelus Silesius, no século XVII, a escrever: “Desperta, cristão morto, vê, o nosso Pelicano te rega com o seu sangue e com a água do seu coração. Se a recebes bem, de imediato ficarás vivo e salvo”.

Esse simbolismo é ainda interpretado na perspectiva sideral e sapiencial da Teosofia (“Sabedoria Divina”) perpassando a confessional da Teologia (“Entendimento de Deus”), porque todo o que sabe é superior ao que quer entender. Informa que se trata do Logos Supremo alimentando com a sua Energia Vital ou Prana os Sete Logos Planetários assinalados nos sete planetas tradicionais: Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vénus, Saturno.As rosas laterais do portal juntas à cruz neste, dão a Rosacruz. A Rosa expressa o Espírito de Cristo, que é Deus, e a Cruz representa o Mundo, que é o Homem. A Rosa florescida no centro da Cruz iluminada significa a Iluminação da Matéria, seja do Homem ou do Mundo, pelo Espírito Divino animando à Vida Universal, tanto a visível como a invisível.

Finalmente, tem-se no topo do frontal da porta a frase inspiradora de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) adoptada pelos revolucionários jacobinos: Liberdade – Igualdade – Fraternidade. Acompanhava essas três palavras um pano tricolor (azul, branco e vermelho) que passou a ser a bandeira nacional de França.

A cor azul para a Liberdade em princípio, dentro da Lei, para que não haja desordem e anarquia ou caos. A cor branca ou neutra para a Igualdade de princípios, onde ao início da vida todos são iguais nas possibilidades de evoluir ou involuir, sejam ricos ou pobres. A cor vermelha para a Fraternidade entre princípios, ou seja, entre sangues humanos indistinguindo cores, raças e crenças, ou seja, a Fraternidade Universal da Humanidade.

Assim mesmo se explica o princípio da Lei de Hierarquia: – Os homens são iguais em essência, não tanto em potência, e desiguais em presença. Ou seja, a Igualdade, a Liberdade ou livre-arbítrio de acordo com as capacidades de cada um, e finalmente a Fraternidade assinalada na capacidade de boas relações do indivíduo com o todo colectivo, cuja derradeira meta será a implantação da chamada Sinarquia, ou por outra, a Concórdia Universal dos Povos, e para isto poder acontecer um dia terá que ter por alavanca charneira a Caridade ou Amor, tão bem representada no pelicano alimentando aos filhotes neste portal Rosacruz da Assistência Pública de Paris.

A Mansão de Nicolas Flamel

Na Rua Montmorency, perto da esquina com a Rua Saint-Martin, no 3.º arrondissement, tem-se o edifício n.º 51 que data de 1407 e é o mais antigo de Paris, gozando a fama de ter sido a Mansão de Nicolas Flamel.

Aí viveu esse célebre alquimista dos séculos XIV e XV juntamente com a sua mulher Pernelle, dedicando-se às operações alquímicas tendo conseguido fabricar a Pedra Filosofal, ou seja, o princípio com que se fabrica o Ouro Filosófico que físico quanto espiritual ou expressivo da Iluminação Interior. Sendo assim, falando-se de Nicolas Flamel (1330-1418) está se tratando de um verdadeiro Alquimista, de um Adepto Filosofal dentre os raríssimos que houveram no Passado, e ainda mais raros no Presente. Nesta mansão, também, Nicolas Flamel recebia os enfermos de Paris, tratava-os e curava-os gratuitamente servindo-se dos seus elixires alquímicos cujos segredos de fabricação levou consigo para o túmulo.

A fachada deste edifício compreende três andares cada um com duas janelas rectangulares; três portas dão acesso a duas grandes salas no rés-do-chão e um corredor conduz à escadaria. Uma divisória longitudinal separa as duas salas; tem-se, no primeiro e no segundo andares, uma grossa viga transversal sustida por um pilar quadrado que suporta o tecto. Ao fundo, um pátio estreito é bordado, à direita e à esquerda, por várias construções, podendo-se ainda reconhecer o lugar de um antigo poço. O edifício tem duas belas caves em abóbada de berço a que se acede por uma escadaria ao fundo do pátio.

A Mansão de Flamel é facilmente reconhecida porque na sua fachada sobre o primeiro andar foi imposta uma lápide que identifica os primitivos moradores: Maison de Nicolas Flamel et de Pernelle sa femme. Pour conserver le souvenir de leur fundation charitable la Ville de Paris a restauré em 1900 l´inscrition primitive datée de 1407 (“Mansão de Nicolas Flamel e de Pernelle sua mulher. Para conservar a lembrança da sua fundação caridosa a Cidade de Paris restaurou em 1900 a inscrição primitiva datada de 1407”).

Abaixo, sobre o lintel da fachada, lê-se a seguinte inscrição em caracteres góticos alemães num mau francês: Nous homes et femes laboureus demourans ou porche de ceste maison qui fut faite en l´an de grâce mil quatre cens et septe somes tenus chascun en droit soy dire tous les jours une paternostre et une ave maria en priant Dieu que sa grâce face perdon aus povres pescheurs trespasses Amen (“Nós homens e mulheres devotos inscrevendo na porta desta mansão que foi feita no ano da graça de mil quatrocentos e sete, somos obrigados cada um ao direito de dizer todos os dias um Pai-Nosso e uma Ave-Maria pedindo a Deus que a sua graça perdoe aos pobres pecadores falecidos. Amém”).

Essa será obra de alguns seguidores do pensamento e obra tão piedosa quanto sábia de Nicolas Flamel, assim mantendo a lembrança de quantos aqui receberam do Grande Adepto a graça da cura dos seus corpos enfermos e regeneração das suas almas pecadoras. Abaixo, nos pilares frontais, vêem-se gravados nos lados, em caracteres góticos, um N e um F (iniciais de Nicolas Flamel), e permeio uma série de medalhões quadrados representando Anjos músicos, um Sábio lendo um livro e sobre ele um Santo numa barca cujo timão é uma serpente que se ergue por detrás dele ficando sobre a sua cabeça, repetindo-se a cena com o Santo indicando adiante sobre a serpente que lhe serve barca. Estes medalhões serão obra do século XV posta a descoberto quando da restauração do edifício em 1900.

Dispostos numa sequência figuras transmissoras de mensagem encriptada por certo relacionada à Ciência Hermética da Alquimia, esses medalhões constituem uma espécie de liber mutus ou “livro mudo”. Os Anjos músicos representam a própria Alquimia que também é chamada Música dos Deuses, devido aos alquimistas regularem as suas operações químicas de acordo com a harmonia das vibrações da alma, o que se representa na figura angélica que expressa sempre o ente superior, ou seja, pela meditação intensa nos arcanos da Natureza espiritual, revelada como vibração harmónica, traduziam exteriormente os mesmos através dos elementos físicos da Natureza material, indo paulatinamente acercando-se da Suprema Iluminação, o que se figurava na Pedra Filosofal. Donde o lema dos Alquimistas: Ora et Labora, “Medita e Trabalha”. Isto é representado pelo Sábio estudando um livro, quiçá o próprio Flamel, num outro medalhão. Por conseguinte, a Música na Alquimia é concebida como a ciência das modulações, das medidas exactas e harmónicas que mantêm e comandam a ordem do Cosmos e a ordem do Homem através da ordem instrumental que, por seu significado transcendente, vem a ser figurada por Anjos. De maneira que a concepção alquímica da Arte Musical é a prefiguração do caminho para a Perfeição.

Os medalhões retratando o santo na barca e a serpente domada, poderá tratar-se do próprio Santiago Maior que tanto em vida como depois de morto veio para a Galiza num barca, símbolo da arca ou do que está ocultado na mesma como Saber improfanável, neste caso, os segredos da própria Alquimia, que Flamel terá possuído após realizar a piedosa peregrinação a Santiago de Compostela, onde cada etapa do caminho equivalia para o Filósofo a uma operação da Alquimia, sobre o que reflectia e operava tanto no laboratório físico como, sobretudo, no laboratório interior da consciência ou alma, um e outro andando par a par.

A alegoria da serpente dominada expressa o Fogo Sagrado do próprio Homem e da Natureza, latente no imo de ambos, o que os orientais chamam Kundalini e os ocidentais de Fogo do Espírito Santo representado na Virgem Maria, que é a Padroeira dos Philosophos per Ignium, os Filósofos do Fogo, nome tradicional dado aos Alquimistas, estes detentores da Arte Real de marear os elementos subtis e físicos da Natureza, demandando a maior Perfeição, e também possuidores da Arte Sacerdotal que acompanha a devoção a Deus através do serviço à Humanidade sofredora. A isto chamavam Ergon e Paraergon, Teurgia e Alquimia, Opera Magna ou Grande Obra de aprimoramento do Espiritual e do Humano onde um não prescindia do outro, acasalando na mais sublime das núpcias químicas a Mente e o Coração, a Cultura e Carácter, vivendo na Terra as venturas do Céu.

Nicolas Flamel morreu em Paris em 22 de Março de 1418 e foi enterrado na igreja de Saint-Jacques-de-la-Boucherie, ficando a sua pedra sepulcral instalada junto a um pilar com a imagem da Virgem. Essa pedra sepulcral está hoje no Museu de Cluny, após ter sido adquirida Câmara Municipal de Paris de um antiquário em 1839, o qual a recuperara de um vendedor de frutas e legumes da Rua de Saint-Jacques-de-la-Boucherie, que utilizava-a como balcão de mercado, decerto o pobre ignorante tendo-a aproveitado para os seus fins práticos dentre o entulho, quando das obras de demolição dessa igreja de Saint-Jacques.

Torre de Saint-Jacques e a peregrinação a Compostela

A Torre de Saint-Jacques apresenta-se isolada no centro da praça que leva o seu nome no 4.º arrondissement (bairro) de Paris. Edificada em estilo gótico flamejante, ela constitui o único vestígio sobrevivente da desaparecida igreja de Saint-Jacques-de-la-Boucherie, consagrada a Santiago Maior cujos despojos estão na sua Catedral de Compostela, na Galiza. Também esta desaparecida igreja parisiense do século XI (1060) possuía várias relíquias do Apóstolo Santiago e era o ponto de partida dos peregrinos que iam pelo caminho francês a Compostela, afirmando a Crónica de Turpin que este santuário fora fundado por Carlos Magno, o que lhe valeu a sua inscrição no património mundial da Unesco em 1998 como lugar reconhecido da rota jacobeia francesa.

Significativamente, o célebre alquimista Nicolas Flamel foi um dos maiores benfeitores desta igreja de Saint-Jacques, e foi sepultado nela. Com a Revolução Francesa, no século XVIII, o templo foi fechado ao culto mas acolheu as reuniões da secção revolucionária dos Lombardos. Vendida como bem nacional em 1797, ela foi desmontada e as suas pedras comerciadas. Sobrou a torre, adquirida pelo Município de Paris em 1836, que veio a ornamentar um dos primeiros jardins públicos parisienses, sendo classificada monumento histórico em 1862. Em 2007, o mesmo Município em concertação com a Conservação Regional dos Monumentos Históricos empreendeu a restauração completa da torre.

Esta Torre de Santiago anexou-se tardiamente à igreja, pois foi construída entre 1509 e 1523 por Jean de Felin, Julien Ménart e Jean de Revier, todos mestres-construtores, medindo 52 metros até à balaustrada. Em 1523, Rault, “escultor de imagens”, recebeu 20 libras “por ter feito três bestas (três dos quatro símbolos dos Evangelistas) e um São Tiago sobre o campanário da torre”. Essa estátua colossal media, diz-se, 10 metros de altura. Foi abatida durante a Revolução, e depois substituída por uma outra em 1858, do escultor Paul Chenillon, com 3,80 metros de altura, como oferta de Napoleão III ao Conselho Municipal que entretanto lhe havia solicitado a recolocação da imagem no cimo da torre.

Graças a essa iniciativa, hoje ver-se o Apóstolo Santiago com trajes de peregrino em destaque no cume da torre da sua evocação. Ladeiam-no, um pouco abaixo, nos cantos angulares os ícones dos Apóstolos, datados já do início do século XX: o Anjo para São Mateus, o Leão para São Marcos, o Touro para São Lucas e a Águia para São João. A iconografia cristã sempre fez uso deste simbolismo, explicando a escolha desses atributos pelas razões seguintes: o Homem representa o Anjo Gabriel anunciando a encarnação do Salvador na Humanidade, facto que é narrado mais especialmente por Mateus. O Leão de Marcos é uma alusão ao deserto onde, desde o primeiro capítulo do seu Evangelho, vê-se o Anunciador João Baptista pregar a penitência e o baptismo de Cristo. O Boi ou Touro de Lucas lembra, na sua qualidade de vítima escolhida para os principais sacrifícios da antiga Lei, o sacerdócio, cujas funções são desempenhadas por Zacarias, no primeiro capítulo do Evangelho de Lucas, quando ele advertido pelo Anjo acerca do nascimento de João Baptista. A Águia indica a sublime elevação da narração de João Evangelista.

Os quatro “Animais” – espécie de Esfinge Tetramorfa, símbolo da Iniciação que aqui será a dos Mistérios de Cristo, como espírito vivo ocultado sob a letra morta das Escrituras – dispostos em torno de Cristo, neste caso sendo Santiago na representação directa do seu Mestre, devem ocupar, cada um, um lugar determinado: O Anjo deve ocupar a direita, ao lado da cabeça de Cristo; a Água deve ficar à esquerda; aos pés, na mesma ordem, o Leão e o Touro.

Para tomar posse efectiva dos Mistérios de Cristo, a tradição cristã medieval, inspirada nas construções militares e feudais, eriçadas de torres, torreões e atalaias, fez da torre símbolo de vigilância e ascensão. É assim que é encontrada nas litanias da Virgem Maria: turris davídica, turris ebernea. As torres, na Idade Média, serviam para espreitar eventuais inimigos, mas também tinham o sentido místico de escada que relacionava a Terra com o Céu, o que era recordado pelos degraus. Cada degrau da escada, cada andar da torre marcava uma etapa na ascensão do Homem a Deus, na mais formosa, e penosa por sua longa subida, das alquimias de transformar o espesso em subtil, o mortal em imortal. Tal caminhada ascensional era marcada pela longa e penitencial rota compostelana, que se fazia a pé.

Fixada num centro (aqui o do praça Saint-Jacques, simbolizando o omphalo ou centro do mundo), a torre tornou-se referência da ascensão e, como o campanário, traduz uma energia solar geradora transmitida à terra. Também o athanor ou forno dos alquimistas assume a forma de uma torre, para significar que as transmutações procuradas nas suas operações encaminham-se todas no sentido de uma elevação do chumbo ao ouro, do profano ao sagrado, ou, por outra, do peso carnal à leveza espiritual, esta como a pura espiritualização.

O simbolismo da Torre é universal: desde o Monte Meru até à Torre de Babel (termo significando “Porta de Deus”) que era um zigurate (observatório astronómico) babilónico (nisto, é curioso, também na plataforma desta Torre parisiense funciona uma pequena estação meteorológica desde 1891, dependente do Observatório de Montsouris). Os andares decrescentes da Torre e o seu cume evocam a Montanha Primordial para os hindus, ou seja, Meru. Diz-se que a Torre de Babel prolongou-se solo adentro, sendo também esse o caso do Monte Meru, a quem as torres da tradição religiosa vêm a representar. Por norma têm uma parte subterrânea marcada por uma blocagem ou um profundo poço central. Unem, assim, os três Mundos: Céu, Terra e Inferno ou Mundo Subterrâneo, exercendo uma função axial relativa ao espaço geográfico arredor e, sobretudo, ao espaço místico que as mesmas representam, como notavelmente se observa nesta Torre de Saint-Jacques de Paris.

Fulcanelli e a Alquimia da Catedral de Notre-Dame

Fulcanelli é um nome universalmente conhecido no mundo esotérico e, contudo, o personagem mais desconhecido no mesmo meio a ponto de duvidar-se que alguma vez tenha existido ou, então, não passar do pseudónimo de algum ocultista famoso que nunca revelou o segredo do seu personagem fictício ou heterónimo.

Há quem diga que ele era o Conde de Saint Germain, que na corte de Luís XVI e Maria Antonieta deixou aos monarcas sábios e sérios avisos sobre a Revolução próxima e o que lhes poderia vir a acontecer, ficando célebre por suas práticas de Alquimia e Teurgia, sendo mesmo considerado justamente um Adepto Vivo ou Homem Perfeito. Outros, mais recatados, aventam que Fulcanelli não passava do pseudónimo do alquimista francês Eugène Léon Canseliet (Sarcelles, 18.12.1899 – Savignies, 17.4.1982).

Tamanho secretismo e discrição da pressuposta pessoa de Fulcanelli explica-se pelo facto da Alquimia ser uma via solitária e dos Adeptos Filosofais resguardarem-se do que chamam “poluição psicomental” provinda do mundo profano ou ordinário. Para não serem afectados pela mesma e prosseguirem com perfeição a sua Obra Filosofal, os verdadeiros sempre se resguardaram da convivência mundana ocultando-se no maior sigilo e anonimato.

Contudo, deve-se a Eugène Canseliet a revelação de quem terá sido Fulcanelli, do qual se considerava um dos poucos discípulos que aquele aceitara no seu meio desde 1915. Tratava-se do pseudónimo de Jean-Julien Champagne (1839-1953), alquimista francês contemporâneo que se dizia ele próprio discípulo espiritual de um filho de Saint Germain: o misterioso Adepto Vivo Bey Al Bordi, que vários ocultistas iniciados associam à própria figura do Arcanjo Mikael ou São Miguel, sem adiantarem muito mais. Através de Canseliet sabe-se que Fulcanelli é de facto um pseudónimo resultado de um jogo de duas palavras: Vulcan ou Vulcano, que os greco-latinos associavam ao “Fogo do Seio da Terra”, ao “Metalúrgico operando as matérias químicas no Mundo Subterrâneo”, e El, “Deus” para os cananeus, portanto, Fulcanelli significa “o portador do Fogo Divino”, este que os cabalistas e gnósticos judaico-cristãos identificam ao Fogo Sagrado do Espírito Santo, os alquimistas ao Fogo Radical ou Seco e os orientais a Kundalini, a Energia Electromagnética que anima a Terra desde o seu Centro.

Fulcanelli ficaria famoso graças a duas obras literárias de Alquimia publicadas com a ajuda de Canseliet: Le Mystère des Cathédrales (O Mistérios das Catedrais), livro escrito em 1922 e publicado em Paris em 1926, e Demeures Philosophales (Mansões Filosofais), publicado em Paris em 1929. Escreveria ainda um terceiro livro que não chegou a ser editado: Finis Mundi Gloriae (Fim da Glória do Mundo), cujo manuscrito original esteve durante algum tempo na posse de Canseliet.

Os dois livros publicados de Fulcanelli estão escritos de uma forma enigmática, parabólica e erudita, repletos de trocadilhos latinos e gregos destinados a dar ao simbolismo alquímico duplos sentidos. É em Le Mystère des Cathédrales que “apresenta a Catedral fundada na Ciência Alquímica” e descreve a Catedral de Nossa Senhora (Notre-Dame) de Paris possuída dessa mesma simbologia esculpida na Idade Média pelos Argots ou Mestres do Gótico, associando esta palavra a Got e God, ou seja, Deus, logo sendo uma Arte Divina por as suas proporções e formas elevarem-se da Terra ao Céu como que querendo trazer este a esta e unirem numa verdadeira “núpcia química”, o que vai bem com a palavra Alquimia ou Allah-Chêmia, “Química de Allah ou Deus”, portanto, “Química Divina ou Oculta”.

De facto na Catedral de Notre-Dame há uma série de esculturas representativas da Alquimia e a própria escultura dum Alquimista, o famoso Argot de Fulcanelli, que está entre as gárgulas situadas sobre o balcão que une as duas torres de onde parece escrutinar a nave que se oferece ao seu olhar. Sobre esta figura, escreveu Fulcanelli em Le Mystère des Cathédrales: “A catedral inteira não é senão uma glorificação muda mas ilustrada da antiga Ciência de Hermes (ou Hermetismo), e ademais ela conserva um dos seus antigos artesãos. Notre-Dame de Paris, com efeito, conserva o seu alquimista: perto do eixo mediano do majestoso edifício, no ângulo reentrante da torre setentrional, no meio do cortejo de quimeras, sobressai o busto de um grande ancião de pedra. Eis aí o alquimista de Notre-Dame”.

Um outro compósito escultórico no portal oeste da Catedral de Notre-Dame, identificado por Fulcanelli como sendo o da Alquimia ou Filosofia Hermética, dizendo na sua obra citada por último: “ A Alquimia é figurada por uma mulher cuja cabeça toca as nuvens. Sentada num trono, tem na mão esquerda um ceptro – símbolo da soberania – enquanto na direita segura dois livros, um fechado (esoterismo) e outro aberto (exoterismo). Mantém entre as suas pernas apoiada contra o seu peito uma escada de nove degraus, scala philosophorum, representando a paciência que devem possuir os seus fiéis no decurso das nove operações sucessivas do labor hermético. À sua esquerda uma mulher eleva um matrás. Ele contém a quintessência das plantas tóxicas, assinaladas nos vegetais nos seus lados. Trata-se de um mal por cuja Arte se pode extrair um bem. À sua direita, uma outra mulher tem um astrolábio, instrumento de astronomia (como referência à influência oculta dos planetas nos metais, ou melhor, na essência que anima a estes). O ponto comum destas três figuras é o de permitir que o invisível se manifeste, como seja a possibilidade da manifestação da Natureza e a compreensão das leis subtis (ou primordiais que regem o Universo visível e invisível)”.

Notre-Dame encerra ainda muitos outros símbolos esculpidos alusivos à Alquimia como Via Hermética para o Homem alcançar a Perfeição Espiritual, o que se representa na fábrica final do Ouro Filosófico, meta última da Grande Obra. Para entender a mensagem desta Grande Obra que a Catedral descreve, nada melhor que a visita demorada a ela seguindo o seu itinerário exterior ou de dimensão cósmica em harmonia com o itinerário interior ou de dimensão humana, cada um vendo com os seus próprios olhos e descortinando com o seu entendimento próprio a grandeza da glória imensa que Notre-Dame, Padroeira da Alquimia, encerra na sua mensagem última e suprema: Ora et Labora – Medita e Trabalha.

As portas do Diabo de Notre-Dame

Corria o ano 1160 quando Maurice de Sully, bispo de Paris, mandou construir uma catedral que fosse sé ou sede religiosa no lugar onde existira um templo de Júpiter do tempo dos galo-romanos, tendo as obras de construção começado em 1163 e terminado em 1272. O majestoso templo gótico foi consagrado a Notre-Dame e Saint-Denis, primeiro bispo de Paris no século III, santo mártir padroeiro da cidade (festa a 9 de Outubro).

Tanto durante as obras de construção do edifício como depois delas, começaram a aparecer lendas tanto apologéticas da religião e da fé como inquietantes onde não se excusava o Diabo como o real feitor deste templo maravilhoso saído dos esquissos repletos de pretensões esotéricas só conhecidas dos saberes secretos das confrarias de monges-construtores, sobretudo clunienses e beneditinos, que de toda a França e de várias partes da Europa para aí dirigiram a fim de realizar a obra encomendada por Maurice de Sully.

Uma dessas lendas, talvez a mais inquietante, diz que as duas portas de ferro forjado da catedral foram feitas pelo Diabo em pessoa, inclusive deixando o seu retrato e o da sua corte infernal esculpido junto às mesmas. Desde então, não poucos dos que chegam junto às mesmas e vêem o aterrorizante quadro geral, sentem um calafrio de temor sobrenatural percorrer-lhes a espinha e logo se afastam pressurosos, não vão abrir-se as portas do Inferno e Satan em pessoa saia por elas e os rapte para o seu mundo tenebroso… A lenda conta:

Os clérigos da futura sede religiosa encomendaram o trabalho de ferraria dos portões da catedral a um artesão de nome Biscornet. A encomenda era colossal, superior às capacidades do serralheiro ou ferreiro, e só restou a este invocar o Diabo para que viesse em seu socorro. Fez um pacto com o Príncipe das Trevas assinando o documento diabólico com o sangue do seu índex, e logo depois Satan obrou por ele assumindo a forma da sua pessoa, realizando com mestria e perfeição diabólicas num curto espaço de tempo a encomenda dos clérigos de Saint-Denis. Assim que terminou, o pobre ferreiro morreu vítima de síncope cardíaca, sendo levada a sua alma imortal para o Inferno, pois que a vendera ao Diabo.

Segundo um texto anónimo publicado num jornal parisiense em 1833, o ferreiro Biscornet é identificado como sendo Gobineau de Montluisant, um homem distinto talvez metalúrgico de Chartres, famoso por seus conhecimentos da ciência hermética que não era invulgar nesse tempo, pois integrava o pensamento tradicional e mágico característico da sociedade mais rural que urbana da Idade Média.

Biscornet significa “com dois cornos”, e é um nome alegórico para designar o cornúpeto Diabo, como é idealizado pelo povo ignorante e supersticioso. O corno é símbolo da fecundidade e abundância, e sendo dois ornando a satânica cabeça, um alude há fecundidade ou capacidade de criar, e outro à abundância de saber como deve criar essa mesma obra. Aqui ela feita com os foles avivando o fogo do inferno ou mundo subterrâneo e os malhos batendo nos metais enrubescidos do seio da terra moldando as formas perfeitas finalmente saídas da forja genial do deus Vulcano. A genialidade da obra, a visão das chispas soltas da fogueira imensa e dos ferros incandescentes, terão levado a imaginação dos simples a ver no cenário o próprio Diabo cercado dos fogos da condenação eterna das almas perdidas, e assim nasceu a lenda.

Se Biscornet é o “diabo” ou mestre dominador da ciência diáblica ou genial de criar obras maravilhosas a partir do domínio do elemento fogo, é assim mesmo que a metalurgia ou arte de forjar os metais era considerada importante ciência tradicional e a mais temida das iniciações de ofícios. A palavra metalurgia deriva do grego métallon, “metal”, da raiz ou més, o nome mais antigo dado à Lua, o astro da noite assim conectado aos mistérios ctónicos ou do seio da Terra, donde irrompe toda a vida que vem a tomar forma, tal qual o homem é formado no seio da mulher, alentado durante nove meses pelo seu calor vital. O simbolismo dos metais comporta um duplo aspecto: por um lado, aqueles que o trabalham, como os ferreiros, foram muitas vezes parcialmente excluídos da comunidade, sendo considerada perigosa a sua actividade de ordem infernal, por outro lado, eles não raro desempenharam, pelo contrário, um papel social capital, e os seus ofícios puderam servir de apoio a organizações iniciatórias, como, por exemplo, os Mistérios Cabíricos (donde Cabires, Cumaras e Caprinos, sendo daí que a imaginação supersticiosa popular concebeu a forma fantástico do Diabo com corpo de bode ou cabra) na Antiga Grécia.

O primeiro desses aspectos devia ser o mais importante, pois a origem dos metais, a relação da ferraria com o fogo subterrâneo, portanto, com o Inferno, são significativas. O aspecto benéfico fundamenta-se na purificação e na transmutação, assim como na função cosmológica de transformador. O metal puro que se desprende do mineral bruto é, como disse Jacob Boehme, o espírito que se desprende da substância para se tornar visível. Os metais têm a propriedade de passar por transformações cujo objectivo, na Alquimia, é a extracção do enxofre ou sulphur filosófico (“o Diabo tresanda a enxofre”, diz o povo), símbolo do espírito. A fusão dos metais é comparável a uma morte, e o enxofre extraído, isto é, a essência ou espírito dos metais, representa a sua virtude.

As portas da catedral de Notre-Dame de Paris estão decoradas com pinturas em ferro forjado de uma beleza excepcional. Os vãos da porta de Santa Ana, por exemplo, são guarnecidos com pinturas admiráveis que os cobrem quase inteiramente com pequenas obras-primas de ferraria. Elas formam amplos arabescos finos e ligeiros, desde desenhos de flores e de folhagens até formas de animais. Estes são os primeiros testemunhos da arte de metalurgia e serralharia dos séculos XII e XIII.

A presença do Diabo regista-se junto à porta do Julgamento, onde se vê o escultórico ilustrativo do Julgamento Final da Humanidade, correspondendo ao final dum Ciclo Planetário, onde os justos e perfeitos habitarão a Nova Jerusalém descida do Céu à Terra, e os injustos e pecadores sofrerão as penas da condenação eterna nas trevas da perdição às mãos dos terríveis demónios que aí estão esculpidos. Desse facto apocalíptico a atribuir-se a feitura das portas ao Diabo, foi um pequeno passo… e assim a lenda prossegue até hoje.

O Diabo da igreja de Saint-Merry

Quem chega diante do pórtico ogival da igreja de Saint-Merry vê no seu topo, como dizem que viram os alquimistas Nicholas Flamel e Fulcanelli, a insólita imagem esculpida, com cerca de 30 centímetros de altura, do Diabo, sentado em X mostrando-se andrógino pelo seu sexo masculino erecto contrastando com o corpo feminino. Do que se trata e porque foi esculpido aqui?

Muitos historiadores e tradicionalistas afirmam que a estranha figura do Diabo remonta às origens desta igreja datada de 1526 mas erguida sobre uma outra primitiva remontando ao início do século XI (1005), quando foi fundada a paróquia de Saint-Merry e os seus cónegos integrados no Capítulo da Sede Catedral de Paris como “filhos de Notre-Dame”. Mantendo o seu estilo gótico flamejante, esta “Notre-Dame la petite” recebeu restauros significativos no século XIX, e foi quando, segundo outros autores, um Companheiro do Dever de Liberdade, agremiação de inspiração franco-maçónica, esculpiu esta inquietante figura entre 1840 e 1847, facto reforçado por não se detectarem provas documentais da existência desta estatueta antes dessa data, mas tão-só a lenda do estranho acordo aqui firmado entre Deus e o Diabo.

Conta-se que Deus desejoso de compensar o descontentamento e a frustração do Diabo em não conseguir capturar almas para o Inferno, propôs a este último que poderia ficar com as almas pecadoras cada vez que se apagasse um círio na igreja de Saint-Merry. Desde então as almas condenadas, sabendo do seu terrível destino, vêem-se obrigadas a manter um círio aceso perpetuamente dentro do templo, para não serem arrastadas para o Inferno. Não saem da igreja porque à sua porta está o Diabo à espera delas…

A mensagem de fundo da lenda indica tanto a busca da santidade em vida corporal para não perder a alma post-mortem, como igualmente essa mesma santidade adquirida pela sabedoria representada no próprio Diabo como emblemático da Inteligência Divina, sem a qual se errará em trevas perpétuas, pelo que é necessário manter aceso continuamente o círio ou vala consagrada, cuja chama é sinal da Luz Eterna.

Com efeito, a palavra diabo tem sentido nada diabólico e muito esclarecedor a quem procura a Sabedoria Divina. Deriva do latim diabulus, cujo prefixo di ou dies significa deus, e o sufixo ab, ad ou adi quer dizer primeiro, portanto, o Primeiro Deus ou Deus Original, o mesmo que presidiu à Primeira Manifestação Divina como Caos antes de se fazer o Cosmos, ou seja o que os Iniciados na Tradição Sagrada chamam o Período de Saturno (Treva) antecedente do Período Solar (Luz), na formação primordial do Universo. O Satan hebraico vem a ser o mesmo Diabulus latino. Por sua vez, o termo grego Daemon designa o Génio, a Divindade Inteligente manifestada no homem por Ela iluminado, e nunca o pressuposto Príncipe do Mal das interpretações das religiões dualistas geralmente aplicando-as com o fim exclusivo de amedrontar os prosélitos e não os deixar escapar da sua influência.

Os antigos judeus, sidónios e filisteus adoravam Astaroth, a divindade andrógina diabolizada posteriormente, representando a Inteligência Divina ou Universal. Trata-se de uma Potestade que não admite a hipocrisia, a simulação, a distorção das ideias, factores muito vulgares nas comuns criaturas humanas que, em geral, utilizam a inteligência de maneira egoísta, dissimulada, ardilosa, em contraposição à exigência de Astaroth de sinceridade e integridade, que são manifestações positivas, divinas.

É precisamente o deus Astaroth que está retratado nesta escultura da igreja de Saint-Merry, o mesmo que o ocultista Eliphas Levi celebrizaria no século XIX como Bode de Mênfis, por corruptela Mendes, o Caprino ou Kumara do Egipto, berço da Tradição Iniciática Ocidental, dizendo-se que era adorado pelos Templários sob o nome Baphometh, apesar de na Idade Média esse termo inexistir e só ter nascido tardiamente nasceu da prosa e da poesia de alguns poucos trovadores occitanos medievais, dando nome a uma criação da fantasia poética. Para todo o efeito, é tão-só a representação fantástica da Inteligência Universal que assiste a toda a vida natural e inteligente e na qual alguns raros Iluminados, como Saint-Merry, por exemplo, se integraram e tomaram posse dela.

Desde os séculos IV-V que este lugar era considerado sagrado pelos galo-romanos que aqui estavam instalados, em pleno bosque onde se erguiam alguns menires ou pedras mágicas catalisadoras das forças telúricas da Terra. Vem daí o antigo etimólogo dado ao sítio: Saint-Pierre-des-Bois, isto é, São Pedro, antes, Santa Pedra dos Bosques. Aqui o eremita Medericus ou Médéric, donde Merry, se instalou numa cabana, após ter relegado o cargo de abade do Mosteiro de Saint-Martin d´Antun, vindo juntamente com o seu confrade Frodulphe ou “Frou”, e cedo ganhou fama de santo pelo seu poder de curar as doenças e de libertar os cativos. Foi martirizado no ano 700, segundo a descrição escrita cerca de 859 por Usuard, monge de Saint-Germain-des-Prés, sendo trasladado para a capela de Saint-Pierre em 29 de Agosto do ano 884. Mas como o culto a este santo aumentou ainda mais com o passar do tempo, Eudes Le Falconnier, no século X, tomou a decisão de fundar a igreja de Saint-Pierre-Saint-Merry, para depor nela os restos mortais do santo mártir, que hoje se encontram na cripta do templo.

Finalmente, se em bretão Merry significa “Felicidade”, e o Diabo é a “Sabedoria”, logo, a Sabedoria da Felicidade ou Iluminação, este significado enquadra-se inteiramente na ideia teológica subjacente a este templo: Deus é o Altíssimo, Ele é a Luz e esta Luz incarna-se na vida dos santos. O templo é o lugar privilegiado onde Deus está particularmente presente entre os fiéis que acreditam Nele e vivem o Amor.

Martírio de Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários

A Ilha dos Judeus, depois chamada Ilha dos Templários, situa-se em Paris sobre o Rio Sena e está justamente a oeste da Ilha da Cidade. Foi nela que foram queimados vivos Jacques de Molay, 22.º e último Grão-Mestre da Ordem dos Templários, e o seu companheiro Geoffroy de Charnay, em 18 de Março de 1314. Ela foi depois, com duas pequenas ilhas ao lado, ligada à Ilha da Cidade pelo acrescentamento da actual praça do Vert-Galant.

Em memória desse acontecimento fatídico ocorrido com Jacques de Molay, foi colocada uma lápide no local da execução com a inscrição seguinte: “A cet endroit Jacques de Molay dernier Grand Maître de l´Ordre du Temple a été brûlé le 18 Mars 1314” (“Neste lugar Jacques de Molay último Grão-Mestre da Ordem do Templo foi queimado em 18 de Março de 1314”).

A cupidez desmedida do rei Filipe IV, o Belo, que não olhava a meios para alcançar os fins, levou-o a acusar a Ordem dos Templários das maiores e mais fantásticas heresias que nunca foram provadas mas que bastaram para ele convencer o papa Clemente V, que colocara no sólio de S. Pedro, de que eram verdade (apostasia, heresia, idolatria, sodomia, usura, etc., etc.). Corria o ano de 1307. O que o monarca francês queria era só as riquezas do Templo, móveis e imóveis, com o qual, aliás, andava endividado e não tinha meio de saldar as suas dívidas. Com efeito, em 1297 os Templários adiantaram-lhe 2.500 libras; um ano depois, mais 200.000b florins são-lhe emprestados; em 1300, recebe novo empréstimo de 500.000 francos. Sem possibilidades de pagar, em 1305 solicitou o seu ingresso na Ordem a título honorário, na esperança de manipulá-la por dentro. Sujeitou-se a uma recusa peremptória…

Foi quando Filipe IV passou à intriga e à mentira arrastando o papa seu capataz para os seus fins tenebrosos. Assim, na madrugada de sexta-feira de 13 de Outubro de 1307 os Templários e o seu Grão-Mestre instalados na Ville Nueve du Temple, em Paris, foram detidos sem oferecer resistência acreditando que o papa em breve interviria a seu favor, pois que eram uma Ordem militar eclesial cujo chefe supremo era o próprio papa. Nisto foram completamente enganados. Mas também o rei Filipe foi desenganado, pois a Casa do Templo estava vazia de qualquer riqueza, nem uma só moeda havia… Seguiu-se a arbitrariedade das prisões em massa dos Templários em todo o território francês, as torturas, as mortes, as confissões feitas verdades das mentiras que as torturas impunham. O escândalo correu por toda a Europa. Todos sabiam que Filipe IV era cruel e ambicioso, mas ninguém queria a guerra declarada. E assim o processo infame foi consumado: primeiro o papa Clemente V aboliu a Ordem do Templo em 22 de Março de 1312, e depois o seu Grão Mestre Jacques de Molay recebeu o fogo corporal do martírio na manhã fria, húmida e lúgubre de 14 de Março de 1314.

O rei francês e a restante corte acabrunhada, ficaram à entrada da ilha que já de si era maldito o seu chão tinto do sangue e cinzas dos proscritos, hereges e outros mais marginais da “raça maldita de Judah que matara o Senhor”, tal era a fama tenebrosa deste pequeno lanço de terra onde raros se aventuravam a entrar, não fossem perder a sua alma imortal. Entretanto, Jacques de Molay fincou os olhos na catedral de Notre-Dame e assim ficou até as chamas devorarem o seu corpo mortal, portando-se no martírio com a grandeza de santo que escarnece da morte atroz vizinha.

Quando um frade encarregado dos responsos aproximou-se do Grão-Mestre com um crucifixo na mão concitando-o a arrepender-se dos seus crimes, Jacques de Molay admoestou-o com a serenidade do justo: “Guarde, ó frade, as suas orações para o papa, que bem vai precisar delas”. E dirigindo-se ao rei de França, sentenciou profético que “antes de um ano decorrido ele haveria de comparecer perante o Supremo Juiz dos vivos e mortos”. Assim aconteceu, tanto com o rei (falecendo em 29 de Novembro de 1314), como com o papa (morrendo em 20 de Abril de 1314), o advogado Nogaret (que já havia morrido em Abril de 1313), o argentário real Enguerrand de Marigny (enforcado em 30 de Abril de 1315), e ainda assassinado por punhalada o traidor Esquieu de Floyran, antigo prior de Montfaucon e Templário renegado que se deixou subornar por Nogaret, tendo inventado acusações tão inverosímeis que só poderiam sair de uma mente muito doente, fraca e malévola.

A Casa da Ordem do Templo em Paris era a sede da Província Templária de França e a maior comendadoria do país. Foi construída fora dos muros da cidade, sobre os antigos pântanos, o actual quarteirão de Marais, que nos Templários fizeram secar, e chamou-se Ville Neuve du Temple, em contraposição com o Vieux Temple, que foi a sua primeira Casa em Paris.

A importância desta Ordem de Cavaleiros-Monges foi tão grande em Paris que hoje espanta não haver nela erguido um só monumento ou edifício dos antigos Templários. Filipe IV e os seus descendentes encarregaram-se de apagar todos os vestígios da presença Templária em Paris. Só sobrou a Casa-Mãe do Templo, em breve convertida em prisão do Estado sob o nome Torre do Templo, vulgo Bastilha, que Napoleão Bonaparte faria demolir completamente em 1808, e após 12 anos de obras de demolição nada restou, excepto uma pedra original do edifício que se diz estar hoje exposta na estação de metropolitano La Bastille.

Três nomes de ruas evocam a presença dos Templários em Paris: a Rue du Temple, a Rue Vieille-du-Temple e a Rue des Blancs-Manteaux (3.º e 4.º arrondissements, “bairros”, para as duas primeiras, e 4.º para a terceira). Igualmente o Boulevard du Temple e a estação de metropolitano Temple, contribuem para a evocação do quarteirão desde sempre chamado du Temple, como também o seu mercado coberto chamado Carreau du Temple, e o square du Temple mesmo ao lado.

“La Dame à la Licorne” no Museu de Cluny

O mistério envolvente de La Dame à la Licorne reveste-se de lendas difundidas no século XIX a seu respeito. A maioria dos estudiosos da História da Arte visiona este belíssimo conjunto de seis peças de tapeçaria, exposto no Museu de Cluny, como simples motivo decorativo feito de acordo com o capricho e a fantasia de algum nobre ilustre que teria encomendado a feitura da obra.

Por norma, esses estudiosos resignam-se à apreciação das cores, da textura, das figuras, do formato e nada mais. Outros, mais audazes contudo inconsistentes, arrojam-se em leituras herméticas do simbolismo das tapeçarias sem as devidas bases históricas e filosóficas, e assim também vêm a desvanecer-se por si mesmas. A chave para a interpretação correcta deverá estar em aliar a Arte à História e a Filosofia e enquadrar as tapeçarias na mentalidade espiritual ou tradicional da época em que foram feitas, por quem e que mensagem ocultada poderão reservar.

Foi a célebre escritora George Sand quem descobriu, no século XIX, as tapeçarias no castelo de Boussac, dando notícia das mesmas em 1847 e em 1871. Depois, em 1883, Edmond Du Sommerard, num suplemento ao seu catálogo do Museu de Cluny, informa que essas peças tratam da exaltação nobiliárquica da família Le Viste, originária de Lyon migrada para Paris, e que no último terço do século XV (1457) encomendara a execução da pintura na pessoa do seu patriarca Jean Le Viste, que faleceu em 1500 e está sepultado na igreja dos Celestinos de Paris.

Jean Le Viste andou de proximidades com as tradições herméticas do seu tempo, participou das mesmas e esta sua tapeçaria pode muito bem ser a exposição artística das suas crenças esotéricas. Nas peças está patente a simbologia do conceito provençal do amor cortês tão próprio ao carisma desse período final da Idade Média e que fora caríssimo ao ideal de Cavalaria que os trovadores e jograis imortalizaram, estes os primitivos Fidelli d´Amore em voga na época fundador da família Le Viste, ou seja Jean I (morto em 1383), quando também já ganhara fama em toda a Europa a Divina Comédia de Dante Alleghieri, dada á estampa 63 anos antes, considerado cronista da Ordem do Templo cuja obra-prima é também considerada testamento póstumo do Ideal Espiritual dos Templários.

Possuindo simbologia de carácter esotérico, neste caso as tapeçarias reservarão uma leitura velada ou codificada, talvez a última desse período deixada pela família Le Viste já de si estranha, cuja origem alguns atribuem ao príncipe Zizim, filho de Mohammet II e irmão de Bajazet, casado com uma cristã aquando da sua estadia em Bourganeuf. Daí a origem dos crescentes na Armas dessa família, como se vê nas tapeçarias, ela que também serviu de ponte entre o pensamento místico da Aquitânia ao Norte (alegoria da Terra Branca ou Primordial, espécie de figuração do paraíso ou Éden morada original do Homem) e da Provença ao Sul (emblemática da própria França Ocultista ou Tradicional que aí tem o seu começo, como o lugar da Tarasca ou luta de Santa Marte contra o Dragão das antigas tradições).

A Dama que acompanha o Licórnio, além de figurar alguma familiar dos Le Viste, figurará sobretudo, na pretensão oculta, a própria Virgem Mãe Deus, a Senhora da Luz ou Mater Lucina que as mulheres romanas invocavam durante os partos, e também a Lusina celta, deusa agrícola das semeaduras e colheitas. Por sua vez, o Licórnio ou Unicórnio na iconografia cortês medieval figurava o próprio Espírito Santo por cuja graça Cristo veio à luz através da Virgem. Com efeito, a iconografia ocidental fez o corno nasceu da fronte do animal mítico espiritualizando a sua simbologia sexual original. O unicórnio tornou-se símbolo da pureza da força, e por esta razão as iluminuras e tapeçarias medievais mostram que ele só pode ser capturado com a ajuda de uma virgem pura, em cujo regaço se refugia constantemente, sendo depois aprisionado pelos caçadores e em seguida morto. Este procedimento foi interpretado na Idade Média como o simbolismo da concepção de Jesus Cristo pela Virgem Maria, assim como a posterior morte na Cruz do Salvador. Nessas cenas Maria está sentada num jardim fechado (em latim, hortus conclusus), ou num roseiral vedado (como se vê nestas tapeçarias do Museu de Cluny), e significa exactamente o rosarium hermeticum a ser adentrado por quem para tanto seja lúcido e puro como um Jesus ou um Parsifal na demanda do Saint Vaisel, a Taça contendo o Leite do Licórnio, isto é, o Elixir da Imortalidade Espiritual.

Dessa maneira, o licórnio também simboliza, com o seu chifre único no meio da fronte, a flecha espiritual, o raio solar, a espada de Deus, a Revelação Divina, a penetração do Divino no Humano, o que veio a ser representado na iconografia cristã pela Virgem fecundada pelo Espírito Santo, símbolo da fecundidade espiritual e da virgindade psicofísica. Desta maneira, o licórnio tornou-se na Idade Média o símbolo da incarnação do Verbo de Deus no seio da Virgem Maria.

A manifestação do Divino no Humano faz-se pelo aprimoramento psicomental à “máxima potência ou possibilidade” dos sentidos corporais desse último, para se tornar receptivo à influência espiritual e a sua consciência seja iluminada pela mesma. Por isso as seis tapeçarias de La Dame à la Licorne têm como títulos os sentidos humanos: La Vue L´OuïeLe Goût L´OdoratLe ToucherA mon Seul Désir (O Olhar – O Ouvir – O Gosto – O Odor – O Tocar – Ao meu Único Desejo). Sendo tradicionalmente Le Toucher – o Tocar ou Tacto – o sentido mais grosseiro, ele deveria estar em primeiro lugar de acordo com a escala sequencial “do mais denso ao mais subtil”. Segundo a Tradição Iniciáticas das Idades, estas tapeçarias têm as seguintes correspondências com os respectivos sentidos humanos e as influências psicofísicas dos planetas afins nos mesmos:

Le Toucher – Tacto – Consciência Física – Sol

(A Dama mostra-se receptiva à fecundação tocando o chifre do Licórnio)

Le Goût – Paladar – Consciência Vital – Lua

(A Dama fita o Licórnio erguido e dirige a mão para o vaso da geração)

La Vue – Visão – Consciência Emocional – Marte

(A Dama olha enternecida o Licórnio que se reflecte no espelho dela)

L´Odorat – Olfacto – Consciência Psicomental – Saturno

(A Dama engancha uma grinalda de cravos odorando o Licórnio erecto)

L´Ouïe – Audição – Consciência Mental – Vénus

(A Dama toca música enlevando o Licórnio atento na sua frente)

A mon Seul Désir – Intuição – Consciência Intuicional – Mercúrio

Êxtase – Consciência Espiritual – Júpiter

(A Dama junto à Tenda ou Tabernáculo recebe a homenagem do Licórnio)

O “meu Único Desejo” revela ser o da derradeira união da Alma (la Dame) com o Espírito (le Licorne), tanto mais que a Inteligência Espiritual (Intuição) só se manifesta junta com o Princípio Espiritual (Espírito), sendo o lugar consagrado da sua união o próprio Tabernáculo onde habita o Eterno revelado na Virgem a quem presta homenagem o Filho, conforme a iconografia medieval aqui retratando-os como a Senhora e o Licórnio.

O Teatro Odéon e a Ordem Universal

A história do Teatro Odéon de Paris está ligada às pessoas da rainha Maria Antonieta, que lhe deu fama universal, e do arquitecto Chalgrin, que lhe deu forma conformada à Ordem do Universo.

Tudo começou em 1774 quando Luís XVI, marido de Maria Antonieta, ordenou a construção de um teatro para abrigar a trupe da Comédie Française que estava desde 1762 nas Tulherias. Charles de Wailly, pároco de Servandoni (Saint-Sulpice), ocupou-se dos planos arquitectónicos do que seria o teatro, edificado no jardim do antigo Hôtel de Condé entre 1779 e 1782, onde a 9 de Abril foi inaugurado pela rainha Maria Antonieta. Em 1799, durante o Terror, o teatro foi incendiado e a rainha decapitada. Só em 1807 é que o arquitecto francês Jean-François-Thérèse Chalgrin (1739 – 21.1.1811) o pôde reconstruir, recebendo novas obras em 1818. Na década de 1950 recebeu a influência de Jean-Louis Barrault que lhe deu a feição de modernidade, e desde 1990 o teatro foi renomeado passando a chamar-se Théâtre de l´Europe.

Mas desde 1797 que este teatro é chamado o Odéon, nome inspirado em dois termos latino e grego: odeum, palavra latina com que se designa o canto, a ode musical, em canto ou prosa, a pessoa ou coisa muito distinta, e odeon, que é o palco grego onde se desenrolavam os concursos musicais e as cenas teatrais.

O arquitecto Chalgrin, homem conhecedor da ciência sagrada dos antigos greco-latinos e do significado transcendente que eles davam ao teatro como “acto divino” (theos-actum), fosse como farsa ou comédia da vida, drama e tragédia da existência ou epopeia de ser, impôs neste edifício o estilo neoclássico e fez dele, pelo traçado do esquisso, uma ode à Ordem Universal, onde por detrás das máscaras ou aparências estão os actores ou actos levando a cena o movimento do Universo vivo, desta feita através da arquitectura sagrada.

Isso está muito bem com o significado etimológico da palavra teatro, do grego theaomai, “olhar com atenção, perceber, contemplar”. Mas theaomai não significa ver no sentido comum, mas sim ter uma experiência intensa, envolvente, meditativa, inquiridora, a fim de descobrir o significado mais profundo, portanto, uma cuidadosa e deliberada visão que interpreta o seu objecto, neste caso, o sentido oculto do objecto é o próprio edifício do Odéon.

Com efeito, o Teatro Odeón revela-se de grande interesse e significado esotérico nas suas linhas arquitectónicas: perfeitamente rectangular erguido numa praça circular, reproduz o esquema clássico do quadrado longo (rectângulo) inscrito no círculo, ou seja, a quadratura do círculo. Essa configuração é muito significativa simbolicamente: o círculo é o símbolo do Universo, do Espírito Universal e assim mesmo do Infinito, enquanto o quadrado (longo ou não) representa a Matéria sob o ritmo ou compasso quaternário (os quatro ângulos do quadrado) do Influxo Cósmico que regula o Mundo: inspiração – retenção – expiração – retenção; lua cheia – quarto minguante – lua nova – quarto crescente; as quatro marés; infância – adolescência – maturidade – velhice, etc., mas também os quatro elementos naturais que animam o pulsar do Mundo e do Universo: Ar, Fogo, Água, Terra, e até, na arte teatral, comédia, tragédia, drama e farsa. Por tudo isto, é que os tradicionalistas conhecedores da arquitectura sagrada, como Jules Boucher, afirmam que “o quadrado inscrito no círculo significa o Mundo e a Ordem do Mundo Universal”.

Isso está em coerência com o nome que se deu a este teatro, o Odéon, dando uma conotação musical à arte teatral na cena do Universo, ou seja, àquilo que os antigos gregos da Escola Pitagórica chamavam a Harmonia das Esferas ou Mundos (físicos e extra-físicos) regulando o ritmo do Universo. Só assim se compreende o nome musical um pouco incongruente dado a este teatro, precisamente graças à sua configuração arquitectónica e à praça onde está construído.

Teatro da Ordem do Mundo e da Força rítmica do Universo, o Odéon vem a representar a Ordem Universal em toda a sua força, e para representar esta nada mais apropriado que as colunas dóricas que ornam a sua fachada norte, oito exteriores e duas interiores ou mais atrás. O valor dez é o mesmo dos atributos de Deus ou sephirots da Árvore da Vida judaico-cristã com que é apresentado o Universo completo levado a cena após transpor-se essa entrada principal, simbolicamente falando. Para reforçar o sentido deste simbolismo do Universo Vivo reproduzido no Teatro da Vida, nada melhor que o estilo dórico das colunas, pois que evoca a ideia de força e de grandeza, segundo os antigos arquitectos e geómetras. Também a entrada ao Norte indica o primeiro dos quatro pontos cardeais e assim expressa o ponto central de força (o ponto laya, segundo os Iniciados orientais) a partir do qual se organiza e irradia o ritmo cósmico, chamado rajas na linguagem tradicional e que é aquele que separa o Criador da Criatura, sendo o próprio ritmo a Criação.

Por sua forma de quadrado longo, o Odéon apresenta-se como uma reprodução em miniatura ou microcósmica da macrocósmica ou maior Cosmologia esotérica, assim se aparentando no seu significado tradicional ao Ka ou Alma do Universo, conforme os antigos egípcios, e até mesmo ao da Caaba islâmica, com o mesmo significado de centro concentrador da força e da grandeza da ordem e do ritmo do Universo que aqui, de maneira singela aparentemente a despropósito, são levadas a cena no palco do Mundo organizado.

Monumentalidade maçónica parisiense

É tarefa quase impossível descrever todo o imobiliário decorativo de inspiração maçónica que existe em Paris. Ele está presente em inúmeras estátuas e outros monumentos, inclusive em palácios e até igrejas, chegando mesmo a surpreender o visitante da cidade aqui e ali a aparição súbita, nos frontais de casas anónimas, a exposição dessa simbologia do imobiliário maçónico.

Contam-se na casa das centenas os imóveis decorados com esses labores iniciáticos, mesmo assim passando completamente despercebidos à maioria dos visitantes e moradores deste antigo burgo. É natural que assim seja, pois a Maçonaria é fundada em França – donde Franco-Maçonaria – em 1717, na cidade de Clermont, e cedo torna Paris o principal pólo das suas actividades político-sociais e sobretudo iniciáticas ou espirituais. Transfere-se para Inglaterra onde é fundada quase na mesma época, desde então até hoje havendo duas potências maçónicas como principais do mundo jacobino europeu: a inglesa e a francesa. Esta última, após ter exercido a sua influência sobre a nobreza liberal, marcou profundamente a Revolução Francesa e emprestou muito do seu formalismo ideológico político e cultural ao Império Bonapartista, sendo ainda uma fonte essencial de inspiração sob a Terceira República (1870-1940), que acabou durante a Segunda Guerra Mundial e com ela a grande influência e domínio franco-europeu que a Maçonaria detivera até então.

Mas não morreu, continua viva e activa a sua influência, apesar de já não possuir o brilho soberano com que dominava outrora. Talvez que isso se deva aos seus próprios membros, hoje mais vocacionados para os acidentes político-sociais imediatos que para as motivações espirituais que são o cimento desta Ordem Iniciática Secreta que prestou relevantes serviços à França e à Europa, alcançando as Américas e a África.

Numerosos arquitectos, escultores e outros artistas plásticos pertencentes à Fraternidade Franco-Maçónica, deixaram inscritas nas suas obras a simbologia tradicional da Maçonaria em que se inspiraram. O gosto da época utilizando os estilos dominantes, deram às formas esculpidas ou pintadas símbolos iniciáticos cujas interpretações profundas, muitas vezes, fugiam ao entendimento dos próprios artistas, que se limitavam a reproduzir os elementos arquitectónicos tradicionais, deixando exposta a fórmula geral mas ficando a interpretação a cargo doutros mais esclarecidos no simbolismo tradicional maçónico.

Eis alguns dos mais importantes e significativos monumentos maçónicos de Paris:

Fachada da Assembleia Nacional. Na cimalha vêem-se as figuras clássicas da Força, à direita, e da Lei, à esquerda. Ao lado da Força está uma mulher com um compasso, e ao lado da Lei uma outra mulher com um esquadro. Representam a Força do Espírito e a Justiça da Lei que deve governar o Mundo. As duas mulheres vêm a representar a Inteligência e a Rectidão, cuja Beleza está representada nas colunas coríntias que decoram a entrada do edifício. Defronte a este, levanta-se um obelisco egípcio, como objecto catalisador e fixador das energias celestes ou cósmicas no espaço demarcado da Assembleia Nacional, como se a intenção de aí o plantar fosse para insuflar ânimo e inspiração superior aos deputados eleitos da Nação.

Mosaicos do Conselho Económico e Social. O palácio que abriga o Conselho foi construído antes da Segunda Grande Guerra e é obra do arquitecto Auguste Perret (1854-1954). Em 1992 o seu friso foi ornado com onze mosaicos criados pelos escultores Royne e Guardici, membros da Maçonaria. Esses onze mosaicos são de inspiração maçónica e neles vêem-se o mundo (dos iniciados), a pedra talhada (da perfeição), a pirâmide (da iniciação), as etapas da vida (iniciática) e a cadeia de união (ou elo espiritual que une entre si os maçons de todo o mundo). O número onze dos mosaicos representa a Força e a Determinação, cujo valor extrai-se do 5,5 + 5,5, este o algarismo cabalístico do 5.º Grau de Mestre Perfeito, cujo símbolo é o pentagrama ou estrela de cinco pontas, representado um homem de pernas e braços abertos receptivo às influências universais dos cinco elementos da Natureza (Éter, Ar, Fogo, Água, Terra).

Monumento da III República Triunfante. Situa-se na Praça Sadi Carnot, Presidente da República Francesa em 1887 que em 1894 foi assassinado em Lyon pelo anarquista Caserio. Apesar deste presidente nunca ter sido maçom, o Monumento da III República Triunfante apresenta vários símbolos e instrumentos que fazem parte da simbologia maçónica, tais como um esquadro e um fio de prumo, celebrando a Razão que pretende inculcar aos cidadãos pela luz do esclarecimento e da tolerância.

Pirâmide do Parque Monceau. Philippe d´Orléans (1747-1793), também chamado Philippe Egalité e que foi o primeiro Grão-Mestre do Grande Oriente de França em 1771, escolheu este parque para sua residência e última morada, estabelecendo nele uma espécie de jardim ou éden maçónico cuja fábrica encomendou a dois reputados franco-maçons, o pintor Louis Carogis, chamado Carmontelle, e o arquitecto Poyet. Além da casa de habitação, hoje desaparecida, que servia secretamente de templo, o parque contava igualmente com um “vale dos caídos”, hoje só existindo a pirâmide egípcia que mandou erguer aí como símbolo explícito do Templo Osírico e Isíaco representativo do Sol e da Lua que iluminam a Montanha da Iniciação, esta representada na Hierarquia Maçónica em que o iniciado sobe grau a grau até ao cume, isto é, até alcançar o 33.º Grau supremo.

Tumbas maçónicas no Pére-Lachaise. Este cemitério abriga as tumbas de franco-maçons célebres: Raspail, Arago, Cambacérés, etc., mas nem todas têm em evidência os símbolos maçónicos. A de Raspail, por exemplo, comporta uma Ísis velada, mas esta referência não é óbvia: primeiro deve-se ver uma mulher chorosa escondendo o rosto por detrás do véu de viúva. A grande quantidade de pirâmides e de obeliscos nas sepulturas doutros maçons oitocentistas, está de acordo com a tendência egípcia que marcou Paris na primeira metade do século XIX. Assim, o monumento piramidal dedicado à memória do matemático e maçom Gaspard Monge (1762-1818), evoca a sua participação na Campanha do Egipto sob as ordens de Napoleão Bonaparte. O visitante também pode procurar a sepultura do célebre escultor e franco-maçom Bartholdi, ou aquela do arquitecto Pierre-François Fontaine (1762-1853), outro suposto franco-maçom. O monumento que lhe foi dedicado é em forma octogonal, estando gravado em cada ângulo um compasso aberto, um delta e um nível entrecruzados. O marechal Ney, fuzilado em 1815, repousa na quadra nos grandes servidores do Império. A sua tumba é obra do escultor e maçom David d´Angers. A lenda conta que a urna do marechal estará vazia. “O bravo entre os bravos” teria sido salvo pelo seu irmão na Maçonaria Escocesa, o duque de Wellington. Ambos eram Cavaleiros Rosacruzes da Águia Negra. Ney teria sido morto na Carolina do Sul, América do Norte, em 1846.

Louvre: um templo maçónico?

O Palácio do Louvre é considerado o maior do continente europeu que actualmente abriga um dos mais ricos museus de arte do mundo, o Museu do Louvre. Estendendo-se por uma superfície com mais de 135.000 m2, situado em Paris na margem direita do Rio Sena entre o Jardim das Tulherias e a igreja de Saint-Germain-l´Auxerrois, está indissoluvelmente ligado à história da cidade e recua as suas origens até um milénio atrás, quando os francos sicambros aí viviam em lugar fortificado, o que deu origem ao etimólogo franco germanizado lauer, lover ou lower, “torre de guarda”, “castelo” ou “campo fortificado”, donde se originou o termo actual louvre.

Residência de reis e rainhas até ao século XVIII, quando nos finais deste aconteceu a Revolução já o Louvre encontrava-se desocupado pela realeza, e por isso foi poupado à destruição pela sanha revolucionária. O espaço recebera profundas reformas entre 1594 e 1610 durante o reinado de Henrique IV, quando se pretendeu eliminar a sua feição medieval e ampliar o espaço ligando-o às Tulherias traçando-se um esquisso inédito inspirado por Antoine de Laval (1550-1631), cujas ideias gnoseológicas não eram desconhecidas. A essa reforma estrutural de ampliação e nova feição do Louvre chamou-se o Grand Dessein (Grande Propósito), e pretendeu-se com ele realçar um propósito religioso do espaço palaciano adaptado à modernidade da época.

Em 6 de Maio de 1791 foi aprovado o projecto-lei determinando que o Palácio do Louvre passaria a funcionar como Museu permanente, graças às iniciativas do Marquês de Marigny, superintendente geral dos edifícios do Rei, e do seu sucessor, o Conde de Angivillier, ambos membros activos da Franco-Maçonaria em Paris com papel destacado na Revolução. É aqui que aparece pela primeira vez, após as reformas arquitectónicas do palácio para ser adaptado a museu, a referência singular da planta estrutural do Louvre ser idêntica à planta de uma Loja maçónica. Isto porque o Louvre está ordenado em três partes distintas tal qual um templo maçónico, para as quais não faltam inclusive símbolos decorativos exportados da Maçonaria.

Tal como um templo maçónico tem o formato dum duplo quadrado ou rectângulo, também o Louvre possui estrutura quase rectangular e reparte-se em três alas tal qual aquele está ordenado:

– A Ala Richelieu, ao Norte, corresponde ao lugar dos Aprendizes. Representa o vestíbulo exterior da Loja, onde os não-iniciados são recebidos, e que é assim uma espécie de “espaço profano” tal qual o adro das igrejas onde se reúne o povo.

– A Ala Denon, ao Sul, corresponde ao lugar dos Companheiros. Representa a nave ou “espaço sagrado” da Loja, onde os iniciados se reúnem.

– A Ala Sully, a Oriente, sendo o lugar dos Mestres. Expressa o centro da Loja, o “lugar secreto” correspondendo ao “Santo dos Santos” (Sanctum Sanctorum), onde os iniciadores se reúnem.

Das 32 estátuas que decoram as fachadas dessas alas, três quartos delas representam maçons do Grande Oriente de França, o que é muitíssimo significativo.

Sobre a galeria da Bord-de-L´eau, no exterior, por cima da porta Barbet de Jouy vêem-se duas mãos dando o cumprimento fraternal maçónico, e também repetidas vezes a letra H evocativa de Hiram, o lendário grande arquitecto do Templo de Salomão que a Maçonaria considera o seu padroeiro histórico, de acordo com o seu mito ou lenda de fundação.

Na fachada Sul podem-se ver uma quantidade de utensílios de pedreiro-livre ou maçom (esquadro, compasso, régua, colher, fio de prumo, etc.), misturados com as ornamentações vulgares.

Ao nível das bilheteiras do Louvre, sobre o frontão, aparecem novamente duas mãos dando o cumprimento fraternal maçónico e um esquadro abaixo, significando que a Obra Maçónica – para o esquisso do Louvre – é perfeita.

Ainda sobre a Ala de Richelieu, observa-se um compasso junto às tábuas da Declaração dos Direitos do Homem, esta que é redacção claramente maçónica valendo para sempre e para todas as condições sociais e religiosas humanas, portanto, sendo intemporal, imorredoura enquanto Homem houver.

Em 1983 o  Presidente da República Francesa, François Miterrand, outro maçom, propôs o plano do Grand Louvre, a fim de renovar o edifício e transferir o Ministério da Fazenda, permitindo assim que exibisse todo o palácio. Foi aprovado o projecto do arquitecto sino-americano Ieoh Ming Pei, construindo-se uma pirâmide de vidro com o seu átrio subterrâneo de acesso ao Museu, seguindo a tendência egípciaca de Napoleão Bonaparte para a urbanística de Paris. A inauguração deu-se em 15 de Outubro de 1988. A segunda parte do plano Grand Louvre, a Pirâmide Invertida, ficou concluída em 1993. Assim, vista pela perspectiva esotérica ou iniciática, a Pirâmide com o vértice para o alto fica como pólo de atracção das Energias Celestes ou Siderais, enquanto com o vértice para baixo, como centro de encadeação das Forças Infernais ou Subterrâneas, unindo-se ambas aí indo energizar todo o Louvre dando foros sagrados ao mesmo como “templo maçónico” repositório da Arte universal.

Ísis e Manco-Capac no Louvre

Jean-Guillaume Moitte em 1806 foi encarregado de decorar a primeira fachada à direita do Pavilhão do Relógio no Cour Carrée do Palácio-Museu do Louvre, com o tema dos grandes Legisladores, o que fez seguindo a tendência egípcia encetada por Napoleão Bonaparte desde a Invasão do Egipto (1798-1801), cujos modelos artísticos o imperador importara para Paris através da sua corte de sábios.

Foi assim que Jean-Guillaume Moitte colocou lado a lado Moisés, Numa, Ísis e Manco-Capac, estes dois últimos em destaque nos lados da janela. Porque esses personagens tão opostos e estranhos entre si? Qual a intenção velada de Napoleão I em querer que o artista esculpisse assim mesmo essa obra?

Primeiro que tudo, tal como Napoleão esses quatro Legisladores ou Manus tiveram algo em comum: detiveram foros imperais e foram a luz das leis e das civilizações que dirigiram. Numa Pompílio (754 a. C. – 673 a. C.) foi o segundo imperador de Roma e fundou o Colégio dos Pontífices como pontifex maximus, juntando vestais e sallis ou sacerdotes num mesmo culto solar ao Deus Supremo Jano, identificado a Júpiter tendo por símbolo a águia, portanto, sendo um culto solar que primou pela pureza e a moralidade. Moisés, por sua vez, instituiu entre os hebreus as leis do Pentateuco e fundou o culto do Deus Único e Verdadeiro sob o nome Jehovah (Iod-He-Vau-Heth), cuja grandeza equipara-o à majestade do planeta Júpiter.

Ísis, por sua vez, é a Rainha-Deusa do Egipto que após a morte de seu esposo Osíris passou a ter a dupla prerrogativa de mantenedora do sacerdócio do Deus Solar (Osireth-Per-Amen-Ra), pautado pela maior pureza, e asseguradora do poder imperial dos faraós, todos eles incarnando as qualificações divinas do Filho da Deusa em quem ela delegou o trono, ou seja, aquele que é figurado como um falcão ou uma águia de asas abertas, o Deus Horus. Por este último atributo, o nome Ísis ou Iseth significa literalmente “ela no trono”, e a cobertura original para a sua cabeça foi exactamente um trono, segundo a iconografia clássica.

Manco-Capac foi o primeiro imperador de Cuzco, no Peru, era filho de Huayna Capac que os incas consideram a incarnação de Inty, o Deus do Sol. Diz-se que Manco-Capac e a que seria sua esposa, Mama-Oclo, vieram para a face da Terra da cidade subterrânea de Pacaritambo ou “Mansão do Amanhecer”, liderando um povo de pele dourada chamado Tapac-Yauri. Fundou a cidade de Cuzco e instituiu o culto solar de Inty, representado na ave condor que é a águia dos altiplanos andinos, tendo estabelecido um código de leis onde se incluía a proibição dos sacrifícios humanos e o casamento entre irmãos. Sob o império de Manco-Capac a civilização inca alcançou o apogeu, caracterizado pela paz e o progresso.

Napoleão não aparece no conjunto escultórico mas está subentendida a sua presença na figura angélica da República que orna a cimalha, e se está por cima das anteriores é porque está de acordo com a pretensão do imperador dos franceses em querer ser imperador universal, como se reunisse na sua única pessoa as prerrogativas civilizacionais dos Legisladores anteriores. Com isso, sob o império de Napoleão Bonaparte a África (Ísis), o Oriente (Moisés), a Europa (Numa) e a América (Manco-Capac) ficariam sob a direcção de um único homem que, a bem dizer, nessas condições seria Rei do Mundo. Contudo, diante dos desastrosos acontecimentos históricos posteriores que lhe sobrevieram, bem parece que as pressupostas Forças Ocultas do Mundo lhe vedaram tão exacerbada e orgulhosa pretensão, tendo ele acabado tristemente os seus dias desterrado, como é do conhecimento universal.

O facto de Ísis e Manco-Capac figurarem destacados neste conjunto monumental, tem a sua razão de ser na perspectiva mítica ou esotérica da História Francesa: primeiro que tudo, por se considerar a deusa galo-romana Lutécia, fundadora de Paris ou Paraísis, a própria Ísis que para aqui fora importada sob esse nome. É assim que, em 1811, a comissão dirigida por Louis Petit-Radel aprova as conclusões do maçom e cabalista Antoine Court de Gébelin (c. 1719 – 10.5.1874), famoso pelos seus estudos de hermenêutica e simbolismo que levam a considerá-lo avô do Ocultismo moderno, e “prova” a origem ísiaca de Paris. Nessa data a deusa egípcia vai ocupar o lugar de honra nas novas Armas da cidade, com está na sua carta-patente de 29 de Janeiro de 1811.

Se Ísis é assumida a divina matriz de Paris, capital da França país que é o coração da Europa, é nessa mesma altura que ela é baptizada com o título “cidade das luzes” (do esclarecimento, por via das artes, letras e ciências de que Paris passou a ser capital da Europa), e para representar essas mesmas luzes nada melhor que aquele imperador divino considerado a incarnação luminosa do próprio Sol na Terra: Manco-Capac. Assim mesmo, igualmente projectando para França o Passado ou Oriente, moldando os seus conhecimentos às experiências e vivências presentes e a seguir projectando o Futuro, o que era representado no Novo Mundo, a América. Paris era assim um misto de dois tempos de Humanidade na hora presente, uma ponte de luz entre o velho e o novo, entre o passado e o porvir. Esta é a mensagem criptada de Ísis e Manco-Capac ladeando insolitamente esta janela do Louvre pela qual penetra a luz do Sol que, afinal, é a vida de França e do Mundo.

Monumento maçónico dos Direitos do Homem

O Monumento dos Direitos do Homem está situado em plena Paris sobre o Campo de Marte, e foi erigido em 1989 por ocasião do bicentenário da Declaração dos Direitos do Homem sob a presidência de François Mitterrand, sendo o seu autor o arquitecto Ivan Theimer, um checo nascido em Olomouc em 1944, cujo esquisso do mesmo assenta inteiramente na tradição maçónica, cuja assinatura (o triângulo com os três pontos e as datas 1789-1989) mostra-se aí em destaque.

O edifício apresenta-se na forma cúbica clássica dos antigos templos egípcios e judaicos, em pedra talhada postado sobre um terraço a que se acede por sete degraus contando com a base, e sob a sua arquitectura robusta e aspecto frio oculta-se um mundo de simbolismo imperceptível ou incompreensível à maioria dos visitantes, que ora desdenham este estranho cubo de betão ou, quando se aproximam, interrogam-se perplexos sobre o que significa.

A porta de entrada é ladeada pelas duas colunas tradicionais Jakin e Bohaz do primitivo Templo de Salomão, e tal como neste estas não suportam peso algum do Monumento, estão adiante da entrada e a particularidade de nada susterem indica a sua exclusiva finalidade simbólica de suportarem a abóbada do Universo.

Tal como no Templo de Salomão a sua porta principal era feita de bronze, igualmente é esta do Monumento parisiense. Nesta porta foram cinzeladas uma série enorme de alegorias reportando aos Mistérios Iniciáticos do Antigo Egipto o que a faz um concentrado de saberes tradicionais ocultos do comum mundo profano. Numa miscelânea que mais parece um anagrama iniciático a ser decifrado só por quem possua as chaves da Iniciação, vê-se nesse conjunto uma série de deuses egípcios, pirâmides de vários estilos permeio a templos misteriosos e a edifícios simbólicos parisienses. É alusão velada à transferência da Tradição Iniciática do Egipto para a própria Paris, que teve o seu auge com Napoleão Bonaparte tempo após a Revolução que mudou a face político-social não só de França mas de toda a Europa e América. É esta a razão do Monumento apresentar os nomes e brasões de várias cidades europeias que adoptaram a Declaração dos Direitos do Homem, dentre elas Lisboa, em Portugal.

Destaca-se a famosa frase momento mori atribuída ao pintor francês Nicolas Poussin (1594-1665): Et in Arcadia ego, “também eu na Arcádia (estou)”, podendo-se interpretar como a morte que não impede o Iluminado na Sabedoria Divina de adentrar espiritualmente a Arcádia ou Paraíso deífico. E Arcádia deverá ser o nome deste Monumento singular, transpondo o sentido paradisíaco de Arcádia para a própria ísiaca ou iniciática Paris. Para provar o sentido espiritual da frase cinzelada na porta, acompanham-na ao centro da mesma, um pouco escondidas, duas outras gravações com o delta e o pêndulo maçónicos tendo o Paraíso por fundo, onde se lê: “O Povo Francês reconhece o Ente Supremo e a imortalidade da Alma”, e “Unidade, Indivisibilidade da República. Liberdade, Igualdade, Fraternidade, ou a Morte”.

Por cima da porta há uma abertura circular sem vidro em forma de olho onde se vê uma serpente mordendo a própria cauda, o famoso ouroborus. Este é aqui o sinal remoto que introduz no sentido a divinis do povo francês e dos seus primordiais valores divinos, expressos tanto espiritualmente como no humanismo da Declaração universal dos Direitos do Homem. A serpente apresenta-se como símbolo do conhecimento global, e estando enrolada mordendo a própria cauda, denomina simbolicamente o universo do Saber, a unidade do Ser.

Acompanhando o simbolismo do ouroborus, aparece lateralmente a escultura de um lagarto como derivado do simbolismo da serpente de que seria uma expressão atenuada. O Antigo Testamento (Provérbios 30:24) refere-o como “ser minúsculo sobre a terra mas sábio entre os sábios”, concluindo-se que as suas longas horas de imobilidade ao sol são o símbolo de um êxtase contemplativo. O lagarto simbolizará assim a alma que busca humildemente a Luz.

Nas traseiras do edifício dois obeliscos dão uma estética egípcia ao conjunto. Eles estão cobertos de inscrições e símbolos maçónicos, boa parte retirada do alfabeto maçónico adoptado pelo Rito Francês, e no obelisco da direita aparecem em paralelo as esculturas das Tábuas da Lei dadas por Deus a Moisés e a Declaração dos Direitos do Homem, equiparando e dando valor igual entre ambos, pois que a Declaração foi um grito de humanidade do Deus Interior do próprio Homem.

Duas estátuas de bronze ornamentam o Monumento, mas sem indicação que permita identificá-las, como se ficasse ao cuidador do observador a interpretação das mesmas. Numa, um cidadão implorante ergue os braços. Será a figuração da própria Humanidade, da piedade e tolerância que todos devem ter entre si. Noutra, uma senhora com um ramo encaminha uma criança. Configurarão a Maternidade e a Educação, posto que uma geração jovem bem-criada e bem-educada é a argamassa da civilização e do progresso universal. Isto é confirmado pela série de cartuchos com caracteres hebraicos na vertical que decoram a túnica do homem, e na horizontal, em francês, é indicado o capítulo XXXIV do Êxodo do Antigo Testamento: refere-se às duas Pedras da Lei talhadas por Moisés, depois de destruídas as primeiras, e à Aliança de Deus com o seu Povo, desde que permaneça na Lei e seja humanamente justo com o seu próximo. Este é, afinal, o sentido supremo da Declaração dos Direitos do Homem e a mensagem maior que pretende transmitir este Monumento às gerações presentes e futuras.

O painel maçónico do Jardim Paul Langevin

O pequeno espaço ajardinado do Square Paul Langevin é dominado por um enorme painel de figuras em relevo de inspiração claramente maçónica e que vai bem com a pessoa do evocado.

Paul Langevin (Paris, 23.1.1872 – Paris, 19.12.1946), além de físico brilhante foi também membro notável do Grande Oriente de França da Maçonaria, que não esqueceu o seu filho e lhe consagrou este espaço dominado pelo supradito painel carregado de significados iniciáticos que aí terá sido colocado pouco depois da sua morte.

Com efeito, este painel decorara o Palácio da Indústria durante a Exposição Universal de 1889 e foi transposto para aqui para ilustrar o percurso humano e espiritual de Paul Langevin. O primeiro medalhão à esquerda apresenta o emblema da Maçonaria Universal: o esquadro sobreposto ao compasso, rodeados de folhas de ramo de acácia e desfechado em cima por fita enlaçada em oito (símbolo do Infinito) a que se chama tradicionalmente “laço de amor”, indicativo da união dos opostos, como, por exemplo, Sol e Lua, Espírito e Matéria, Masculino e Feminino, Esquadro e Compasso, etc., que entrelaçados indicam o estado primordial de Andrógino Perfeito, equivalente ao estado consciencial e corporal do Mestre Real a quem os orientais chamam Mahatma, isto é, “Grande Alma”.

No simbolismo maçónico, o compasso designa “a medida na procura”, associando-se ao Espírito activo, e o esquadro indica “a rectidão na acção”, ligando-se à Matéria passiva. Quando os dois utensílios estão entrelaçados, expressam a ideia de Neutralidade (nem Bem nem Mal…) que é a condição necessária para se alcançar a Iluminação Espiritual. Esta Iluminação é representada, na hierarquia maçónica, no 3.º Grau de Mestre Maçom, onde o compasso é colocado sobre o esquadro, indicando com isso que a espiritualidade venceu a profanidade, e é isso mesmo que se vê no medalhão deste jardim.

Transpondo esses dois instrumentos de geometria e arquitectura para a pessoa de Paul Langevin, o compasso (conhecimento, espírito) evocará a sua pessoa como físico notável, enquanto o esquadro (acção, matéria) poderá evocá-lo como o corajoso resistente que chegou a ser presidente do comité de vigilância anti-fascista.

A presença do ramo de acácia também é muito significativa. É a planta eleita pela Maçonaria Universal para designar o Mestre Maçom, a Iniciação Maçónica e a Imortalidade, conquistada através do estado de Inocência ou Pureza que os Dóricos e Jónicos primitivos chamavam Akákia. A palavra acácia deriva do grego aké, com o sentido de “ponta”, de “extremidade aguda” que depois se deu à lanké, a “lança”. A forma antiga para designar o espinheiro era akantha, significando a planta que tem espinhos: o acanto, a acácia, donde akákia, termo derivado de aké. Tais espinhos representam as provas dolorosas que o iniciado enfrenta e deve vencer no seu caminho até alcançar o Grau de Mestre Perfeito.

Em França designa-se sob o nome de acácia a acacia bastarda (robinier pseudo-acácia) ou falsa acácia de flores brancas. Esta, originária da América, chamada acacia americana robini, só se tornaria comum em França a partir de 1650. Os primeiros pés teriam sido cultivados no Jardim Botânico de Paris por Vesparien Robin, o primeiro a receber as suas sementes. Tournefort chamou-a de pseudo-acacia-vulgaris, para distingui-la da acácia ou cássia dos antigos, árvore de outro carácter e que é a mesma da adopção maçónica, como já era feito nas tradições ancestrais.

Os egípcios consideravam a acácia uma árvore sagrada, que também era reverenciada entre os antigos árabes, particularmente nas tribos Ghalfon e Corest, a quem chamavam al-vzza, pronunciada houzza, mas que depois Mahometh considerou símbolo idolátrico. Dessa palavra houzza derivou o “viva” escocês, houzé, que se escreve huzza, usado na Maçonaria Francesa e Inglesa como exclamação de alegria.

Para os antigos egípcios e árabes o espinho do Egipto ou acácia era, pois, um símbolo solar, como as folhas do lótus e as do heliotrópio; as suas folhas abrem-se aos raios do Sol nascente e fecham-se quando o Sol desaparece do horizonte. A sua flor, coberta de penugem, parece imitar o disco radiado do Astro-Rei. Foi assim que os povos semitas consagraram esta planta ao Deus do dia – o Logos Solar representado tanto por Osíris como por Allah, isto é, o “Primeiro” ou “Primordial” – e fizeram uso dela nos sacrifícios litúrgicos que lhe dedicavam.

É assim que o medalhão da esquerda neste Jardim Paul Langevin representa a inocência do Puro (a acácia) que, graças à Iniciação gradual, é também detentor do saber teórico (compasso) e prático (esquadro) da Tradição Iniciática das Idades. Isto está assinalado num outro medalhão onde se vê um Anjo ou Ser Andrógino Alado (representando a Pureza original) segurando um listel com a palavra Ingres, “Ingresso”, que é dizer, onde paulatinamente se ingressa ou aprofunda essa mesma Tradição Iniciáticas das Idades ou a Primordial, donde saíram todas as religiões e correntes espiritualistas do mundo.

No medalhão à direita no painel, a sua mensagem é mais cosmológica que antropológica. Ele apresenta um delta escaleno (equilateral) donde pende um fio-de-prumo, em vertical, cuja linha horizontal é formada pela base do delta. Se este representa a Trindade Divina, tem-se então a sua dimensão cosmológica nas linhas vertical (Norte – Sul) e horizontal (Este – Oeste) como base de todas as outras direcções complementares do Universo, num jogo de reciprocidades, que igualmente dispõe o simbolismo deste em reciprocidade com o medalhão anterior.

Com efeito, se no medalhão à esquerda o esquadro é barrado pelo compasso é porque realiza a passagem da Matéria ao Espírito, transformação que se dá através do simbolismo da direcção dupla do Universo: N.S. para o Espírito (compasso) e E.O. para a Matéria (esquadro), aquele marcado pela linha vertical e este pela linha horizontal. Também neste medalhão à direita a base horizontal do delta é barrada pelo fio-de-prumo vertical. A isto a Tradição chama de nível (linha horizontal) e perpendicular (linha vertical), facto muito interessante porque os símbolos ou jóias móveis do Venerável ou Supremo Dirigente da Loja Maçónica e das suas duas Colunas Vivas ou dois Vigilantes, foram sempre o esquadro, o nível e a perpendicular, em representação dos três Graus fundamentais da chamada Maçonaria Azul: Mestre, Companheiro e Aprendiz.

Tem-se então, neste painel, sintetizada a ilustração simbólica do Mundo Maçónico cujo centro é o seu Templo, o que também é confirmado pelas chamas envolvendo os dois medalhões, porque, como dizem as escrituras maçónicas, “o Templo deve estar sempre iluminado pelas chamas do Fogo Sagrado”.

O túmulo do mago Papus

No cemitério de Pére Lachaise, Paris, há um túmulo que é motivo de peregrinação quase obrigatória dos ocultistas europeus, americanos e até asiáticos: trata-se da sepultura do célebre mago Papus. Não há dia sem romaria nem flores depostas neste túmulo, juntas com preces e evocações misteriosas da obra e da pessoa que é mestre para a fina-flor da botânica do Ocultismo mundial, junto ao qual passaram e passam nomes mais ou menos célebres do início do século XX até hoje, desde magos a rosacrucianos, martinistas, maçons, cabalistas, etc., etc.

O túmulo de Papus está junto ao do seu filho Philippe Encausse (1906-1984), que foi inspector-geral e chefe do serviço do Ministério da Educação de França, tendo sido laureado pela Academia Francesa de Medicina e também a legião de honra e medalha militar. Ele prosseguiu a obra ocultista do seu pai, divulgando-a e ampliando-a junto dos meios esotéricos e neo-espiritualistas da actualidade cujas doutrinas e práticas ocultistas dominantes nos mesmos devem-se quase inteiramente à influência do pensamento mágico de Papus.

Papus não é o nome verdadeiro deste personagem mas o seu pseudónimo. Nasceu na Corunha, Galiza, em 13 de Julho de 1865, filho de pai francês, o químico Louis Encausse, e de mãe espanhola de origem cigana, Irene Perez, e foi baptizado com o nome Gérard Anaclet Vincent Encausse. Em 1869 mudou-se com a família para o bairro de Montmartre, em Paris. A maior parte da sua vida dedicou-a aos estudos e práticas ocultistas, onde se destacou como cabalista, rosacruciano, maçom e finalmente martinista, cujo rito moderno fundou. Foi também um reputado médico, tendo estudado primeiro no Colégio Rollin e depois, com 17 anos de idade, começado a frequentar a Faculdade de Medicina de Paris, onde se graduou com a sua tese de doutoramento sobre moléstias nervosas, um verdadeiro tratado sobre o assunto.

Foi nos tempos da Faculdade que Gérard Encausse estabeleceu os primeiros contactos com reputados membros de vários Ordens ocultistas, dentre eles Stanislas de Guaita que, por sinal, teve uma vida curta (6.4.1861 – 19.12.1897) apesar de profícua no Ocultismo da época. O jovem Encausse passou longo tempo na Biblioteca Nacional de Paris e na Biblioteca do Arsenal a estudar as antigas obras de Alquimia e de Cabala, tendo como seu iniciador  nesses estudos o Marquês Saint-Yves d´Alveydre (1842-1909). Em breve elegeria como patrono da sua obra ocultista um outro mago e cabalista famoso, Eliphas Lévi (8.2.1810 – 31.5.1875), pseudónimo do francês Alphonse Louis Constant, cujos dois primeiros nomes traduziu para a língua hebraica para resultarem nesse pseudónimo com que assinou as suas obras mágicas, cujas práticas custaram-lhe a saúde mental e granjearam-lhe a miséria material, pois, segundo alguns, os seus últimos dias passou-os deambulando ensandecido mendigando pelos mercados de Paris, facto pouco conhecido ou escondido da maioria para só ficar o mito do grande mago, que não deixou de ser, mas pouco teósofo ou entendido nas Leis da Sabedoria de Deus que rege o Universo e o Homem.

Gérard Encausse adoptou o pseudónimo Papus por influência de Eliphas Lévi, que identificou esse como o nome do Génio da Medicina no Nuctemeron de Apolónio de Tiana, significando Papus “terapeuta, médico”.

Os primeiros estudos ocultistas de Papus foram publicados sob os auspícios da Sociedade Teosófica fundada por Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891), na revista Le Lotus que era o órgão oficial dessa Sociedade em França. Mas Papus desentendeu-se com a mesma e desquitou-se dela, sendo em 1882 iniciado pelo ocultista e maçom Henri Delaage na Sociedade dos Filósofos Desconhecidos, Ordem pressupostamente fundada por Louis Claude de Saint-Martin (1743-1803) na França. Em breve Papus tornou-se o líder de toda a actividade ocultista de Paris e a cabeça da Escola Martinista francesa, mista de neo-maçónica, neo-rosacruciana e neo-cabalista, fonte de inspiração de muitas outras organizações do género que entretanto foram aparecendo.

O Martinismo de Papus é uma composição muito original adaptada do pensamento do filósofo Louis Claude de Saint-Martin, romancista e místico cristão iniciado em 1768 no rito maçónico dos Elus Cohens fundado por Martinets de Pasqually, aliás, o judeu português Martins de Pasquais (1727-1779) estabelecido em França desde cerca de 1748, tendo falecido em Santo Domingo, no Caribe. Foi de Martins de Pasquais que Saint-Martin recebeu o conhecimento martinista que depois seria adaptado por Papus segundo a sua maneira única de interpretar os sistemas maçónico e cabalista, que é no que consiste esse rito mais mágico que teúrgico ou de comunicação directa com Deus e de Deus directamente ao Homem, em cuja comunicação divina os demais deuses têm papel subalterno, enquanto na magia esses deuses têm papel predominante, sendo, pois, uma via indirecta – não raro perigosa por suas práticas psíquicas de elaboração complexa e confusa – para chegar ao entendimento e absorção no Supremo Eterno.

Por causa disso, adivinhando a sua morte próxima, Papus dizia que iria morrer em breve vítima dum ataque de magia negra. Faleceu em 25 de Outubro de 1916, e, com ou sem magia negra, é facto provado que o seu falecimento deveu-se a uma grave enfermidade contraída nas trincheiras das batalhas na Primeira Guerra Mundial, onde actuou como major-médico.

Enigmas da igreja de Saint-Sulpice

A igreja de Saint-Sulpice situa-se no 6.º arrondissement e é a maior de Paris depois da catedral de Notre-Dame. Orientada no sentido tradicional Leste-Oeste, com 120 metros de comprimento, 57 metros de largura e 30 de altura, é uma mistura de arquitectura jesuíta e clássica, a que chamam estilo sulpicien.

A sua origem poderá remontar ao século X segundo os fólios cartoriais de 1724 desta igreja, que indicam a existência aqui de uma pedra tumular dessa época, possivelmente quando era ainda uma pequena capela. Do século XII ao XIV construiu-se uma nova igreja sobre o antigo templo, sendo no século XVII (1614) engrandecida com uma nave e três capelas. Mas como esta igreja era pequena para conter o vultuoso de paroquianos do bairro de Saint-Germain-des-Prés, e ademais ameaçava desabar em ruínas, em 16 de Março de 1643 a assembleia presidida por Henri II de Bourbon-Condé, 3.º Príncipe de Condé, decidiu iniciar obras de restauro e ampliação, o que foi feito, sendo os trabalhos de engrandecimento confiados ao arquitecto Christophe Gamard, em 1645. As obras começaram em 1646 e arrastaram-se dentro e fora do edifício até 1870, sempre com novos acréscimos e embelezamentos. Actualmente, desde 20 de Maio de 1915, esta igreja de Saint-Sulpice está classificada como monumento histórico.

O ocultismo amador de alguns autores recentes celebrizou esta igreja parisiense dando-a como sede de misteriosos e secretos personagens os quais deixaram nela sinais esotéricos complexos que são pomo de controvérsias e interpretações desencontradas.

No vitral da rosácea de um dos transeptos desta igreja, aparecem duas letras iniciais entrecruzadas, SP ou PS, que os que os ocultistas amadores e os romancistas fantasistas atribuem como sendo indicativas do Prieuré de Sion (Priorado de Sião), nome de uma sociedade secreta de sinistros iluminados que ocultamente dirigem os destinos do mundo para um fim só conhecido deles. Poderia ser, se não fosse o facto de tal seita nunca ter passado de uma invenção dum certo parisiense chamado Pierre-Plantard (18.3.1920 – 3.2.2000), personagem controverso que a engendrou em Dezembro de 1953, depois de ter cumprido seis meses de prisão por abuso de confiança enquanto funcionário do Estado. Em 7 de Maio de 1956, entregou os estatutos da sua seita imaginária na sub-prefeitura de Saint-Julien-en-Genevois, e depois, entre 1964 e 1967, depôs anonimamente na Biblioteca Nacional de Paris uns bem elaborados esquemas genealógicos sobre os Reis Francos da Merovíngia cuja origem recuaria a Jesus e Maria Madalena, casados. A conservadora da Biblioteca Nacional desmentiu a autenticidade dos documentos, e em 1993 o próprio Plantard, maçom rejeitado e racista assumido, confessou na polícia de Paris que fora tudo uma impostura sua. Morreu abandonado por todos.

O SP que se vê no vitral da rosácea de Saint-Sulpice quer dizer Saint-Pierre (São Pedro, por ser esta uma igreja católica romana) ou Saint-Pierre et Saint-Sulpice, que é o nome exacto do transepto iluminado pela rosácea vítrea.

Nesta igreja também provoca elucubrações imaginosas uma pintura de Émile Signol (8.5.1804 – 4.10.1892) onde se vê o letreiro da Cruz (Titulus Crucis) do Senhor com a frase “Jesus Nazareno Rei dos Judeus” escrita, como é convencional em iconografia, nas três línguas hebraica, grega e latina, usuais no Médio Oriente há 2000 anos, contudo estando essas escritas completamente invertidas. A explicação é simples: sendo Jesus era hebreu e como a língua hebraica lê-se da direita para a esquerda, imaginosamente o artista pintou as frases grega e latina abaixo daquela mesma da forma convencional como ela se lê e escreve, a modo de inscrever o subentendido da submissão de Roma e Atenas à primazia cultual e depois apostólica ou evangélica de Jerusalém cujo expoente máximo, onde foi morrer e também ressuscitar, era o Cristo.

Outro motivo de especulações fantásticas nesta igreja é o seu famoso meridiano no solo terminando no obelisco mural. Com efeito, no braço norte do transepto vê-se um meridiano correntemente apelidado gnomon sob a forma de um obelisco, havendo no solo a sul um fio de cobre indo em direcção ele. Foi instalado no século XVIII pelos sábios do Observatório de Paris por pedido feito em 1723 pelo prior de Saint-Sulpice, Languet de Gergy, desejoso de fixar com precisão a data do Equinócio em Março, e, por conseguinte, a da Páscoa. Todos os dias do ano, quando o Sol estava no meridiano, os seus raios atravessavam uma lente colocada no vitral do transepto sul indo incidir na linha de cobre, mais ou menos próxima do obelisco, seguindo o período do ano.

Esta obra engenhosa foi iniciada pelo célebre relojoeiro inglês Henri de Sully que entretanto faleceu em 13 de Outubro de 1728, sendo os trabalhos confiados em 1744 a Pierre Charles Le Monnier, da Academia das Ciências, que encarregou Claude Langlois, engenheiro das galerias do Louvre, da execução. O conjunto compõe-se de três partes: 1.ª) o obelisco de 10 metros de altura com a linha meridiana ao meio; 2.ª) uma linha de cobre no chão e que passa sob o coro, quando iluminada materializava o meridiano; 3.ª) a lente ou luneta no vitral sul, a qual já não existe.

Na dianteira do obelisco aparece a gravura do tradicional Agnus Dei ou Cordeiro Pascal, motivo principal desta invenção astronómica, e em francês e latim trechos dos Salmos XXXVIII e LXXII, recitados na semana da Páscoa e no Domingo de Ressurreição, portanto, sendo Salmos Pascais. Contudo, fugindo a toda a regra canónica e ao bom senso comum, há quem continue insistindo que o gnomon é uma pista disfarçado para um tesouro secreto que está debaixo do obelisco. Que a fantasia não o belisque, ele que é uma prova evidente das raras que existem na Europa sobre a conexão Terra – Cosmos através da Liturgia marcada pelo calendário religioso que acompanha os ciclos cósmicos celebrados em datas prefixadas, como o festejo sazonal ou móvel da Páscoa, cujo motivo principal é a celebração da morte profana e a ressurreição iniciática, quando Homem se transforma em Divino.